Na noite de terça-feira, foi a vez do grupo MUV (Movimento Uniformemente Variado) subir ao Palco Principal do 18º Festival de Inverno da UFPR. Liderada por Kátia Drumond (voz) e Ricardo Verocai (voz e teclados), o MUV apresentou um repertório com músicas autorais e de artistas como Ed Motta e Macau. Segundo Kátia, foram escolhidas músicas que “têm a mesma linguagem” do grupo para integrar o show. A linguagem, que justifica o nome da banda, passa por gêneros variados. Funk tradicional, soul, rap, reggae, salsa e samba são alguns deles. “É uma linguagem que tem essa função cultural, sem ser panfletária, de falar das raízes”, explica Kátia.
A proposta direcionou a banda, surgida em 1998, a uma postura de movimento cultural e social. “É um movimento da música negra mundial e uniformemente dançante”, diz Kátia, ao explicar o nome do grupo. Para a musicista, a arte tem a missão de “transformar, de certa forma, as mentes que estão poluídas”. Neste sentido, as raízes negras do Brasil confeririam ao MUV a possibilidade de “mexer com a alma das pessoas”.
Raízes negras
Kátia explica que a música mundial tem origem essencialmente negra. Além dos gêneros listados, somam-se também o jazz, o blues e o rock.
O professor de dança Evandro Passos, que ministra a oficina Danças Afro-brasileiras e Africanas: a África no movimento corporal brasileiro no Festival de Inverno, observa que é freqüente que as pessoas não percebam essas influências no Brasil, entre elas incluídos os próprios afros-descendentes. “A cultura africana no Brasil ainda tem pouca penetração nas livros didáticos, na cultura, nos movimentos artísticos. Às vezes as pessoas até a usam na música, mas não sabem muita coisa”, explica o professor. Sua oficina tem o objetivo de mostrar os elementos de influência desta cultura através da dança.
Evandro explica que um dos motivos para esse desconhecimento é a forte influência da cultura européia. “A gente segue praticamente um modelo francês de educação”, critica. Possuindo no currículo uma bolsa de intercâmbio da Unesco/Aschberg para lecionar na Costa do Marfim (África), formação nos Estados Unidos e oficinas de danças afro-brasileiras na França como ministrante, o professor também leciona uma disciplina de cultura afro-brasileira no Centro Universitário de Belo Horizonte. “Eu acho fundamental a cultura afro-brasileira e africana estar com esse diálogo com a academia. Eu, inclusive, venho da manifestação popular e faço mestrado em dança, também pegando elementos da dança afro-brasileira e africana”, conta Evandro.
Arte no gueto
A aproximação com a academia, entretanto, pode interferir no significado da expressão artística afro-brasileira. Para Kátia Drumond, a música negra ainda está muito relacionada a um “modismo cult”. Tendo morado por muitos anos em Curitiba, ela explica que existem muitos grupos de samba surgindo no sul do Brasil que ainda estão muito “dentro da partitura”, criando uma relação acadêmica com a cultura negra. “Precisa ter mais contato com essa música de raiz. Precisa ir tocar na favela, sentir o suingue”, diz.
O baterista Jahir Soares, ainda em Curitiba desde o show no bar Era só o que Faltava, com a banda Original Marley Cover, concorda. Após uma “canja” no show do MUV em Antonina, Jahir explicou que é preciso levar a música para o “gueto”, considerando a arte como a “arma” em seu projeto social e cultural. O músico conta que mora na favela por opção e que sabe dos riscos. Entretanto, explica que é preciso manter a relação com as pessoas que estão no gueto, mas não estão nos shows. “A estratégia de informação futura é você estar convivendo, na realidade, com a situação. Nós temos que saber, encima do palco, que o nosso sofrimento é real”, conta Jahir. “Mas a nossa alegria é tão forte, que é muito mais brilhante que o nosso sofrimento”, conclui.
Evandro Passos lembra que, em Antonina, a população tem uma forte influência do samba. “A escola de samba é muito forte aqui”, conta. Na cidade, segundo o professor, outra forma de manifestação negra é o pagode que, mesmo sendo uma expressão diferente, tem as mesmas raízes. “A cultura africana permite isso”, explica.