Em média, uma hora diária é o que Tassyana Souza gasta para se deslocar de casa até o trabalho. Assim como grande parte da população negra da grande Curitiba, a professora de educação física mora na região metropolitana e trabalha na metrópole. Essa realidade, comum à região, se deve ao fato de que Curitiba se organizou, de um ponto de vista espacial e econômico, de maneira segregacionista, afastando das áreas centrais a população pobre e racializada.
Tassyana, por exemplo, parte toda manhã de Roça Grande, Colombo, em direção ao Cabral – bairro de classe média alta da região central da cidade – onde trabalha em uma escola particular. Utilizando o transporte público, o trajeto dura cerca de 30 minutos, mas não permite um atraso convencional. O trânsito de ônibus na região metropolitana é menos intenso que o da capital, o que dificulta a quebra de rotina, “Demora 40 minutos pra passar outro… Se eu perder [o ônibus]. Fica difícil”, relata Tassyana.
A professora explica que optou por trabalhar em Curitiba, ao invés de Colombo, devido às melhores oportunidades de emprego oferecidas – caracterizando o chamado “deslocamento pendular”, no qual há as cidades-dormitórios onde as pessoas residem, chegando a elas no final do dia, já tendo que acordar no dia seguinte para trabalhar novamente na outra cidade. Na área de Tassyana, com seu grau de especialização, dificilmente encontraria uma vaga como a que ocupa dentro de seu município, “Eu sou professora bilíngue, então tenho muito mais oportunidade em Curitiba”.
Essa disparidade não é particular do município de Colombo, tampouco se restringe às oportunidades de trabalho. Uma pesquisa realizada pela Kurytiba Metrópole, em parceria com o Grupo de Estudos em Macroeconomia Ecológica da Universidade Federal do Paraná demonstra que habitantes das regiões metropolitanas de Curitiba ganham, em média, menos e detém menor renda em relação aos moradores da capital (ver abaixo).
O celetista ou estatutário médio de Colombo – e isso vale para outros municípios, como: Campo Magro; Fazenda Rio Grande; Campina Grande do Sul; Piraquara; etc – ganha entre R$2537,00 e R$3000,00. Já em Curitiba, o valor aumenta para entre R$4000,00 e R$4437,00.
Não coincidentemente, dos municípios mencionados, todos possuem um percentual significativamente maior de população preta ou parda, em comparação com a capital do estado. Apesar da microrregião de Curitiba ser considerada a capital mais negra do sul do país – 24%, de acordo com o IBGE (2010) – o índice varia entre os municípios. Enquanto dentro da cidade de Curitiba a concentração de pessoas racializadas é de 19,7% a 25,0%, na região metropolitana é possível observar um aumento significativo desses índices. Em Colombo, Araucária, Almirante Tamandaré, Piraquara, Fazenda Rio Grande e Campo Magro, por exemplo, entre 30,1% a 34,6% da população se identifica como negra ou parda.
Para a doutoranda em geografia pela UFPR, Danielle Oliveira, a desigualdade presente na Grande Curitiba é um projeto de periferização radial, em que as áreas centrais são muito ricas e, à medida que as regiões vão se afastando, tornam-se ainda mais pobres. “As periferias de Curitiba são velhas e quando elas envelhecem ficam cada vez mais caras, porque recebem saneamento básico, asfalto, chega os impostos. Então a população negra, sendo a mais vulnerabilizada no sentido econômico, vai mais para margem ainda, que é então extrapolar a cidade de Curitiba e chegar na região metropolitana”, afirma a pesquisadora.
Esse processo é resultado da especulação imobiliária, mas também tem grande influência da questão racial e da maneira como Curitiba foi e tem sido planejada. Não se pode negar, que no início do século passado, eram explícitas as tentativas de embranquecer o território curitibano e formar um centro elitizado e “europeu”. Exemplo disso são os decretos higienistas de entre 1905 e 1915, que proibiam a construção de casas de madeira nas regiões centrais da cidade.
Hoje, bem-sucedida, essa política criou um território segregado, que, de acordo com Danielle, é extremamente prejudicial para as minorias. A desigualdade entre os municípios tem reflexo direto nas oportunidades e na qualidade de vida. As áreas periféricas se tornaram regiões com grande vulnerabilidade social, que contribuem para a exclusão social das pessoas que as habitam.
Somado ao fator racial, a especialista explica que o gênero também tem um importante papel na manutenção das desigualdades. Além das barreiras tradicionais que todas as mulheres enfrentam, como disparidades salariais de gênero, as mulheres negras e metropolitanas também lidam com o peso do racismo estrutural e a interseção de múltiplas formas de discriminação. “Quando você coloca essa população para ir cada vez mais longe, se deslocando para o trabalho para receber muito pouco, deixando muitas vezes sua família para cuidar de terceiros, isso é precarização e geralmente são as mulheres que fazem esse trabalho de cuidado”, afirma Danielle.
Dessa maneira, problemáticas que geralmente já são enfrentadas – como por exemplo: falta de empregos; início precoce no mercado de trabalho; altos índices de ocupações subordinadas; falta de representatividade e ascensão em altos cargos; e etc – se intensificam quando existe a barreira da segregação geográfica.
Segundo especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma solução para esse deslocamento diário, provocado pela segregação geográfica, seria a integração de linhas e de diferentes modais do transporte coletivo. Com isso, a possibilidade de novas conexões faz que as linhas mais lotadas se desafoguem.