Entrevista com o fotógrafo Orlando Azevedo 

O artista, hoje vivendo em Antonina, fala sobre arte, música e fotografia

Orlando Manuel Monteiro de Azevedo nasceu em 1949, na Ilha Terceira, Açores, Portugal e vive no Brasil desde 1963.

Orlando Azevedo é um fotógrafo português radicado no Brasil desde 1963. Dedica-se profissionalmente à fotografia documental em projetos especiais. Seu projeto mais notório foi a Expedição Coração do Brasil, em que percorreu o território nacional durante 4 anos fotografando o país. Além disso, criou a Bienal de Fotografia de Curitiba e foi idealizador do Museu de Fotografia Cidade de Curitiba. Possui obras em acervo em museus como o International Center of Photography, em Nova York; no MASP, em São Paulo, etc. Publicou 13 livros de fotografias, tendo sido o último, “Cósmico”, lançado em 2022. Atualmente vive em Antonina, no litoral do Paraná. 

Entrevista concedida a Léo Davi Pianaro e Gabriel Husak Chaves 

Por que Antonina? 

Sou exilado. Eu “me exilei a mim mesmo”. Não que fosse necessário, mas eu me exilei, acabei por me separar também (casamento), uma série de coisas aconteceu na minha vida. Aqui tenho trabalhado. Estou com 16 novos livros prontos. (…) Por vários motivos escolhi vir para Antonina. Curitiba é uma cidade muito perversa, que não te valoriza em nada. Então não adianta ficar numa cidade em que você é ignorado, praticamente. Veja só, cultura no Paraná: Casa Andrade Muricy está fechada faz anos. Museu da arte contemporânea fechada há anos. Escola de Belas Artes está fechada, não existe. E estão falando que vão abrir o Pompidou em Foz do Iguaçu. Os caras estão doidos da cabeça. (…) A casa Andrade Muricy era o principal museu antes do Oscar Niemeyer e está fechada tem mais de 5 anos. É uma vergonha, porque é a entrada da Secretaria de Cultura. Secretaria de Cultura de um lado, na Praça Santos Dumont, e do outro a Casa Andrade Muricy, na Alameda Dr. Muricy e não funciona, está fechada. Isso é ridículo, um absurdo, e a cultura é muito maltratada no estado do Paraná, pouco bem dirigida. Não tem direção. Então me retirei para Antonina, aqui eu produzo. Praticamente não saio de casa, embora a gente tenha uma paisagem exuberante aqui. A gente é rodeado pela Mata Atlântica, o que é um privilégio. A paisagem é ótima, as pessoas são ótimas. Aqui em Antonina as pessoas te cumprimentam na rua sem te conhecer. Em Curitiba a pessoa vira a cara. São opções de vida, não tenho mais tantos anos de vida, porque a vida é muito rápida e passa muito rápido, é muito veloz, quando você vê já era.  

Ponta da Pita em Antonina. Foto: Orlando Azevedo. Reprodução Redes Sociais.

Banda A Chave 

Ontem (04/08) estava acontecendo aqui o Festival de Blues. Há hoje, dezenas de grandes músicos e bons músicos em Curitiba. Tem muita gente boa. Na minha época era pioneiro, era único (A Chave). A Chave introduziu e fez iniciar o Leminski, e fazê-lo entender o que era Rock. Não foi o Leminski que introduziu A Chave. A Chave introduziu o Leminski. Essa é a verdade. Claro que o Leminski trouxe o mito. Obviamente era um gênio. Mas foi A Chave que o iniciou. E A Chave foi um período da minha vida. 10 anos que dediquei. Foi uma banda fora do tempo. Estamos falando de anos 70, 1969 a 1979. A Chave começou numa peça da grande artista Denise Stoklos. Começou no extinto teatro de bolso, na Praça Rui Barbosa, num subsolo, ali começou A Chave. Já compondo. A história da banda foi sempre essa, embora interpretasse muito bem composições de outros grandes mestres, Steppenwolf , The Doors, Jimi Hendrix, A Chave tinha a pegada dela.  

Por que não seguiu na música? 

Cara, a batera é uma coisa muito difícil. E para mim a história foi A Chave. Minha história de música foi maluca. O antigo baterista, Gianfranco Meneghini, faltou numa apresentação que A Chave ia fazer em Palmeira, onde nasceu o conjunto. Aí eu tive que assumir. Já tinha uma boa noção, eu dirigia o conjunto. Aí passei a ser o baterista, passei a me dedicar e aprender. Mas, a minha história era o quarteto. Para mim não fazia sentido querer seguir carreira solo depois, para ficar apanhando/acompanhando os caras na bateria. A minha história era estar em ação constantemente e criar para A Chave. 

