O poético limiar entre o amor e a loucura

Na última segunda-feira (30), o Teatro Paiol lotado prestigiou a peça Desalinho, uma adaptação da vida e da obra da poetisa portuguesa Florbela Espanca. Com um palco simples e diálogos carregados de poesia, o elenco carioca narrou, em intensos 55 minutos, o amor proibido entre irmãos e o desespero de uma alma inquieta.

No cenário frio, com peças hospitalares decadentes, a atriz Carolina Ferman vive o terror e as alucinações de uma menina julgada louca. A enfermeira, delicadamente interpretada por Kelzy Ecard, se envolve com a protagonista e presencia seus delírios poéticos. Sua loucura acaba por se personificar em seu irmão ou namorado, vivido pelo músico Gabriel Vaz. Reflexo vivo de seus pensamentos, ele dá início à peça proclamando “Ela era eu”.

O amor entre Florbela e seu irmão é tema central do espetáculo. Crédito: Helena Salvador

Os atores fizeram uso de todo o espaço do Paiol, aproveitando a áurea intimista que tomou conta da plateia, como se todos se sentissem em um leito daquele hospício, assombrados pelas alucinações da menina Mariana. A menina, após ter sido libertada da camisa de força no primeiro ato, move-se levemente pelo palco e cativa a amizade da enfermeira, assim como a tensão dos espectadores. É difícil entender quem realmente está delirando nesse conjunto de monólogos belíssimos, vindos dos fragmentos dos poemas de Florbela. Uma das primeiras portuguesas a frequentar o secundário, a poeta lusitana desafiou os preceitos da sociedade machista dos anos 20, nutriu uma paixão fraternal por seu irmão Apeles e, após três tentativas ao longo de uma tumultuosa trajetória, suicidou-se aos 36 anos.

O final da peça, deveras triste, foi acariciado com uma lua imponente que iluminou o velho Paiol, como num delírio da enamorada. Fábio da Silva, 55, último da plateia a deixar o teatro, revela: “me surpreendi com a doçura de todos os envolvidos”.

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