
O crescimento acelerado do número de motoristas por aplicativo, impulsionado principalmente pelo aumento da demanda por delivery pós pandemia, mostra não apenas a importância desses profissionais para a dinâmica urbana, mas também a falta de garantias trabalhistas e as condições precárias em que atuam.
Segundo a pesquisa “Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos”, de 2024, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), o número de entregadores por aplicativo cresceu 18% entre 2022 e 2024, passando de 385.742 para 455.621 trabalhadores. Dentre eles, a maioria é de homens autodeclarados pardos.
O estudo também revela que, à medida que a profissão se expande, também se agrava a precarização dessa categoria. Entre as principais consequências estão os riscos de acidentes de trânsito, a exposição aos efeitos das mudanças climáticas, a insegurança alimentar, problemas de saúde física e mental e a ausência de vínculo empregatício, como explica o professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná, Sidnei Machado, coordenador do projeto “Clínica de Direito do Trabalho” da UFPR e advogado.
CLT ou autonomia?
Os entregadores podem atuar tanto em aplicativos, como iFood, 99Food, Uber Eats e Zé Delivery, quanto de forma independente, em lojas fixas, sem o uso de plataformas digitais. Embora a autonomia ofereça algumas vantagens, como a flexibilização da jornada de trabalho, diferente do regime CLT em que há carga horária estabelecida, ela também deixa os trabalhadores sem garantias básicas como férias, FGTS, 13º salário e seguro-desemprego.
Sem vínculo empregatício, entregadores vivem em constante instabilidade, já que a renda depende do número de entregas. Quem atua como entregador fixo — a maioria sem contrato CLT — atende estabelecimentos em horários definidos, recebem por rotas e têm pagamentos diários ou semanais. Já os que atuam apenas por aplicativos não contam com essa previsibilidade.
Andy Silva, de 28 anos, é entregador em Curitiba e já passou meses trabalhando apenas por aplicativo e hoje atua como fixo em alguns estabelecimentos — embora não em contrato CLT —, mas recorre às plataformas quando precisa complementar a renda. “Eu prefiro trabalhar em emprego fixo pela estabilidade que oferece, porque é um ganho certo. Já trabalhei três meses só com aplicativo. Às vezes estava saindo entrega uma atrás da outra, e no dia seguinte não tocava nada. No fixo, o bom é que tem estabilidade e também um ganho garantido”, conta. Mesmo assim, destaca que a precariedade permanece em ambos os formatos.
Um dos principais riscos enfrentados pelos motoboys são os acidentes de trânsito. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) mostram que, entre 2011 e 2020, acidentes de moto corresponderam por 21,2% das mortes em ambiente de trabalho, 3.296 dos 15.511 casos registrados no período. Além de poderem ser fatais, esses acidentes comprometem o trabalho do entregador, que, ao se machucar, fica afastado por um período.
Nesse cenário de riscos, também se evidencia o cansaço mental, causado pela rotina exaustiva. “No meu caso, a pressão e o esgotamento são muito grandes, e para isso refletir no trânsito é perigoso”, relata Andy sobre o estresse causado pelo trabalho. Essa sobrecarga constante pode comprometer a atenção e a segurança, aumentando o risco de acidentes e prejudicando o desempenho nas entregas. Além de afetar a qualidade de vida e a saúde física e emocional dos motoboys.
Da mesma forma, a rotina intensa impacta na alimentação, expondo os motoboys à insegurança alimentar, marcada pela falta de alimentos saudáveis e em quantidade suficiente. Andy conta que muitas vezes passa horas sem comer e, quando consegue, recorre a produtos industrializados. “Levo minha marmita, mas tem dia que não dá tempo de comer. Acabo comendo um chocolate ou um salgado na rua, e isso já é insegurança alimentar”, explica.
As dificuldades se agravam ainda mais ao considerar que os trabalhadores têm pouca proteção e suporte legal. Segundo o advogado trabalhista Rômulo Ferreira da Silva, “No Direito do Trabalho, é necessário ter uma relação empregatícia, de empregador, empregado e subordinação. Como os aplicativos não têm vínculo empregatício, eles [entregadores] dificilmente poderão recorrer à Justiça do Trabalho, porque não conseguem comprovar subordinação ao empregador, que é a própria plataforma”.
Os novos desafios
A intensificação das mudanças climáticas tem prejudicado diversos trabalhadores, principalmente aqueles que atuam diretamente expostos a eventos climáticos, como os que trabalham com delivery. “Hoje, os entregadores enfrentam impactos ambientais, como o aquecimento climático e problemas de saúde causados pelo sol e pela chuva”, alerta Sidnei Machado.
Andy confirma esse problema, relatando que, em Curitiba, a questão é ainda mais perceptível devido ao clima instável da cidade, com frio intenso e períodos de fortes chuvas. “Trabalhar na rua é bem pesado. Quando chove muito, a produtividade cai, porque você não pode andar tão rápido, precisa ter mais cautela, cuidado e atenção. Se a demanda está alta em um dia chuvoso, você não pode se arriscar. Então, o ambiente e o clima atrapalham bastante o motoboy”, afirma.
O advogado também comenta sobre o controle que as plataformas exercem sobre os entregadores que trabalham por aplicativo. Com o aumento da tecnologia e o uso frequente da Inteligência Artificial, o monitoramento se intensifica. Segundo Machado, essa fiscalização é feita por geolocalização, permitindo que as plataformas saibam onde os trabalhadores estão, quanto tempo levam para se deslocar e quantas entregas realizam. A vigilância é ilimitada e constantemente ajustada, com novos métodos de controle e metas definidas pelos algoritmos, o que permite às empresas intensificar cada vez mais o monitoramento dos trabalhadores.
Reivindicações por parte dos entregadores
Em abril deste ano, o movimento de luta por direitos dos entregadores por aplicativo, o “Breque dos Apps”, paralisou 18 capitais brasileiras. Em Curitiba, a mobilização ocorreu em frente ao Shopping Mueller e à Praça Santos Andrade, reunindo trabalhadores em greve. Sobre o assunto, Andy concorda: “Eles estão certos em cobrar. Não trabalho com aplicativo todo dia, mas já fiz e ainda faço Uber às vezes. Então, se eles buscam melhorias, é porque a situação está ruim.”
Entre os principais pedidos dos entregadores, estavam o reajuste da corrida mínima para R$10, o aumento do valor por quilômetro rodado para R$2,50 e o pagamento integral dos pedidos. Por outro lado, segundo apuração do UOL, o iFood informou que novos valores estão em estudo e que segue ouvindo os entregadores, mas ainda não há prazo definido para um reajuste de taxas para 2025.
Mesmo sendo uma profissão que movimenta a economia e sustenta a dinâmica das entregas no Brasil, esses trabalhadores seguem enfrentando a falta de direitos básicos. Para Sidnei Machado, “a demanda urgente é para uma lei no Brasil que diga que os trabalhadores de plataforma são trabalhadores empregados como os demais, do comércio e da indústria, e, portanto, as empresas têm que reconhecê-los como empregados para os direitos trabalhistas”.