No Paraná, proposta de alteração das regras para a obtenção da carteira de motorista é via de mão dupla 

Medida que pode gerar uma economia de até R$9 milhões para o bolso dos brasileiros recebe críticas do setor trabalhista

Mudanças para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação é motivo de debate. Foto: Emanuelle Viana

A pesquisa Perfil do Condutor Brasileiro, realizada pelo Instituto Nexus e divulgada em agosto deste ano, revelou que 20 milhões de brasileiros dirigem sem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Outra pesquisa, divulgada pelo portal de notícias CNN Brasil em 2021, mostrou que nos seis anos anteriores à data de publicação do estudo, o número de pessoas habilitadas com a faixa etária de 18 a 35 anos caiu 10,8%. Já entre os jovens com idades entre 18 e 21, a redução foi de 35%.   

Nesse panorama, o levantamento divulgado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) em agosto de 2024 mostrou que das 34,2 milhões de motos e motocicletas registradas no Brasil, 23,1 milhões têm proprietários que possuem a CNH, e apenas 15 milhões têm a permissão para pilotar os veículos. O estudo também destacou que dentre os principais fatores que explicam a quantidade de condutores que não dispõem da carteira de motorista, está o valor de sua obtenção, que no caso da categoria A, que permite a condução de motocicletas, pode chegar a até R$4 mil.   

Mudanças propostas   

Em julho desse ano, o Ministério dos Transportes (MT) anunciou a elaboração de um projeto que visa a diminuição de até 75% dos custos na aquisição da CNH, nas categorias A (motocicletas) e B (carros e picapes). Os valores da carteira de motorista, que variam entre R$1.950,40 (na Paraíba) a R$4.951,35 (no Rio Grande do Sul), a depender do estado, passariam a custar de R$750 a R$1 mil. Segundo dados divulgados pela CNN Brasil no início de agosto, a medida pode gerar uma economia de até R$9 milhões para os brasileiros. 

Dentre as mudanças sugeridas, está a facultatividade da frequência nas aulas teóricas oferecidas pelos Centros de Formação de Condutores (CFC). Além da possibilidade de o conteúdo ser estudado de maneira presencial, ainda nas autoescolas, a medida propõe como alternativas o ensino a distância, através de empresas credenciadas, e o formato digital, ofertado pela Senatran.  

Outras modificações incluem a não obrigatoriedade no cumprimento de uma carga horária mínima de 20h de aulas práticas e a liberdade de contratação de um instrutor de trânsito autônomo, desde que credenciado pelo Departamento de Trânsito (Detran). Mas, apesar das possíveis alterações no processo de preparação do candidato à habilitação, a aprovação nos exames teórico e prático ainda será obrigatória.

Impactos ao setor e aos futuros condutores   

Se por um lado a medida pode resultar em economia para o bolso dos brasileiros e democratização do acesso à carteira de motorista, por outro, os membros do setor enfatizam as consequências negativas às quais estão expostos. A Federação Nacional das Autoescolas e Centros de Formação de Condutores (Feneauto), estima que, em caso de implementação do projeto, ao menos 15 mil CFCs e 300 mil empregos diretos e indiretos estarão em risco.   

“Onde eu iria trabalhar, se há 26 anos minha renda é de instrutor?” 

José Augusto da Rosa, instrutor

“A não obrigatoriedade iria afetar a classe de trabalhadores, e o desemprego seria em massa. Onde eu iria trabalhar se há 26 anos minha renda é de instrutor?”, questiona o instrutor teórico José Augusto da Rosa. Ele acrescenta que os critérios para exercer a profissão continuariam os mesmos: ao menos três anos sendo habilitado, carro identificado como de aprendizado e credenciamento pelo Detran. Mas, como consequências da implementação da proposta, não haveria alunos o suficiente para os profissionais que optassem por dar aulas particulares. 

“A redução do custo da CNH tem que passar por adequação do governo, que coloca muitas taxas e não entrega serviços.” 

Emerson Marcelo, instrutor

Para o instrutor teórico e prático das categorias A à D, Emerson Marcelo, a proposta é um desserviço à população, já que o governo lucrará com mais retestes e multas. “A redução do custo da CNH tem que passar por adequação do governo, que coloca muitas taxas e não entrega serviços. São cobradas taxas de R$50 pela emissão de licença de aprendizagem, uma taxa absurda de R$200 pela EAR [Exerce Atividade Remunerada], entre outras”, explica. O instrutor também destaca que o Detran faz exigências que são repassadas para os clientes e que se o governo trabalhasse em conjunto com o setor, muitos custos seriam reduzidos. 

Além dos impactos econômicos, as alterações propostas pelo MT trouxeram à tona a discussão sobre a importância da educação no trânsito. “A maioria dos jovens de hoje em dia não aprende a dirigir em casa como antigamente. Mesmo assim, não aprende do jeito correto. E isso acarreta mais custos, porque aumenta o número de candidatos que vão reprovar no teste prático e teórico”, diz Emerson. Ele enfatiza que a medida também pode causar o aumento do número de acidentes, em decorrência da formação de condutores que não possuem conhecimento sobre as leis de trânsito.  

Em outra perspectiva, a auxiliar de produção Juliete Silva, que pagou R$2.700 pela CNH, R$1.100 por aulas extras e após quatro reprovações, R$480 por cada reteste, enxerga no projeto uma oportunidade. “O motivo por não continuar é que preciso refazer tudo de novo, pagar uma nova carteira e não tenho como pagar no momento. Caso [a proposta] venha a vigorar, vou tentar novamente”, diz.  

A equipe de reportagem contatou a assessoria de comunicação do Detran/PR para entender o posicionamento do órgão em relação à proposta. Em resposta, a entidade declarou que, diante do cenário de desdobramentos que se desenrola, não se posiciona sobre o assunto e segue as determinações do Poder Executivo. 

Últimas atualizações 

As mudanças nas regras da emissão da CNH serão anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na primeira semana de dezembro, já que a medida deve entrar em vigor este ano.  

Algumas das propostas ainda estão em discussão e sujeitas à possíveis alterações, como a não obrigatoriedade de uma carga mínima de aulas práticas. A ideia inicial, de eliminar essa exigência, agora abrange outras duas possibilidades: a sugerida pelo Governo, em que o candidato cumprirá no mínimo duas aulas práticas, e a do setor de autoescolas, que aconselha ao menos entre cinco e dez aulas.  

Sair da versão mobile
Acessar o conteúdo