No Brasil, o projeto de lei que busca reforçar a regulamentação e fiscalização sobre plataformas digitais (redes sociais, aplicativos de conversa e ferramentas de busca), conhecida como PL das Fake News ou PL 2630, vem gerando polêmicas e discórdia na opinião pública, influenciadas pelas grandes corporações (as Big Techs) e grupos de extrema direita.
O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB), pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O tema está em discussão no Congresso há três anos, defensores da proposta dizem que ela irá ajudar a combater a desinformação, o discurso de ódio e outros conteúdos criminosos no ambiente digital, enquanto opositores apontam riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão.
O projeto ganhou mais urgência e visibilidade nas últimas semanas, principalmente por conta da formação de grupos de ódio na internet, e crimes de violência nas escolas. Segundo Pablo Ortellado, monitor do debate político digital, professor da USP e colunista do jornal “O Globo”, a onda de ataques das escolas são estimuladas por comunidades que cultuam massacres, em que antes estavam escondidas em canais de difícil acesso, mas ultimamente operam à luz do dia no Twitter, TikTok e Discord.
“É bem importante que nessa regulação exista uma disposição entre as leis e que as empresas passem a ter de fazer esforços para moderar esses conteúdos que estimulam esses massacres.”, destaca Ortellado.
Do mesmo modo, a necessidade de uma lei que regula as redes sociais já vem sendo discutida muito antes da PL ser criada. Visto que, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, foi influenciado por notícias falsas propagadas nas redes sociais, ajudando a instigar manifestações populares.
Conforme divulgado pela BBC News, na semana da votação do impeachment pela Câmara Federal, três das cinco notícias mais compartilhadas no Facebook eram falsas e tinham como objetivo difamar a imagem da ex-presidente e de seus parceiros políticos.
A pesquisa de 2018 do DataSenado revelou que 45% dos eleitores brasileiros levaram em consideração notícias e informações vistas nas redes sociais, na hora de decidir seus votos para a presidência, sendo o Whatsapp a principal fonte de informação. Somado a isso, em 2019, uma pesquisa conduzida pela Câmara dos Deputados e pelo Senado concluiu que a grande maioria dos brasileiros (79%) usa as redes sociais para se informar, principalmente Whatsapp e Facebook.
Tais dados indicam que as redes têm uma alta capacidade de influência na opinião pública brasileira. Consequentemente, a disseminação de narrativas e notícias falsas por grupos organizados nas redes, levou à instauração do Inquérito das Fake News em 2019, presidido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Não apenas no Brasil, mas a regulamentação das redes tem se tornado foco em diversos países ao redor do mundo. Em outubro de 2022, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia publicaram o Digital Service Act (DSA) e o Digital Market Act (DMA), respectivamente, para regulamentar e criar uma estrutura legal atualizada que garanta a segurança dos usuários das redes sociais e proteja seus direitos fundamentais, combatendo a desinformação e outros atos nocivos.
De maneira semelhante, o Parlamento britânico está debatendo o projeto de lei Online Safety Bill, que, se aprovado, obrigará legalmente empresas mantenedoras de redes sociais como Facebook e Tiktok, a retirar conteúdos considerados danosos ou ilegais, além de implementar um sistema de controle de usuários por idade e realizar avaliações de risco de seus conteúdos.
Em fevereiro de 2022, o governo indiano também alterou as diretrizes que regulam as redes sociais no país, exigindo que as empresas retirem postagens do ar em até 24 horas após solicitação do Estado.
As Big Techs, no entanto, se mostraram insatisfeitas e contrárias ao PL 2630, impulsionando publicidades e conteúdos contra o projeto de lei. O ministro Alexandre de Moraes na terça-feira (2), determinou que Google, Meta (Whatsapp, Instagram e Facebook), Brasil Paralelo e Spotify explicassem “os métodos e algoritmos de impulsionamento e induzimento à busca sobre ‘PL da Censura’. As empresas devem informar ainda quais as “providências reais e concretas que realizam para prevenir, mitigar e retirar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços e no combate à desinformação de conteúdos gerados por terceiros”.
A plataforma de pesquisa digital, Google, foi a que se manifestou abertamente contra a PL das Fake News, exibindo na segunda-feira (1º) uma mensagem na aba central do site, que dizia que o projeto de lei poderia “aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira”.
Ao clicar na mensagem, o navegador abre o site de uma propaganda que alega pontos negativos sobre a PL 2630. Insinuando que o projeto “acaba protegendo quem produz desinformação, resultando na criação de mais desinformação.” Entre outros pontos está que a PL:
- Coloca em risco o acesso e a distribuição gratuita de conteúdo na Internet;
- Dá amplos poderes a um órgão governamental para decidir o que os brasileiros podem ver na internet;
- Traz sérias ameaças à liberdade de expressão;
- Prejudica empresas e anunciantes brasileiros;
Após o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciar em coletiva de imprensa na terça-feira (2), que a mensagem divulgada pelo Google não foi sinalizada como publicidade, sendo necessário veicular uma contrapropaganda a favor da PL das Fake News. A mensagem foi retirada da página inicial do navegador, porém o site continua acessível para quem quiser pesquisar. A Secretaria Nacional do Consumidor solicitou também que o Google comunicasse seus consumidores sobre os conflitos de interesses da empresa em relação às informações sobre a PL.
