Discussões, pedintes e trabalhadores ambulantes. Utilizar o transporte público não é apenas se locomover de um ponto a outro da cidade. Também é ter que conviver com todos os tipos de situações e pessoas. Lorival de Souza é motorista de ônibus e com os seus 20 anos de profissão aprendeu a lidar com os passageiros. Responsável por um dos ônibus da linha Juvevê-Água Verde, ele sabe que lidar com variados tipos de humor e personalidade não é a parte mais fácil do seu dia. Para não deixar sua rotina cansativa, prefere não entrar em conflito. “Tem gente que chega estressada e desconta em mim, mas eu tento não ligar”, comenta.
Durante os anos de profissão, Lorival presenciou todos os tipos de discussões, mas ele relembra de uma que considera engraçada. “Uma vez dois senhores de idade brigaram por causa de um banco. É comum esse tipo de discussão entre gerações diferentes e não entre duas pessoas que tem preferência”, conta. As discussões e brigas dentro do ônibus são freqüentes, principalmente quando o assunto é um lugar para sentar e descansar.
Fingir estar dormindo, colocar fones de ouvido e concentrar-se na janela são táticas usadas para não precisar ceder os cobiçados assentos de ônibus. Leonilda Costa, dona de um salão de beleza, percebe quando alguém está usando um desses artifícios para não precisar levantar de um banco. Passageira diária do Santa Cândida Capão Raso, a trabalhadora passou grande parte de sua gravidez vendo pessoas criarem desculpas para não oferecerem seu lugar. “Eu chegava perto da pessoa e ela fechava o olho ou fingia que estava dormindo”, revela. A trabalhadora ainda acrescenta que quando estava com seu filho Kevin no colo ouvia jovens falando que, uma vez que ela estava passeando, era para esperar o próximo ônibus se quisesse sentar.
Apesar do aposentado João Romário concordar com Leonilda sobre os passageiros não cederem seus lugares, ele discorda de que os jovens são os que mais se recusam a abrirem mão de seus assentos. “Nem tudo é negativo. Os jovens são uns dos que mais cedem [lugar]”, admite. Ele completa afirmando compreender a postura de quem não abdica de viajar sentado. “Reconheço que às vezes é difícil ceder o lugar. Eu trabalhei por 36 anos, pegando quatro ônibus por dia; as pessoas também trabalham e ficam cansadas”. A estudante universitária Alessandra Akemi é a representação da jovem que cede seu lugar para quem tem preferência. “Eu, geralmente, saio do meu lugar. Não vejo problema algum”, diz.
Não são somente situações complicadas que acontecem dentro de um ônibus, fatos curiosos e engraçados levam muitas pessoas a risos discretos ou a olhos arregalados. Leonilda Costa passou por uma situação que não estava relacionada com a disputa por assentos. A dona de salão de beleza estava sentada quando uma moça passou mal e vomitou do seu lado. “Se eu não tivesse virado, ela tinha vomitado em cima de mim”, relembra. A estudante Alessandra, por outro lado, é daquele grupo de pessoas que acaba rindo dos acontecimentos dentro do ônibus, principalmente ao ouvir conversas paralelas. “Ah, é difícil não prestar atenção. As pessoas falam alto e as conversas são muito engraçadas”, justifica a estudante que quando não esta prestando atenção nos outros, está ouvindo música com fones de ouvido. Ela ainda reclama sobre a “musiquinha” que toca nos expressos. “Aquela musica é inútil! Ninguém presta atenção”, opina enquanto dá risada.
í”nibus é dinheiro
Enquanto trabalhadores, estudantes e a população de modo geral utilizam o transporte público apenas para locomoção, pedintes e trabalhadores autônomos buscam dentro dos ônibus uma maneira de ganhar dinheiro. O biarticulado Santa Cândida- Capão Raso é um exemplo. O cego que canta e vende chaveiros, o homem que perdeu a visão por conta da diabetes e o moço que anda de skate para se locomover. Quem nunca viu um destes personagens?
Eder Correia distribui panfletos para arrecadar dinheiro para comprar uma perna mecânica de titânio no valor de R$ 23.000 e conseguir voltar andar sem muletas. Ele trabalha somente dentro dos ônibus e consegue arrecadar R$ 40 quando o dia é bom. “Estou correndo atrás de um sonho meu, já que com os “superiores” não dá. Tem muita gente que faz coisa ruim, mas eu não estou fazendo nada de errado”, explica.
Vestida com a mesma camiseta do Nirvana, Andréia Kachueski teve a ideia de vender bombons dentro dos ônibus quando ficou desempregada há dez anos. A doceira começou com a venda como um meio temporário de ganhar dinheiro, mas tomou gosto e não parou. Apesar de ser autônoma, Andréia segue uma rotina para não relaxar no trabalho: 6h levanta para embalar os bombons; das 9h às 16h vende nos ônibus; chega em casa às 17h30; faz bombons das 18h até 23h. “Trabalho todo dia, folgo um dia da semana, sigo um horário; é mais ou menos a mesma coisa de trabalhar registrada, só que não tem patrão”, resume. Com uma agenda bem organizada, ela consegue viver de modo estável. “Dá pra viver com dignidade, mas não sobra nada para guardar. Também pago INSS certinho. A maior desvantagem é que não tenho férias nem 13º”, finaliza.