O “pirata do pirata” 

A gente tem um disco gravado, um único disco, que é um compacto simples, sem capa. O André Midane, que era a grande cabeça da gravação no Brasil me chamou para ir para o Rio, e eu e o Carlão fomos, íamos lançar um disco simples com duas músicas apenas. Em composição junto com Leminski essas aí: Buraco no Coração e Me Provoque para Ver, que é muito difícil de encontrar. A história foi a seguinte: A Chave gravou o compacto, não aconteceu nada. As rádios nem tocavam, nada. A gente gravou no estúdio Eduardo Araújo, que é uma figura antológica do rock brasileiro. Gravamos com o Manito, dos Incríveis. O grande músico dos Incríveis era o Manito. Tocava tudo, bateria, sax, piano, tudo. Aí gravamos, não aconteceu nada. Aí apareceu um cara vendendo em São Paulo um CD pirata de A Chave, com 14 músicas. Um cara de Curitiba, dono de loja de vinil comprou o disco, chamou o filho do Ivo e disse: “tô com o disco d’A Chave cara, comprei em SP”. Tinha pagado 50 reais na época, o que era uma grana. E nós regravamos, nós pirateamos o pirata. Imprimimos 5 mil discos, mas foi tudo vendido, não sobrou mais nada, e não lançamos mais depois. A história d’A Chave é essa. Uma coisa lacônica, porque a gente manteve a formação. Foi um quarteto: baixo, bateria, guitarra e base, que era o Ivo. E depois o Paulinho, que é um gênio na guitarra.  

Referências 

São muitas. Primeiro, fotografia não é pintura. Eu trabalho fotografia como ela é, a essência da fotografia. Não manipulo foto, nada. Quem usa a fotografia como suporte hoje não é fotógrafo. Pode ser um artista plástico, o que quiser, mas não é fotógrafo. Fotógrafo é o olho, é a maneira como você interpreta. O que você vê, como você vive, e como você se expressa. Essa é a história da fotografia, a verdadeira história da fotografia. As minhas referências de arte são muitas. Eu fui muito amigo do maior escultor, sem dúvida, que o Brasil já teve. Foi o Frans Krajcberg. O Krajcberg é um gênio, e fiquei muito amigo dele. Fiquei também amigo do Brennand. A mim me interessa tudo de arte, só que eu acho que arte não existe em Curitiba. A grande arte de Curitiba são os fotógrafos. E são poucos. Eu me considero um artista da fotografia. Fui sim, não nego. O João Urban durante um período também. Ivan Bueno, mas pouca gente. E todos se dizem fotógrafos hoje em dia. Hoje todo mundo fotografa. E faz fotos ruins, mal elaboradas, mal compostas. Tecnicamente e esteticamente, essa é a verdade. Está cheio de curso, há pelo menos 3 em Curitiba. Nenhum tem professor que se preste, então como alguém vai aprender fotografia se o professor não é bom? Não vai aprender fotografia. Vai desaprender. (…) E todo mundo se diz fotógrafo, se acha artista. A arte é outro departamento, é um modo de vida, é um modo de ser, um modo de estar. 

Além da fotografia 

Toda a arte me interessa. Toda, e presto atenção a quase tudo. Mas a minha história é a fotografia. Sobre dar aula, cara, vou ensinar o que? Fotografia é muito bizarra, é muito simples. Diafragma, obturador, profundidade de campo e profundidade de foco. Acabou, essa é a essência da fotografia. Claro, depois tem muitas outras coisas de técnica, etc. mas isso é a base, a base primária. E eu uso a fotografia como o pintor usa a paleta, eu uso da mesma forma. Para mim a fotografia é um mero instrumento, o ato fotográfico. A mim, o que me interessa é o conteúdo que ela vai ter e que ela vai exercer no outro. A perturbação que a obra vai exercer no outro, essa é a história. Mas hoje a gente vive invadido, imagem em tudo quanto é canto.  

Por que fotografia? 

Ninguém escolhe. Fotografia você é escolhido pela vocação, você nunca escolhe, é uma coisa complicada. Volto a falar, hoje quem quer ganhar dinheiro com a fotografia, salvo os caras que fazem casamento, batizado, esses eventos sociais, ainda ganham alguma grana. Mas é uma profissão muito difícil, e cada vez mais difícil, porque se fotografa, e fotografa bem com Iphone, muito bem, tem uma resolução muito boa. Mas tá todo mundo invadido e todo mundo se acha fotógrafo. 

Ficha Técnica:

Autores: Léo Davi Pianaro e Gabriel Husak Chaves

Edição: João Marcelo Simões e Matheus Neme

Orientação da produção: José Carlos Fernandes

Orientação da edição: Cândida de Oliveira

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