Reportagem por Lucas Gioppo e Luísa Druzik
Os deuses estão sempre aprontando. Dessa vez, Dionísio recrutou seu escravo Xântias e, disfarçados de Hércules, com sua capa de Leão, desceram às profundezas do Hades para reviver o maior dos poetas gregos: Eurípedes. Essa é a sinopse de “As Rãs”, do dramaturgo grego Aristófanes. A comédia é encenada no Festival de Curitiba pelo grupo Hápax, um projeto de extensão do DEPAC – Departamento de Polonês, Alemão e Letras Clássicas, da Universidade Federal do Paraná.
Entre domingo (30) e quarta-feira (2), o Grupo Hápax apresentou “As Rãs” em praças do centro de Curitiba, uma delas na praça Osório, logo abaixo do relógio.
O espetáculo faz parte da Mostra Fringe.
A Peça

Os atores e atrizes, vestindo roupa preta, aqueciam em frente ao público que se juntou em dezenas para prestigiar a peça. Ali, crianças se entretiveram antes mesmo de o enredo se desenrolar.
A jornada de Dionísio e Xantias pelo Hades, mundo dos morots, é cheia de desventuras. Rãs perseguem o escravo pântano abaixo cantando “Coax Coax” – a criançada saltou e cantou junto dos atores. No submundo, a dupla disputa a identidade de Hércules para desfrutar dos privilégios concedidos por Perséfone, esposa de Hades. Mais tarde, descobrem ser outra enganação. Os personagens ainda apanham (muito) de Áiaco até chegarem a Eurípides.
No momento chave, outra surpresa: Ésquilo, outro poeta morto, reivindica o posto de maior poeta grego. Numa divertida disputa, mediada pela Justiça e por Dionísio, Ésquilo vence Eurípedes e retorna ao mundo dos vivos.
Essa história foi encenada pela primeira vez em 405 a.C. e é considerada por muitos a principal obra de Aristófanes. À época, Atenas vivia período de grande instabilidade social e econômica. As Rãs reflete sobre o passado e a importância da arte para as gerações futuras e apresenta à sua audiência debates, presepadas e risos.
Para que o humor do enredo se conectasse ao público de 2025, algumas adaptações foram feitas ao traduzir a peça. É o que explica o diretor, Nicolas Wolaniuk, 25, estudante de Letras na UFPR.

“Fizemos um trabalho filológico de mapeamento das piadas. Elas satirizavam muitos políticos da época”, conta. “Assim, tentamos criar algo adaptado para a contemporaneidade, mas análogo à época”, conclui.
O caráter extensionista do Grupo Hápax permite que os membros estudem em sala de aula os textos e os transponham ao palco.
“A gente ainda está no começo do grupo, mas já nos apresentamos no Fringe, e no Festival de Pontal”, relata o estudante de Letras Português/Inglês e membro do Hápax, Luiz Huf. “E sobre ser um projeto que busca levar essas letras clássicas, que parece ser uma coisa muito hermética, para um público mais geral, é muito legal […] O público consegue se divertir com as músicas ou dando risada das piadas. Assim, não é uma coisa tão distante, né? Todo mundo merece e deve ter acesso a esses textos, a essa cultura”, completa.
Outro Vampiro?
Alguns dos integrantes do grupo são estudantes de letras e, em sala de aula, discutem teorias teatrais. Uma delas é a descrita pelo filósofo grego, Aristótles, em seu título Poética. No texto, Aristóteles defende que a compreensão de peças teatrais se dá somente pela leitura, sem a necessidade da performance.
Outro título que estudam é “Aristóteles: o Vampiro do Teatro Ocidental”, da francesa Florence Dupont (2018). Em seu livro, a autora discorda categoricamente do filósofo grego. Para ela, a performance dá vida à parte escrita da peça e permite que ela se atualize para tempos e espaços diversos.

Laurene Veras, membro do grupo, aluna do curso de letras e professora de filosofia, faz dela as palavras de Dupont:
“Aristóteles fala sobre o teatro grego de uma forma muito teórica, a Dupont não”
“Ele não viveu a Grécia da tragédia, então não estava presente para presenciar a tragédia”, finaliza.
O público

Os editores Mabelly, 45, e Guilherme, 37, não são novatos no público. É a segunda vez que assistem à peça. “Acho que você quebra um gelo de trazer imagens como Dionísio e todas essas figuras, mas com um linguajar coloquial que todo mundo vai entender”, contam.
Para a estudante de filosofia, Taynara Gdla, 24, “A peça consegue transmitir de forma cômica e contemporânea aquilo que certamente Aristófanes estava buscando” comenta, “ou seja, mostrar de maneira crítica a importância da arte e do teatro na sociedade”, completa.
De 24 de março a 6 de abril, a mostra Fringe de teatro de rua conta com mais de 280 atrações, 42 espetáculos, 1800 artistas e 16 espaços para exibição de peças e realização de oficinas.

Ficha técnica
Peça: As Rãs
Autor: Aristófanes
Direção: Nicolas Wolaniuk
Elenco: Adriano Cruz, Antônia, Gabi Ramos, Gabriel Sampaio, Kai Jorge, Laurene Veras, Luiz Fernando Huf, Manu Carvalho
Figurino: Gabi Ramos
Confecção das máscaras: Elenco e Luce Scettro, com apoio da Cia dos Ventos
Apoio: Casa das Bolachas e Departamento de Alemão, Polonês e Letras Clássicas da UFPR