Futebol paranaense conta com muitos times, mas pouca torcida. Foto: Matheus Neme
Há algumas semanas, viralizou um vídeo de um torcedor mirim que orgulhosamente vestia a camisa de seu time em um desfile na escola. Lucas Benício, de 7 anos, chamou a atenção ao ser o único torcedor do ABC Futebol Clube na Escola Municipal Fátima Aranha, em Montanhas, interior do Rio Grande do Norte. A mais de 3 mil quilômetros do Paraná, o fenômeno observado no interior potiguar se repete em terras paranaenses.
Se o vídeo tivesse sido gravado em uma escola de Florestópolis, região norte do Paraná, o cenário seria o mesmo ou até pior. Muitas das crianças vestiriam camisas dos clubes do eixo Rio-São Paulo, enquanto poucas, ou nenhuma, estariam com o uniforme de um time do próprio estado. E isso mesmo em uma cidade que já foi representada no Campeonato Paranaense e está a menos de 70 quilômetros de Londrina.
O distanciamento entre o paranaense e seus clubes não é novidade. E, ao contrário do que se imagina, não se explica pela falta de representatividade, visto que mais de 300 equipes já disputaram ao menos uma das três divisões estaduais, espalhando o futebol por 99 cidades.
Apenas 16% torcem para times paranaenses
A última pesquisa ampla sobre torcidas no Paraná foi realizada há mais de uma década. Em 2012, o Instituto Paraná Pesquisas, em parceria com a Gazeta do Povo, realizou um levantamento que ouviu mais de 113 mil pessoas em 70 cidades.
Os números confirmaram o domínio das torcidas paulistas, o crescimento de gaúchos e cariocas e a queda acentuada dos clubes locais em relação à pesquisa feita em 2008. O Corinthians liderava com 15,77%, mais que o dobro do segundo colocado Athletico Paranaense. O Coritiba aparecia em quinto e o Paraná Clube em nono, todos com porcentagens menores que as da pesquisa anterior.
Treze anos depois, o futebol paranaense vive outra realidade. O Athletico passou por uma ascensão meteórica, o Coritiba enfrentou instabilidade entre divisões e o Paraná Clube despencou até a segunda divisão estadual. No interior, Operário e Londrina consolidaram bons anos com conquistas e participações nacionais, enquanto Maringá e Cianorte ganharam grandes projeções. Ainda assim, é difícil imaginar grandes mudanças no mapa de torcidas.
1903-2025: a história da bola no Paraná
Para entender o cenário atual, é preciso revisitar o início do esporte no estado. O futebol chegou ao Paraná em 1903, quando o médico e professor Victor Ferreira do Amaral trouxe a primeira bola aos alunos do Gimnásio Paranaense. A partir daí, uma sequência de clubes foi fundada, com o Coritiba em 1909 e o Operário Ferroviário e o Rio Branco em 1912.
Formação do primeiro jogo de futebol do Paraná, em 1909. Foto: Diário da Tarde
A década de 1910 marcou a explosão de grupos dedicados ao novo esporte europeu. Em 1915, a Liga Sportiva Paranaense (LSP) organizou o primeiro Campeonato Paranaense, com seis clubes – dois de Paranaguá e quatro da capital. O Internacional foi o campeão inaugural de uma competição que, nas 110 edições seguintes, ficaria apenas 15 vezes fora de Curitiba.
Entre formatos e regulamentos confusos, ligas regionais e constantes reorganizações, o futebol paranaense encontrou mais estabilidade a partir de 1937, com a fundação da Federação Paranaense de Futebol (FPF).
Por que não torcemos?
Não há uma resposta exata para explicar a razão do baixo apelo dos clubes paranaenses. O fenômeno não é exclusivo da região, já que outros estados também passam pelo mesmo cenário. A mestranda em História do Futebol pela Universidade do Paraná (UFPR), Julia Menossi, estuda pertencimento clubístico e aponta três vertentes.
A primeira justificativa aborda a mídia como principal causa do interesse por clubes de São Paulo e Rio de Janeiro. A partir da popularização das crônicas esportivas no final da década de 1920, com nomes conhecidos como Mário Filho e Nelson Rodrigues, a veiculação de informações sobre times cariocas e paulistas alcança todo o país. Dessa forma, as pessoas já possuíam mais contato com esse universo do que com a imprensa paranaense, muito restrita à capital.
