Quem frequenta o Batel ou a Trajano Reis durante o final de semana pode contar nos dedos quantas bandas autorais tocam nos bares da região. Às vezes não precisa nem dos dedos das duas mãos. Esse cenário não é de hoje, nem exclusivo de Curitiba. A luta para ter suas músicas ouvidas, e conseguir tirar sustento disso, sempre foi um fantasma para todo músico autoral. A reclamação geral parece ser a mesma: há pouco espaço e incentivo para se tocar.
Marcos Dank, guitarrista e vocalista da banda Trem Fantasma, começou tocando covers como quase todo mundo, porém sempre compôs suas músicas paralelamente. Dank, diz notar diferenças entre o público que vai aos shows de bandas covers e o que procura bandas com som próprio. “Acho que o público que procura o som autoral é um pouco menos preguiçoso e mais aberto ao diferente”, aponta. “A pessoa que vai ver cover vai ao show esperando ouvir a mesma coisa que ela pode ouvir em casa, algo pronto, igual”.
Isso acaba espelhando na receptividade das casas noturnas em relação às bandas autorais. “Como não se tem muito público, não se tem necessidade de ter mais espaços para essas bandas”, argumenta Geraldo Jair Ferreira Júnior. “Os poucos lugares que tem já não conseguem se manter só com música autoral também”. Geraldo, mais conhecido como J.R, é o patrono da música independente curitibana. Em 1990 fundou o 92 Graus Undergound Pub como uma alternativa de abrir espaço para os “músicos marginais” da cidade, como era o próprio J.R. E mais de 20 anos depois, o bar continua sendo o refúgio desses músicos.
Ainda há carência de espaço na cidade, mas o que mudou de lá para cá é a própria relação entre as bandas, como destaca J.R. “Hoje a coisa ficou um pouco mais segmentada, parece que é cada um por si, o que dificulta tudo, porque sozinho ninguém faz nada”. Marcos Dank partilha da mesma opinião, e toma a cena grunge de Seattle dos anos 90 como ideal a ser seguido pelas bandas locais. “Lá uma banda influenciava a outra, você ouvia uma coisa e tentava passar aquilo para a sua música, rolava um intercâmbio muito forte”, comenta.
Gilberto Filho, o “Lobão”, é guitarrista da banda Monreal, surgida em 2012, e que vem cavando seu espaço na cena local com seu álbum homônimo lançado esse ano. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), Lobão trabalha como revisor de textos freelancer para empresas, ao mesmo tempo em que se dedica à sua banda.
Assim como Dank e J.R, ele sente carência de espaços para tocar e acha que existe uma necessidade do público se abrir e parar de só aceitar o que vem de fora. Mesmo assim, compreende a importância de também manter alguns covers no repertório como uma porta de entrada para o público conhecer o trabalho próprio da banda. “O importante é a galera se divertir com o show e sair com uma boa impressão da banda e depois, como consequência, correr atrás das nossas músicas próprias”. Lobão reconhece que existe muita gente por aqui com bons projetos e vontade de ajudar a fundamentar a cena local. Mas ainda o que parece ser o principal problema é a falta de verba, visto que para gravar um CD, se produzir um videoclipe e divulgar a banda, é necessário dinheiro.
“Mesmo sendo puxado, difícil, a falta de grana não é um impeditivo. Sucesso, dinheiro, fama, o que for, demora para acontecer. Às vezes as oportunidades de se apresentar aparecem, só que são de graça. Mas beleza, a gente continua tocando e lutando por amor à música mesmo”, finaliza.
Enquanto houver vozes na cidade
Mesmo que o cenário não pareça favorável, ainda há alternativas para os músicos locais. Vilma Ribeiro é cantora e compositora, fez pós-graduação em Produção da Arte e Gestão da Cultura na PUC e atualmente trabalha na curadoria do projeto Vozes da Cidade no SESI Heitor Stockler de França.
Esse projeto surgiu como uma ideia pessoal vinda da vivência própria de Ribeiro no cenário curitibano, e tomou corpo quando ela integrou o SESI. A ideia é trazer diálogos sempre entre dois músicos locais, seja quais forem os gêneros musicais em que se encaixam.

Como integrante dessa cena, ela discorre sobre seu olhar em relação à música local, e destaca a coletividade que existe entre os músicos da cidade. “Eu noto que há um despertar, porque aconteceram questões individuais que acabaram movimentando o coletivo”. Ela cita como exemplo a Banda Mais Bonita da Cidade, que viralizou graças a um videoclipe e trouxe um pouco mais de visibilidade à música curitibana. Porém, Ribeiro deixa claro que não foi ali que começou a música local, pois sempre teve muita gente batalhando por aqui, mas que o fato ajudou o coletivo a se movimentar.
“Há sim projetos que se sustentam pela coletividade dos artistas, não tem ninguém investindo uma grana, não tem nenhuma empresa, não tem uma produção, e isso pode dificultar”, destaca. A cantora considera essa falta de produção como o grande empecilho na vida dos músicos, não só de Curitiba. Ao seu ver, por mais que hoje seja muito mais fácil gravar seu clipe, seu CD, e que existam as leis de incentivo, a produção e divulgação posteriores deixam a desejar.
“O que eu acho que falta é a produção mesmo, o outro lado, o lado de você saber onde colocar aquele som, onde ele vai ser compreendido. A gente quer que as pessoas consumam, mas não necessariamente ter que mudar nossa música, ser mais pop, para isso. A gente não quer ser underground, a gente quer ser ouvido.”