Nove atores em palco com vestimentas dos anos 30. Pouco ou nenhum objeto em cena — voz, luz, movimento e expressão. 70 minutos que remontaram 85 anos de história. Em duas apresentações, nas noites de sábado (28) e domingo (29), o grupo Ponto de Partida, de Barbacena, Minas Gerais, contou e cantou a vida do poeta gauche, Carlos Drummond de Andrade, em seus próprios versos.
Da infância em Itabira aos Últimos Dias, foram mais de 30 poemas interpretados no palco do Teatro Bom Jesus. E quem esperava encontrar a melancolia e o desencanto de boa parte de sua obra surpreendeu-se com a comicidade com que os poemas foram interpretados. Até mesmo Os ombros suportam o mundo foi declamado com a leveza do sorriso da atriz Soraia Moraes. Os poemas sobre a infância — a exemplo de A dupla humilhação, escolhido para representar a rivalidade entre Drummond e seu irmão José — e sobre a adolescência — alguns até eróticos — levaram a plateia às gargalhadas. Caricatos e eufóricos, a expressividade dos artistas contrastou com a melancolia das luzes que, por vezes, residiram em apenas um spot focando um único ator. O silêncio pesou apenas quando entraram em cena os poemas que simbolizavam um Drummond já maduro, metafísico, que ensaia um adeus ao mundo material: “E a matéria se veja acabar: adeus composição / que um dia se chamou Carlos Drummond de Andrade”. Das sete faces do poeta, a que menos apareceu foi a do homem sério, com poucos, raros amigos, atrás dos óculos e do bigode.
De acordo com o ator Ronaldo Pereira, o tom cômico tem como objetivo aproximar o público da poesia de Drummond: “A nossa intenção era trazer um pouco mais para perto e mostrar que ele é um poeta de várias faces, que ele tem uma coisa densa, mas também bem-humorada”, afirma. No geral, a companhia foi bem sucedida — não é à toa que a peça está sendo encenada há 26 anos. Dos nove atores, seis participam da peça desde sua primeira apresentação, em 1989. A plateia, que compareceu em peso à apresentação do dia 28, aplaudiu longamente os artistas mineiros. Rostos inexpressivos, contudo, também foram vistos saindo do teatro. “Eu achei que fosse poesia”, ouviu-se enquanto o teatro esvaziava. Mas foi, foi poesia, em toda a sua subjetividade, passível das mais diversas interpretações. Literalmente.