Pé-de-Meia auxilia no combate à evasão escolar, mas ainda pode ser insuficiente, aponta pesquisador 

Um ano e meio após lançamento, governo federal ainda enfrenta desafios para consolidar o programa social de maneira efetiva e lança nova estratégia

Os estudantes podem solicitar um cartão de débito do Pé-de-Meia para fazer movimentações no dia a dia. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Com o objetivo de reduzir a evasão escolar, o programa Pé-de-Meia, criado pela Lei nº 14.818/2024, é um dos chamarizes do 3º mandato do Governo Lula. Pelo menos 500 mil jovens de 15 a 17 anos não estudam e não concluíram o Ensino Médio segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2023. Assim, o projeto surge para auxiliar os estudantes da Educação Básica por meio do apoio financeiro mensal de no mínimo 200 reais, acrescido de incentivos anuais bônus a partir, por exemplo, da aprovação no ano letivo.

Os benefícios do Pé-de-Meia podem chegar a até R$ 9.200 ao final do ensino médio. Os incentivos do programa se dão da seguinte maneira:

Infográfico: João Cordeiro/Jornal Comunicação.

Assim como o FIES e o Prouni, essa é uma política pública educacional que viabiliza o acesso à educação para estudantes de baixa renda. O ministro da Educação, Camilo Santana, já afirmou que pretende expandir o programa para todos os estudantes da rede pública de ensino médio, mas por enquanto, o Pé-de-Meia contempla alunos do Ensino Médio, entre 14 e 24 anos, e do Ensino para Jovens e Adultos (EJA), entre 19 e 24 anos, já vinculados ao Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, alcançando 5,6  milhões de estudantes e totalizando um investimento total de R$ 10 bilhões, segundo a Controladoria Geral da União (CGU). 

A assistente social do Instituto Federal Farroupilha (IFFar) e doutoranda no Programa de Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Rogéria Fátima Madaloz, conta que o público-alvo do programa são “jovens que, em grande parte, convivem com a necessidade de conciliar estudo e trabalho e que, sem políticas de apoio, correm maior risco de abandonar a escola”. 

A pesquisadora destaca o papel social do programa na perspectiva de futuro dos estudantes: “Isso gera motivação ao reduzir pressões externas como a necessidade de inserção precoce no mercado de trabalho e cria condições para que o jovem visualize a continuidade de seus estudos como algo possível e concreto”, conclui Madaloz.

Desafios 

Em julho de 2025, mais de um ano e meio após o lançamento do programa, o governo federal lançou um novo decreto que regulamenta e expande o Pé-de-Meia, assegurando o maior estabelecimento do projeto em âmbito nacional. A Portaria Nº 496/2025 do Ministério da Educação (MEC) instituiu a Estratégia Pedagógica Rumo Certo e a Rede Nacional de Implementação do Programa Pé-de-Meia. Agora, além do auxílio financeiro, os jovens vão precisar de um acompanhamento pedagógico específico por parte das instituições de ensino. 

A atualização nas frentes de implementação da Lei que inicia o Pé-de-Meia chega em meio às dúvidas que envolvem o projeto: será que ele é suficiente para erradicar a evasão escolar? 

Para o pedagogo, mestre em educação e doutorando na mesma área pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Cleverson dos Santos, o problema da evasão escolar vai muito além da questão financeira – ela é, principalmente, estrutural no cenário brasileiro. O pesquisador enfatiza que o Pé-de-Meia não tensiona as desigualdades, mas tenta mitigar seus efeitos na última etapa da Educação Básica.

“É preciso pensar que não se trata apenas de permanecer na escola, ou seja, não se deve ter em mente apenas os jovens que estão matriculados. Existe uma população jovem significativa fora da escola”

Cleverson dos Santos, pedagogo e mestre em educação pela UFPR

Dos brasileiros nascidos entre 2000 e 2005, que hoje têm entre 19 e 24 anos, somente 52% concluíram o ensino fundamental com 14/15 anos, e apenas 41% dos estudantes finalizaram o Ensino Médio com 17/18 anos, apontou a Fundação Itaú em pesquisa lançada em março de 2024. Isso mostra que, além da evasão, a defasagem escolar – quando a idade não corresponde aos conhecimentos e habilidade do ano/série pressuposto – é também muito presente no Brasil, e deve ser supervisionada. 

Santos, que também participa do Observatório do Ensino Médio da UFPR, analisa que: “o Pé-de-Meia precisa se articular com outras políticas para o Ensino Médio e essa articulação não pode ser retórica [apenas como um discurso]”. O pesquisador explica que o valor, de 200 reais mensais, é ínfimo para competir com o mercado de trabalho informal, o qual muitos dos jovens se inserem e, consequentemente, abandonam os estudos. 

Além disso, o pedagogo explica que é ainda muito cedo para definir de forma exata o sucesso ou a falha do programa. Cabe acompanhar em que medida isso se efetiva na prática, em que medida promove uma educação de qualidade em termos de currículo, infraestrutura da escola, condições de trabalho dos profissionais da educação, etc.”, entende Santos. 

A comunidade escolar 

A estudante Maria Victória Freitas, 16 anos, relata que foi incluída automaticamente no Pé-de-Meia e retira todo mês o seu depósito na Caixa Econômica, posto apenas se sua frequência mensal for superior a 80%. A família de Maria já é beneficiária do Bolsa Família, o que a fez ter direito ao programa educacional de forma imediata. Quanto aos seus gastos, a aluna do Colégio Estadual João Gueno revela que utiliza o benefício na compra de materiais escolares e para fins pessoais.

O Colégio Estadual João Gueno não pôde informar o número exato de estudantes que recebem os incentivos do Pé-de-Meia. Foto: Eric Rodrigues/Plural.

Segundo a pedagoga do CE João Gueno, localizado em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, Juliana Loch, a visão dos estudantes da rede pública de ensino, dos familiares dos jovens e dos outros profissionais da educação, o programa é benéfico, mas se revela, até então, insuficiente. Loch conta: “os poucos alunos que evadem fazem isso independentemente dos programas aos quais ele está vinculado”. Constatando que, sim, a evasão é um problema, mas o maior obstáculo são os jovens que sequer estão matriculados nas escolas. 

Em relação à supervisão dos estudantes beneficiários, a pedagoga afirma que o acompanhamento é feito de forma individual e ocasional, principalmente a partir da busca dos próprios alunos que buscam sanar suas dúvidas em relação ao programa – onde, como a estudante Maria Victória, são colocados automaticamente. A pedagoga ainda nota que muitas das meninas que recebem o auxílio utilizam o valor depositado para a compra de cosméticos e itens de higiene pessoal.

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