
“Proteínas alternativas’’ é o nome dado aos alimentos que substituem a carne e utilizam, como base, vegetais, fungos ou ingredientes produzidos em laboratório a partir de células animais. Para o Good Food Institute (GFI), o Paraná, importante fornecedor de proteína animal, pode ser promissor na produção de proteínas alternativas.
Pesquisas no Paraná
O estado do Paraná é o que mais investe em pesquisa de carne cultivada. Enquanto as perspectivas acerca desta nova promessa de alimento ainda não estão claras, o estado aplica recursos e realiza parcerias com instituições para viabilizar a “carne do futuro”.
Uma das ações que podem ser destacadas é o recente aporte de 5,7 milhões realizado pela Fundação Araucária – instituição do governo do estado, voltada para o desenvolvimento social, econômico e ambiental. A verba foi destinada para três instituições que pesquisam carne cultivada: Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Estadual de Maringá (UEM) e PUC-PR. Os recursos serão utilizados para modernização e compra de equipamentos para laboratórios, como também para bolsas de pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado na área de proteínas alternativas.
A UFPR foi a primeira universidade da América Latina a ter um laboratório dedicado a pesquisa de cultivo laboratorial de células animais, o ZOOCEL, fundado em 2022, no Departamento de Zootecnia. Segundo a médica veterinária e coordenadora do laboratório, Carla Forte Maiolino Molento, o ZOOCEL almeja oferecer contribuições para sistemas produtivos mais sustentáveis e éticos em comparação com o mercado de carne convencional. A pesquisadora afirma “Com o aumento da conscientização sobre meio ambiente e bem-estar animal, a zootecnia celular surge como uma opção para satisfazer a demanda por produtos de origem animal de maneira mais responsável”.
Pelo fato de a pesquisa de carne cultivada ser embrionária no Brasil, ainda existem muitos entraves para o avanço da área. Molento explica que as principais dificuldades são “a escalabilidade: aumento da pequena escala de produção laboratorial para uma grande escala, o que significa altos custos; e a questão da regulamentação: aprovar novos produtos alimentares para comercialização depende de um complexo processo regulatório no Brasil”. Ela também afirma que, para disputar um espaço no cenário mundial do mercado de proteínas alternativas, o investimento atual ainda é muito modesto.
Satisfazer a demanda por produtos de origem animal de maneira mais responsável
Carla Molento, pesquisadora
No mercado brasileiro de proteínas alternativas, uma das empresas que vem se destacando é a foodtech Typcal. A startup, fundada em 2019, produz proteína a base do fungo micélio e, recentemente, recebeu 250 mil reais através do programa Paraná Anjo Inovador. Eduardo Sidney, sócio da empresa, explica: “possuímos a tecnologia de fermentação de micélio mais rápida do mundo e nosso micélio possui 44% de proteína em sua composição. Por isso, conseguimos produzir 6.000x mais proteína por dia do que a via tradicional (proteína animal)”.
A empresa também apresenta bons indicativos com relação a sustentabilidade. Sidney destaca a tecnologia utilizada pela Typcal. “Nossa tecnologia emite 98% menos gases do efeito estufa e consome 99,8% menos água. Além disso, utilizamos subprodutos da indústria de alimentos como fonte de nutrientes para o micélio, promovendo economia circular e reduzindo o desperdício na indústria”. Atualmente, a empresa comercializa apenas com outras do ramo alimentício (B2B), enquanto aguarda processo regulatório da ANVISA para levar a marca aos supermercados.
Ascensão no mercado
Essa questão de preço é um fator fundamental que, no momento, limita a competitividade das proteínas alternativas frente à carne convencional
Hugo Meza, economista
Com crescimento de 38% em 2023, de acordo com estudo da Euromonitor, o mercado de proteínas alternativas no Brasil já movimenta mais de R$ 1 bilhão. O economista Hugo Meza aponta que a expansão das proteínas alternativas pode transformar o setor alimentício global, ainda que de forma gradual, sem substituição abrupta da carne convencional. Ele compara essa transição à passagem da energia do petróleo para a elétrica, na qual ambos coexistem por um longo período. Segundo ele, a indústria se adapta, com produtores diversificando para proteínas alternativas, acompanhando o crescimento desse mercado.
Segundo Meza, contudo, o mercado de proteínas alternativas ainda é incipiente e enfrenta altos custos de produção, o que restringe o consumo a públicos com maior poder aquisitivo. Ele menciona que a indústria de carne já está diversificando sua produção, mas os altos custos são um entrave. “Essa questão de preço é um fator fundamental que, no momento, limita a competitividade das proteínas alternativas frente à carne convencional”, destaca.
Impactos da pecuária tradicional
A pecuária tradicional, embora seja um pilar econômico e social importante no Brasil, é uma das atividades que mais impacta o meio ambiente. A produção de carne bovina, além de demandar extensas áreas de terra, é uma grande emissora de gases de efeito estufa. Segundo o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a produção de um único quilo de carne bovina pode liberar até 2 kg de metano e 50 kg de gás carbônico (CO2). No Brasil, o setor agropecuário responde por cerca de 27% das emissões totais de CO2, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).
Esse modelo de produção não só pressiona por novas áreas de pasto, frequentemente levando ao desmatamento em biomas brasileiros como a Amazônia, como também contribui para que certas áreas já emitam mais carbono do que conseguem absorver. O SEEG aponta o Brasil como 4º país com mais emissões de gases pela agropecuária. Além disso, a pecuária bovina ocupa 83% das terras agrícolas do planeta, mas fornece apenas 37% das proteínas consumidas pela população, segundo o estudo “Reducing food’s environmental impacts through producers and consumers”, publicado na revista Science.
Apesar das pressões, alternativas estão surgindo no setor de proteínas tradicional, como explicou o engenheiro de alimentos e responsável por um frigorífico em Curitiba, Roberto Juliatto. “A adaptação vai ter que vir de todos [tipos de produções de proteína], mas é uma coisa que demanda muito tempo ainda, mas a própria indústria tradiciopropostas regulatórias para os chamados novos sistemas alimentares e ingredientes contemporâneos, incluindo as proteínas alternativas. A proposta do GTT é promover o alinhamento entre a agenda do agronegócio e incentivar inovações no setor.
Segundo a ambientalista Carolina Efing, a mudança de estrutura no mercado da carne começa a partir de iniciativas da própria população consumidora, pois acredita que não se trata de uma prontidão política a nível nacional. Para ela, o aporte dado pelo Governo ao setor agropecuário deve ser destinado a políticas públicas de valorização da agroecologia. “Em vez de subsídios para o desmatamento, o incentivo deve ser para a agricultura regenerativa, a preservação das florestas e o apoio aos pequenos agricultores que vivem em harmonia com a terra”, destaca.
Reportagem campeã do 10º Prêmio Sistema Fiepe de Jovem Talento do Jornalismo.
Produção: Manoel Salvador; Marya Marcondes; Sophia Martinez.
Orientação: Candida de Oliveira.