Quando o inverno chega em Curitiba a população tenta se proteger da melhor maneira possível: veste casacos pesados, evita locais abertos e consome bebidas quentes. Mas os que sofrem mais com a estação gelada são os moradores de rua, como Thiago Fernando Silva, de 17 anos, que há sete fugiu de casa após muitas brigas com a mãe. Desde então tem sobrevivido com o auxílio da população. “Recebo doações e esmolas nas ruas. No inverno, algumas pessoas me dão roupas e cobertores”, conta.
Apesar de a prefeitura disponibilizar leitos para a comunidade carente, muitos desabrigados preferem a liberdade das ruas. “Já dormi em um abrigo da prefeitura, mas não gostei. Não suporto a sensação de ter que ficar preso em um lugar”, ressalta Thiago. Ele também afirma que, quando a situação está muito difícil, se junta com outros desabrigados para passar a noite. “Nos cobrimos com cobertores, jornais, papelão e deitamos uns próximos aos outros para passar o frio”.
Há três anos, também por causa de brigas familiares, o jovem David Santos, de 17 anos, saiu de casa. Órfão de pai e mãe e cansado de sofrer agressões do irmão mais velho, ele teve que aprender a sobreviver sozinho. “Com o tempo percebi que os melhores locais para passar a noite são os cobertos e com pouco vento, como as marquises de lojas”, explica. “Já as construções abandonadas, apesar de protegerem melhor do frio, são muito perigosas. É mais fácil ser vítima de violência em locais fechados e isolados que nas ruas”, completa.
Outro morador, que preferiu não se identificar, conta que está cumprindo pena por roubo, mas tem liberdade condicional. “Aos finais de semana posso sair do presídio e retorno só na segunda. Mas como não tenho para onde ir, passo esses dias nas ruas, junto com os desabrigados”, revela.
Baixas temperaturas aumentam em 30% a procura por abrigos da prefeitura
Desde que o inverno chegou, moradores de rua têm procurado com mais frequência as nove unidades de atendimento da prefeitura de Curitiba. São hospitais, para onde são levadas as pessoas com casos mais sérios de saúde, abrigos, onde os moradores recebem alimentação, higienização, tratamento médico básico e podem passar a noite, e também albergues, destinados àqueles que não tem condições de serem reintegrados à sociedade. Com as temperaturas mais baixas, houve um aumento de cerca de 30% nos atendimentos aos desabrigados.
De acordo com a Coordenadora da Central de Resgate da Prefeitura de Curitiba, gerenciada pela Fundação de Ação Social (FAS), Eliana Oleski, o inverno é o período do ano em que há mais moradores de rua nos abrigos da prefeitura. Segundo ela, cerca de 60% dos que procuram atendimento o fazem espontaneamente. “Na maioria casos, os próprios desabrigados vão até as unidades de atendimento para passar a noite e fugir do frio”, conta. Há, ainda, outras duas maneiras de eles serem resgatados: por meio da manifestação da comunidade, que pode entrar em contato com a prefeitura pelo número 156 e informar onde viu um desabrigado, e também pela busca ativa, com o trabalho de uma equipe de quase 170 funcionários que abordam os moradores 24 horas por dia.
Muitas pessoas, no entanto, não querem sair das ruas, mesmo quando estão em risco de morte. “Há inúmeros casos de indivíduos desnutridos e com doenças que recusaram a ajuda do resgate social. Em diversas situações é preciso fazer um trabalho de convencimento para que o morador aceite ser levado pelos funcionários para ser tratado”, finaliza Eliana Oleski.
Segundo a Prefeitura Municipal, Curitiba possui 1044 moradores de rua conhecidos e cadastrados, dos quais 888 são homens, 156 mulheres e 172 crianças e adolescente. Dos homens:
–96% são dependentes de alguma droga;
–25% são dependentes de álcool e outras drogas;
–61% vivem em Curitiba;
–44% não têm família localizada.