“Nós começamos a observar algo dessa aproximação com os clubes de fora na imprensa escrita. Depois, com a rádio é uma coisa que se consolida. Na década de 1970, com a televisão, as transmissões de partidas deixam esses clubes muito mais visíveis para o interior”, explica a pesquisadora.
Essa manifestação surge como um dos principais motivos para interferência na questão clubística. Em contraponto à teoria, porém, há exemplos de outros estados que também sofreram interferência midiática, mas que continuam tendo uma característica torcedora muito sólida. O maior exemplo disso é o estado do Rio Grande do Sul.
Dessa forma, outra tentativa de explicação gira em torno da colonização do Paraná. Depois da emancipação política, em 1853, o estado recebe inúmeros fluxos migratórios dos mais diversos cantos do mundo e do próprio país.
“É possível identificar que essa relação da colonização também tem ligação direta com a própria cultura do estado sendo muito diversificada. Os paulistas e gaúchos que vieram para o Paraná já contavam com costumes muito definidos e que consequentemente desencadearam no futebol”, comenta.
“É possível identificar que essa relação da colonização também tem ligação direta com a própria cultura do estado sendo muito diversificada. Os paulistas e gaúchos que vieram para o Paraná já contavam com costumes muito definidos e que consequentemente desencadearam no futebol.”
Julia Menossi, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná.
Por fim, a última hipótese diz respeito ao protagonismo esportivo dos clubes paranaenses. Os principais times do estado pouco apareceram, no quesito competitividade, em posição de destaque no cenário nacional. Na maioria das competições durante a história, não passaram de coadjuvantes.
Para Julia Menossi, todas as teorias se complementam. “Trabalho com a hipótese de ser as três juntas. Não é possível isolar cada uma e dizer que é apenas isso. Todas essas justificativas caminham juntas para explicar a baixa adesão dos clubes paranaenses”, finaliza.
Times Fantasmas
O estado é repleto dos chamados clubes-empresas. Foto: Matheus Neme
Nesse contexto, não é incomum encontrar estádios com médias de público irrisórias ou até inexistentes. Se debruçando sobre as três divisões do campeonato estadual, a maioria dos clubes não conta com casa cheia.
Assim, o fenômeno de clubes-empresas que disputam as competições é cada vez mais observado. No último Campeonato Paranaense, dos doze participantes, metade era composto por times fundados depois dos anos 2000.
Todos esses atuam como clube-empresa, ou seja, ao invés de serem constituídos juridicamente como associações civis sem fins lucrativos, são empresas criadas com o objetivo de lucro a partir dos esportes. Com isso, o apelo popular é totalmente ligado com o sucesso desportivo do clube.
São poucos os torcedores do Andraus Brasil, time de Campo Largo pertencente ao empresário Nadim Andraus, que conseguiu o acesso à elite estadual em 2024. Por outro lado, o estádio Willie Davids tem uma das melhores médias de público da Série C com os jogos do Maringá Futebol Clube, um projeto criado em 2010 e que cada vez mais se consolida no cenário nacional.
Um dos primeiros exemplos experimentados foi o J.Malucelli Futebol S/A. Fundado como Malutrom, o primeiro clube-empresa do país passou por diferentes fases desde seu nascimento nos anos 1990. Como parte de um pool de empresas do Grupo J.Malucelli, praticamente todas as suas decisões estavam relacionadas com o ganho econômico.
Seus anos de ouro foram no início do milênio, com participações em campeonatos nacionais e a conquista dos Módulos Verde e Branco da Copa João Havelange. Em 2001, atingiu o ponto mais alto de sua história ao disputar a Série B do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, desistiu devido a diretoria não achar viável financeiramente a participação no certame.
Mesmo assim, as temporadas seguintes sempre foram proveitosas para o Jotinha, como era conhecido. O clube inaugurou o Ecoestádio Janguito Malucelli em 2007, além de idealizar projetos sociais para crianças e adolescentes. Visto como uma oportunidade de angariar torcedores simpatizantes, se transforma em Sport Club Corinthians Paranaense, em uma parceria com o clube paulista.
A tentativa se mostra falha e o retorno ao J.Malucelli ocorre em 2012. A partir disso, a história do Time do Garoto foi ladeira abaixo. Sem conseguir repetir as campanhas de destaque no estadual, seu fim ocorreu após a competição de 2017.
O time foi rebaixado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por conta de uma escalação irregular. Em novembro do mesmo ano, o encerramento de suas atividades foi oficializado.
