Curitiba ostenta prêmio de “cidade mais inteligente”, mas vê crescer a população em situação de rua  

Segundo dados do CadÚnico, em dez anos o número de pessoas vivendo nas ruas quase quadruplicou

Pessoas em situação de rua no Passeio Público ocupam parques públicos Foto: Valentina Copack

Por Heloisa Pagani

Curitiba, reconhecida internacionalmente por seu planejamento urbano, foi eleita em 2023 como “a cidade mais inteligente do mundo”. Apesar da premiação, a capital enfrenta um problema que desafia esse prestígio: o avanço da população em situação de rua. Segundo dados divulgados pela prefeitura,  com base em um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), foi constatado que mais de 4 mil pessoas estavam vivendo em situação de rua na cidade no ano de 2024. E este número pode ser maior, considerando que foi possível contabilizar apenas aqueles com cadastro no CadÚnico e em órgãos públicos da Regional Matriz de Curitiba 

Esse número seria quase quatro vezes maior do que em 2015 (1200 pessoas registradas), o que desperta preocupação considerando que a cidade dispõe de apenas 1.640 vagas de acolhimento no sistema público.  

Curitiba é a nona capital brasileira com o maior número de pessoas em situação de rua, e a partir desses números surge o questionamento dos motivos que levam as pessoas a esta situação. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre as motivações mais comuns estão o desemprego, problemas familiares, alcoolismo e a perda de moradia. O estudo do Ippuc também mostra o perfil dessa população, observando que 56% se declaram de cor branca e 90%, do sexo masculino. A maior parte (82%) já teve carteira assinada e quase todos (92%) estão em na faixa etária de 18 a 59 anos. 

Para atender essa população, o município possui diversos espaços de acolhimento como a Casa da Acolhida e do Regresso (CAR), os Centros Pop (Centros de Referência Especializado para a População em Situação de Rua) e os Hotéis Sociais. Esses espaços oferecem alimentação, banho e suporte para essas pessoas, como o acompanhamento social para reinserção na sociedade.  

Infográfico: Heloisa Pagani

“Mesmo que todas as pessoas em situação de rua queiram ser acolhidas, não existem vagas suficientes” 

 Vanessa Lima

A REALIDADE DOS ABRIGOS

 Vanessa Lima é fundadora e presidente da Associação Mãos Invisíveis, além de agente técnica de atendimento do Moradia Primeiro Curitiba. Ela tece críticas sobre a organização dos albergues “Mesmo que todas as pessoas em situação de rua queiram ser acolhidas, não existem vagas suficientes”, explica a agente.  

Além disso, existem outras dificuldades nos abrigos. Não há vagas para casais e nem para pessoas com animais de grande porte, e as vagas para as mulheres são pouquíssimas, totalizando apenas 50 ofertadas diretamente pela prefeitura. A partir disso, Vanessa afirma que o motivo da baixa adesão aos espaços de acolhimento ocorre justamente pelas opções não adequadas e pelo modo de organização que não acomoda a maior parte das pessoas em situação de rua. “A lacuna é de fato a superação da situação de rua, os serviços, da forma que estão estabelecidos no momento, fazem manutenção da situação, com altos custos e sem resultados práticos”, cita a assistente social.  

Questionada sobre o que poderia ser feito para trazer resultados de maior impacto, Vanessa defendeu a necessidade de políticas de habilitação e superação da situação da rua, além da reestruturação e reordenamento dos equipamentos para essa população. A sua fala reforça que o problema ultrapassa a capacidade estimada e oferecida pela cidade.  

Ademar de Souza, hoje é motorista de aplicativo, mas já esteve em situação de rua, passando por várias cidades e casas de acolhimento. Na sua experiência, relatou como os ambientes eram lotados e nem sempre acolhedores. A mudança na sua situação não veio de um órgão ligado a Prefeitura, “O que fez eu querer mudar minha situação foram as pessoas que eu conheci em ONGs, que me deram todo o suporte para me reinserir no mercado de trabalho”, ele cita.  

Souza, fazendo referência ao período em que viveu nas ruas, relata ter enfrentado preconceito da população e afirma que era frequentemente associado ao uso de drogas e bebidas. 

Essa hostilidade gerou um profundo sentimento de marginalização e, em diversos momentos, fez com que ele acreditasse não haver alternativas para sua vida, alimentando um ciclo vicioso de exclusão. 

Enquanto Curitiba coleciona prêmios de inovação e carrega o título de “cidade mais inteligente do mundo”, o contraste com a realidade das calçadas expõe um desafio imediato: transformar o planejamento urbano em políticas capazes de garantir dignidade a todos os moradores, e não apenas numa vitrine de modernidade. A cidade se apresenta como um modelo de inovação, mas ainda não consegue oferecer soluções que garantam dignidade a todos os seus habitantes. 

Moradia improvisada por pessoas em situação de rua 
Foto: Heloisa Pagani 

Edição: Manoel Salvador

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