Em paralelo, o aplicativo Telegram, nesta terça-feira (9), disparou mensagens contra o projeto de lei das Fake News para os consumidores da plataforma, dizendo que o PL “irá acabar com a liberdade de expressão“, e que dará ao governo “poderes de censura sem supervisão judicial prévia”. A plataforma ainda enfrenta embate com a justiça brasileira, por não ter cumprido pedidos judiciais sobre identificação de usuários em grupos neonazistas.
“Para os direitos humanos fundamentais esse projeto de lei é uma das legislações mais perigosas já consideradas no Brasil”
afirma a empresa.
O Google, assim como outras redes sociais e plataformas de comunicação, deve mostrar imparcialidade e neutralidade na divulgação de informações, mesmo que estas de fato não sejam. Visto que, ao emitir opinião, estão induzindo e influenciando milhares de pessoas que utilizam seus programas, além de se tratarem de veículos de tecnologia que tem seus próprios interesses políticos-econômicos.
Atualmente, as Big Techs no Brasil não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas, seguindo o princípio estabelecido no Marco Civil da Internet. Nisso, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos em caso de decisão judicial.
Com a aprovação do projeto de lei, as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem em crimes já tipificados na legislação brasileira, como crimes contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo, induzimento ao suicídio ou automutilação, crimes contra crianças e adolescentes, racismo, violência contra a mulher e infração sanitária.
“Sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, as empresas seriam estimuladas a remover discursos legítimos, resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura”
disse o Google, em manifestação
Conforme estabelece a PL das Fake News, as plataformas deverão gerar “relatórios de avaliação de risco sistêmico e transparência”, que serão utilizados para monitorar se as empresas estão cumprindo determinadas obrigações, como prevenir a disseminação de conteúdos ilícitos e proteger o direito à liberdade de expressão, informação e imprensa.
O projeto também pretende:
- Determinar que as plataformas digitais mantenham regras transparentes de moderação e dos algoritmos;
- Responsabilizar solidariamente os provedores pelos conteúdos cuja distribuição tenha sido impulsionada por pagamento;
- Obrigar a identificação de quem pagou por anúncios;
- Estende a imunidade parlamentar às redes sociais;
- Estabelece a remuneração por uso de conteúdo jornalístico, como já acontece em outros países, e pela reprodução de conteúdos protegidos por direitos autorais.
O relator também solicita que as mídias cumpram as decisões judiciais para a retirada de conteúdo ilícito no prazo de 24 horas, com multa de até um R$ 1 milhão por hora para o caso de descumprimento.
O projeto propõe a criação de uma identidade autônoma que irá fiscalizar e analisar as notificações dos usuários sobre conteúdos criminosos disseminados na plataforma, com um canal de denúncias direto para o órgão fiscalizador, assim os usuários não ficarão reféns de denunciar apenas para as plataformas.
Em caso de “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais”, poderá ser acionado um protocolo de segurança de até 30 dias, durante o qual os aplicativos poderão ser punidos se não cumprirem seu “dever de cuidado”. Para entender mais sobre o projeto de lei, leia em PL 2630/2020 — Portal da Câmara dos Deputados.
Ademais, com o avanço das tecnologias, na qual inteligências artificiais estão sendo criadas em larga escala e de forma cada vez mais rápida, a regulação e fiscalização das mídias se mostra fundamental para uma sociedade que vive conectada.
Especialmente quando essas ferramentas não são neutras, pois possuem algoritmos escritos por alguém que tem suas próprias ideologias e interesses políticos, econômicos e sociais. Sendo assim, tem o poder de propagar ideais, manipular escolhas e influenciar toda uma população a partir da plataforma criada. Além de estar na constituição do Brasil que atividades comerciais devem ser regulamentadas.
As redes sociais já possuem algoritmos que derrubam conteúdos com direitos autorais de forma automática, como também dispõe nos termos de uso do aplicativo que é proibido compartilhar conteúdo discriminatório; de informação falsa; que estimule discurso de ódio; automutilação ou suicídio; entre outros atos nocivos. Porém ao denunciar, o conteúdo raramente sai do ar, não possuindo a mesma eficácia dos algoritmos de direitos autorais.
Para as Big Techs, o lucro vem muito em parte por conta dos engajamentos, e o que mais costuma viralizar nas redes são polêmicas, então tirar do ar tópicos de desinformação, propagandas enganosas, assuntos que violam direitos e discursos de ódio, significa automaticamente a diminuição do lucro dessas empresas.
Além disso, seria mais trabalhoso para as mídias digitais e estas não parecem querer se responsabilizar pelos danos que seus usuários causem em terceiros, conforme o parágrafo 6º do artigo 37 da constituição. Violando ainda o código de defesa do consumidor (CDC) que prevê no artigo 6º como direito básico “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.
Já os grupos de extrema-direita, pintam o projeto como uma forma de censura, alegando que infringe a liberdade de expressão, pois não querem responder pelas fake news propagadas e o ódio enraizado em seus discursos, estes querem ter o direito de violar as leis, de mentir, atacar, discriminar e ferir os direitos humanos, sem sofrer nenhuma punição, ou seja, o direito de cometer crimes em uma terra sem lei.