Mesmo com uma rica jornada, o J.Malucelli nunca conseguiu atrair torcedores até o Ecoestádio, salvo exceções. Em entrevista à Tribuna do Paraná em 2014, o ex-presidente do clube, Joel Malucelli, chegou a confessar que o clube realmente não contava com torcedores, mas com simpatizantes.
“O Jotinha é o segundo time dos torcedores de Curitiba. Não temos torcida, mas temos organização e um bom time. Mas nos jogos em casa falta aquela massa torcedora que dá ânimo aos jogadores”, declarou na época.
Os exemplos de J.Malucelli e Andraus Brasil demonstram que apesar do sucesso desportivo, a torcida é o componente mais importante do futebol. Sem ela, muitas histórias simplesmente são esquecidas ao longo do tempo, como muitas dos mais de 300 times paranaenses que já existiram.
Clubes sem torcidas e torcidas sem clubes
Colorado Esporte Clube é um dos exemplos de times que não existem mais. Foto: Matheus Neme
Enquanto casos de times que levam poucos torcedores às suas arquibancadas é um tanto quanto comum, o contrário também acontece. O exemplo mais óbvio é o caso do Paraná Clube. O time que estava disputando a Série A em 2018, agora está na segunda divisão estadual e não joga desde fevereiro.
Afundado em uma crise sem fim, o tricolor precisa buscar um novo investidor de uma possível SAF (Sociedade Anônima do Futebol) o quanto antes para evitar a falência. Dessa forma, sem jogos de futebol para acompanhar, a torcida paranista trocou o gramado pela quadra ao apoiar o time de futsal.
Os torcedores que frequentam a Vila Capanema não pretendem trocar de clube mais uma vez, movimento que já ocorreu em duas ocasiões diferentes. O estádio foi erguido pelo Clube Atlético Ferroviário, fundado em 1930. O time formou por um bom tempo o chamado Trio de Ferro de Curitiba, representado pelas três principais agremiações da capital.
Na década de 1950, o Boca-Negra, como era chamado, chegou a protagonizar o maior clássico do estado. Ao lado do Coritiba, o badalado Cori-Caf substituiu a importância do Atletiba por um período, sempre levando bons públicos aos alambrados. O fim da trajetória do clube aconteceu em 1971, na fusão com Britânia e Palestra Itália.
Surgia então o Colorado Esporte Clube, o time do coração de muitos torcedores, como é o caso de Edson Francisco de Arruda. Nascido em 1964, era natural que a sua família torcesse primeiramente para o Ferroviário, visto que trabalhavam na antiga Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC). Por sem muito novo, pouco se lembra do Boca-Negra.
Para ele, a verdadeira paixão pelo futebol iniciou a partir da fundação do novo time. “O Colorado é o meu time do coração. O meu amor por esse time é afetivo de família”, comentou Edson.
A história do Colorado não durou muito. Ao longo de seus 18 anos de atividade, conquistou apenas um Campeonato Paranaense, na polêmica edição de 1980 contra o Cascavel Esporte Clube, ao qual dividiu o título. Além disso, somou cinco vice-campeonatos.
No entanto, foi tempo suficiente para marcar a memória. “Eu vivia lá na Vila Capanema, na época em que a gente assistia ao jogo no viaduto. Lembro que o primeiro jogo importante que estive presente foi na final do Paranaense de 1979, contra o Coritiba”, contou.
“Eu vivia lá na Vila Capanema, na época em que a gente assistia ao jogo no viaduto. Lembro que o primeiro jogo importante que estive presente foi na final do Paranaense de 1979, contra o Coritiba.”
Edson Francisco de Arruda, torcedor do Colorado.
Em 1989, o Colorado fundiu-se com o Pinheiros, resultando no Paraná Clube. A ideia era promissora, o time da Vila Capanema teria a paixão de milhares de torcedores a agregar, enquanto o clube da Vila Olímpica contava com uma grande estrutura. A teoria se confirmou na prática durante os anos de 1990.
“O Paraná nasceu da junção do útil ao agradável. A torcida do Colorado e o patrimônio do Pinheiros, assim como diz o hino ele já nasceu gigante. Infelizmente ele foi destruído por más gestões”, finalizou.
Olhando para o cenário atual, a situação do Tricolor da Vila é a pior possível. São milhares de torcedores que podem se encontrar órfãos do seu clube, algo nunca visto no futebol brasileiro dos últimos anos.