Desde o seu início, em 20 de janeiro deste ano, o segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos Da América revela uma postura agressiva quanto à pesquisa científica. Através de cortes, demissões, cancelamentos e congelamentos. O atual presidente estadunidense, com menos de um ano de mandato, alterou o cenário da ciência e pesquisa global.
Os cortes foram estipulados nas pesquisas que não se alinham com a nova agenda governamental “America First” (América em primeiro), feita no segundo mandato de Trump. Na qual, de acordo com o professor e cientista político Alessandro Tokumoto, formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), questões climáticas e de diversidade foram muito prejudicadas.
“Avaliar o mérito aqui significa estar alinhado com aquilo que o governo defende, não necessariamente do ponto de vista científico. Essas áreas de pesquisa que vão levantar o problema ambiental, que vão alimentar a pauta da diversidade; principalmente essas, devem ter seu orçamento e divulgação muito afetados”, alega Tokumoto.
Intertítulo: Principais propostas de corte do governo Trump
Os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), principais agências de pesquisas médicas estadunidenses, sofreram um corte imediato de até 40% de seus orçamentos anuais — podendo variar de US$8 bilhões a US$18 bilhões (equivalente a R$42 bilhões a R$93 bilhões) por ano. Além de desligamento de mais de 1.000 funcionários e congelamento de pesquisas em câncer, vacinas, transplantes e doenças crônicas. Algumas dessas pesquisas aconteciam em parceria com instituições do mundo todo. Inclusive do Instituto Butantan, nas pesquisas sobre vacinas, e da Universidade de São Paulo (USP), com projetos em imunoparasitologia, biomedicina e saúde pública.
Trump, propôs o que seria o maior corte de verba da história da Fundação Nacional de Ciência (NSF), de US$ 8,8 bilhões para US$ 3,9 bilhões (equivalente a R$42,8 bilhões para R$20,8 bilhões) no orçamento de 2026 — mais da metade do montante total. Como parte do megapacote tributário e orçamentário “One Big Beautifull Bill” (Um grande e belo plano, na tradução livre), que prevê cortes à saúde, nutrição, educação e energia limpa, o NSF cancelou mais de 1.650 bolsas e suspendeu novos editais.
A Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA), fechou escritórios e eliminou cargos importantes como o de cientista-chefe. Entre os departamentos encerrados, um tratava de temas como: diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade (DEIA). Em meio aos 154 mil funcionários federais que optaram pela proposta de demissão voluntária — estipulada por Trump para reduzir a força de trabalho federal — a NASA teve 4 mil funcionários que saíram da folha de pagamento.
De modo a atender uma medida abrangente do movimento de redução da força de trabalho, que demitiu mais de 16.000 funcionários em estágio probatório — profissionais iniciantes ou em novos cargos. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), principal agência de clima dos EUA, demitiu mais de 1.000 pessoas.
Na Universidade de Harvard, uma das maiores instituições de pesquisa do mundo e a mais prestigiosa universidade dos EUA, Trump tentou proibir a participação de estudantes estrangeiros. Os alunos teriam que se transferir para outras instituições de fora do país. Além de ter cancelado o repasse de US$ 2 bilhôes (equivalente a R$ 11,9 bilhôes) em bolsas para a universidade. Em setembro deste ano, os cortes foram considerados ilegais em uma trama processual que acontecia desde o início do ano entre Trump e Harvard.
O presidente dos EUA, tomou diversas atitudes que preocupam a comunidade científica internacionalmente. Em uma declaração oficial, produzida pela All European Academies (Allea) e assinada por quase 180 instituições de pesquisa e ensino do mundo todo — incluindo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) — é reiterada a gravidade das tomadas de decisão do governo estadunidense em uma escala global.
“Tal censura e supressão política da linguagem, dos tópicos de pesquisa e das metodologias comprometem fundamentalmente a integridade dos esforços científicos e acadêmicos não apenas nos EUA, mas em todo o mundo, devido à natureza global do ecossistema de pesquisa”, afirma o documento.
Intertítulo: Possíveis impactos no Brasil e Paraná
Foto: João Mello
O Brasil é impactado diretamente pelos cortes que já foram realizados, a partir de quebra de parcerias internacionais para a pesquisa, como as que acontecem no Instituto Butantan e USP em aliança com os NIH. Caso todos os cortes acontecessem o Brasil poderia perder ou ter que congelar todas essas pesquisas e inúmeros pesquisadores teriam que achar outro lugar para seus estudos.
As propostas de Trump e os cortes já feitos na ciência causam um cenário de instabilidade para os pesquisadores, principalmente para aqueles que são imigrantes. Para os brasileiros não é diferente, segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ao menos 96 pesquisadores brasileiros desistiram de seus doutorados nos EUA devido às incertezas causadas pela falta de amparo.
Essas incertezas abrem uma brecha: a chance de o Brasil repatriar os pesquisadores que faziam parte do êxodo científico — saída de pesquisadores brasileiros para outros países. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou um programa de repatriamento, o Conhecimento Brasil, que contou com mais de 1,5 mil propostas submetidas por pesquisadores que buscam voltar ao Brasil.
No Paraná os impactos podem ocorrer de forma menos direta. Diferente de outros estados, como São Paulo, o Paraná não teve nenhuma pesquisa que tenha sofrido consequências diretas dos cortes de verba na ciência dos EUA. O Jornal Comunicação tentou contato com diversas instituições paranaenses que pudessem ter vínculo com grandes organizações estadunidenses de pesquisa. As fontes que concederam resposta, como a Fundação Araucária e a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (Seti), afirmaram que não havia vínculos diretos com a instituição, mas sim com alguns pesquisadores específicos.
Como é o caso de Marcelo Emílio. O professor da Universidade Estadual De Ponta Grossa (UEPG) e presidente da fundação PLANETS — fundação que junta pesquisadores do mundo todo na exploração de exoplanetas (planetas localizados fora do sistema solar). Têm vínculo com a NASA, em uma pesquisa com o satélite TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite).
Apesar de reconhecer os cortes, o pesquisador não crê que será diretamente afetado. “Sim, tiveram cortes, isso é ruim, mas minha pesquisa em particular não deve ser afetada diretamente”, afirma Emílio.
