Casos de violência marcam retorno do futebol

No clássico athletiba de ontem, apenas rubro-negros puderam acompanhar a derrota por 2x1 para o rival Coritiba. Torcida única não impediu registros de violência entre torcedores pela capital.

Foto: AFP/Reprodução

A volta do público aos jogos de futebol, após um longo período de estádios vazios por conta da pandemia, vem sendo marcada pela violência. E não foi diferente na vitória do Coritiba sobre o Athletico, por 2×1, nesta quarta-feira (23), em partida válida pela semifinal do Campeonato Paranaense. Devido à decisão da Federação Paranaense de Futebol (FPF) no último final de semana, o jogo, realizado na Arena da Baixada, contou apenas com a presença de rubro-negros. Torcida única que não impediu registros pelas redes sociais de brigas pela cidade.

Não foi a primeira vez neste estadual. Torcedores do Paraná Clube invadiram o gramado para agredir jogadores na partida que decretou o rebaixamento do clube. O atletiba da primeira fase rendeu punições aos dois clubes: a partida foi interrompida por alguns minutos, após as duas torcidas entrarem em confronto nas arquibancadas do Couto Pereira. As punições foram a aplicação de multas para os dois times e a decisão de torcida única nos clássicos das semifinais.

No Rio Grande Sul, torcedores do Internacional atacaram o ônibus que transportava a delegação do Grêmio para o clássico grenal. O meia gremista Villasanti precisou ser levado ao hospital, após sofrer traumatismo craniano. Na mesma semana, o ônibus da equipe do Bahia foi atacado pelos próprios torcedores do clube. O goleiro Danilo Fernandes recebeu 20 pontos entre rosto, perna e orelha por conta dos diversos ferimentos no corpo. Em Minas Gerais, um homem foi assassinado a tiros em uma confusão envolvendo torcedores do Atlético e Cruzeiro. Todos os casos aconteceram este ano.

Parte do fenômeno é relacionada à existência de torcidas organizadas. Confira a seguir como essas instituições surgiram e a partir de que ponto passaram a ser mais agressivas.

Papel social

O fenômeno de torcidas organizadas independentes tem início em 1 de julho de 1969, com a criação da Gaviões da Fiel, grupo torcedor do Corinthians, conforme mostrado no  documentário Territórios do Torcer, produzido pelo Museu do Futebol com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesc). Apesar de possuírem um maior papel na política interna dos clubes, as torcidas naquela época participavam dos diversos debates de interesse público, como a luta por um país mais democrático. 

“A gente sempre procurou participar dos mais importantes eventos políticos do Brasil. Desde as campanhas das Diretas Já!, da anistia… Sempre teve essa relação”, diz Chico Malfitani, fundador da Gaviões da Fiel. 

As torcidas possuíam um papel até na organização do evento esportivo. Segundo o doutor em História e professor André Mendes Carpraro, que possui mestrado e doutorado diretamente ligados ao futebol, “não existiam divisões entre torcidas, então os grupos organizados exerciam esse papel de separar as torcidas e minimizar a confusão”,

Os anos 1970 seguiram com a grande ascensão do futebol no Brasil. Após a conquista do mundial de 1970, o esporte se firmou definitivamente como a paixão nacional, o que influenciou diretamente o crescimento das torcidas organizadas. 

Protagonismo da violência

Os confrontos entre torcedores passaram a ser mais frequentes a partir da década de 1980. Segundo o professor Carpraro, “em algum momento dessa história elas [torcidas organizadas] passam a exercer o poder à base da força. E é nesse período entre os anos 80 e 90″.  

O presidente da Torcida Uniformizada do Palmeiras entre 1980 e 1985, Matheus Rodak, também ressalta essa mudança de comportamento das torcidas. “Nos anos 80, as coisas começaram a ficar mais difíceis… Já não era mais como nos anos 70″, afirma. A Mancha Verde, do Palmeiras, entre os diversos motivos e objetivos de sua fundação, nasceu a partir de um sentimento de autoproteção. Foi fundada em 11 de janeiro de 1983, com a fusão de três torcidas menores, que estavam cansadas de sofrer com a violência imposta pelos rivais.

É então que, nos anos 1990, a violência explode. Em 23 de janeiro de 1992, na semifinal da Copa São Paulo de Futebol Júnior entre Corinthians e São Paulo, Rodrigo de Gasperi, de apenas 13 anos, foi morto por uma bomba caseira lançada pela torcida tricolor. Em 20 de agosto de 1995, outro jogo válido pela Copa São Paulo de Futebol Junior foi marcado pela tragédia. Dessa vez, Palmeiras enfrentava o São Paulo na final da competição. 

Na ocasião, o estádio do Pacaembu foi palco de briga com paus, pedras e bombas. Foto: Djalma Vassão/Reprodução

Hélio Silva, torcedor símbolo do São Paulo e Liderança da TUSP (Torcida Uniformizada do São Paulo), estava presente naquela final. “Vejo aquele estádio lotando, vejo em construção tudo aquele ‘monte’, pouca polícia… Eu falei: “Vão pular aí, dependendo do resultado. Falei para várias pessoas que ia acontecer aquilo”, relembra no documentário.

“Aquilo” a que Hélio se referiu era a morte de Marcio Gasparin, de 16 anos, e mais  cem pessoas feridas no confronto que teve início após o gol do título do Palmeiras. Foi a primeira briga entre torcidas que foi a julgamento no Brasil. Como resultado, a torcida Independente do São Paulo FC e a Mancha Verde do Palmeiras foram extintas. A Federação Paulista de Futebol proibiu, em todos os estádios de São Paulo, as torcidas uniformizadas. O caso foi um marco, pois abriu os olhos da sociedade e do Estado para o problema social que é a violência nas arquibancadas.

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