Mais uma vez, a culpa é da vítima

As redes sociais foram tomadas pela campanha #JuntasContraVazamentos, promovida pela marca de absorventes Always em parceria com a ONG SaferNet. O objetivo da iniciativa é conscientizar as pessoas sobre vazamentos de fotos íntimas de mulheres na internet.

A ação começou no último dia 3, com um suposto vazamento de um vídeo amador no qual Sabrina Sato aparece seminua na cama com seu parceiro. Era tudo armação. Em seguida, campanha foi lançada através da página da Always Brasil no Facebook. Com depoimentos de vítimas e dicas de como evitar vazamento de fotos, a marca tentou promover um debate sério.

Por que não deu certo
Apesar de bem intencionada, a campanha #JuntasContraVazamentos parece não ter atingido seu objetivo. Os vídeos postados na fanpage da marca, em que vítimas de exposição virtual apoiam a ideia, são até motivadores, embora apelativos. O constrangimento surge quando se tenta fazer propaganda de absorventes no meio de um assunto tão sério.

A brincadeira com a palavra “vazamento” é de mau gosto. Como comparar a menstruação, algo que é natural, com um crime do qual tantas mulheres são vítimas? A solução para o outro tipo de vazamento não é como fazer compras em uma farmácia. Chega a ser cômico e ao mesmo tempo trágico tentar vender um produto no meio de uma discussão sobre um tema tão delicado.

A cereja do bolo fica por conta da SaferNet, entidade contra a violação de Direitos Humanos na internet. Numa tentativa de instruir as mulheres de modo que elas não sejam submetidas a esse tipo de exposição, a ONG decidiu elaborar algumas dicas. É como se superar um trauma fosse tão fácil quanto seguir uma receita culinária.

A primeira dica da campanha era a seguinte: “Se você não quer que suas fotos e vídeos seja expostos, evite enviá-los para outras pessoas”. É estranho um pensamento tão retrógrado que promove a culpabilização da vítima vindo de uma iniciativa que busca conscientizar. Após críticas, a frase foi logo retirada e substituída.

Fotos da campanha em que Sabrina Sato aparece nua, simulando imagens íntimas vazadas sem consentimento, também causaram polêmica

A realidade

O vazamento de intimidade na internet não é um problema tão superficial quanto a campanha da Always faz parecer. A solução não pode ser alcançada através de simples dicas sobre como evitar o envio de fotos e vídeos para outras pessoas. Em grau de comparação, é como culpar a vítima de um assalto por estar andando sozinho à noite.

A sociedade já vivenciou esse tipo de julgamento outras vezes. Em 2014, acompanhamos o debate com o movimento “Eu não mereço ser estuprada”, promovido pela jornalista Nana Queiroz. À época, uma pesquisa do Ipea indicou que 58,8% dos entrevistados concordavam com a ideia de que haveria menos estupros se as mulheres soubessem se comportar.

O caso é o mesmo aqui. A preguiça de trazer à tona uma discussão séria e objetiva leva à simplificação de soluções. Em outras palavras, é mais fácil encontrar e culpar vítimas do que atingir o real culpado de um problema como o vazamento de fotos íntimas na internet: o responsável por divulgá-las.

Na maioria das vezes, a publicação de fotos íntimas acontece em decorrência de brigas entre casais ou mesmo por ser uma personalidade conhecida – Jennifer Lawrence, Rihanna e Hayley Williams são exemplos recentes. Falta maturidade e conscientização. Receber uma foto não o torna proprietário dela.

Enviar ou não fotos e vídeos íntimos deve ser uma escolha pessoal. Ninguém tem nada a ver com isso. A questão é não esquecer o óbvio: pessoa nenhuma merece ser submetida a tal exposição.

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