Cidadão acessa o Banco de Ideais Legislativas. Foto: Cecília Comin
Em Curitiba, opiniões que antes ficavam restritas a queixas no grupo da família ou redes sociais podem ser transformadas em propostas de lei por meio de um canal oficial da Câmara Municipal (CMC). Desde 2022, a Câmara disponibiliza o Banco de Ideias Legislativas (BanLegis), uma planilha do Excel de fácil acesso, em que qualquer cidadão pode sugerir uma nova lei para a capital, ou a alteração e revogação de uma que esteja em vigor. A única exigência é justificar por que sua ideia deve ser acatada; vale apontar como a lei resolveria um problema da cidade ou melhoraria sua qualidade de vida, e até trazer um exemplo bem-sucedido de lugares onde a medida já está em vigor.
Ao longo de seus quatro anos de funcionamento, o BanLegis já recebeu dezenas de reivindicações, muitas delas relacionadas a desafios cotidianos da população. As ideias recebidas são apresentadas aos vereadores e, caso consideradas viáveis e de interesse público, podem se transformar em projetos de lei.
As demandas mais frequentes falam de políticas públicas quanto à saúde mental da população, apelos sobre perturbação do sossego e a gratuidade da passagem de ônibus para a pessoa idosa a partir dos 60 anos de idade — atualmente, garantida apenas a partir dos 65 em Curitiba. Por outro lado, algumas sugestões são, no mínimo, curiosas.
‘Desejo que uma rua tenha o nome de meu falecido marido, homenagem às minhas filhas.’
Muitas propostas refletem vontades individuais. Algumas conseguem alcançar o status da utilidade pública e apontar benefícios concretos para a cidade, enquanto outras se limitam a expressar insatisfações pessoais. Entre os exemplos está a sugestão de “declarar MC Livinho como persona non grata em Curitiba”, justificada pelo fato de, durante a cobertura de um acidente envolvendo o time de futebol americano Coritiba Crocodiles, o cantor ter aparecido por trás da câmera e começado a dançar. Outra proposta pede a “mudança do nome da Avenida Presidente Kennedy para Avenida Édson Arantes do Nascimento”, com o argumento de que nos Estados Unidos não existem ruas com nomes de presidentes brasileiros. Há ainda quem defenda “proibir no município toda e qualquer apologia ao socialismo e comunismo”, alegando que regimes como os da Venezuela, China, Cuba, Nicarágua e Coreia do Norte ainda praticam atrocidades.
Outro aspecto do engajamento dos eleitores está nas pautas pouco convencionais, levantadas por cidadãos que observam situações do cotidiano que não chegam ao radar parlamentar. Das propostas, destacam-se a “multa para hospitais que matam o sanguessuga após uso em tratamento”, com a justificativa de que essa medida evitaria a morte do animal e aumentaria a arrecadação, e a sugestão de “proibir o uso de facas e facões em artes de malabarismo”, devido ao risco oferecido a quem as realiza. Por vezes, a razão vem simplesmente de uma experiência pessoal: “Eu morei na Itália por 7 anos e lá funcionava, se não era multa na certa.”
Embora o Banco receba novas propostas constantemente, apenas uma foi levada a debate até hoje. Em 2023, a sugestão de reconhecer Curitiba como “a cidade mais rock and roll do Brasil” ganhou força e se transformou em projeto de lei oficial, apresentado pelos vereadores Nori Seto (PP) e Pier Petruzziello (PP), além dos então parlamentares Herivelto Oliveira, Dalton Borba e Rodrigo Reis.
O sociólogo e cientista político Leonardo Caetano da Rocha reconhece que o estímulo à participação do cidadão permite, pelo menos, que os indivíduos pensem sobre questões relativas ao poder e mantém um espaço de constante discussão política. Ele salienta, porém, que a busca das pessoas por mecanismos de democracia participativa como o BanLegis nasce, justamente, do sentimento de não estar bem representado na política.
“A grande questão é o quanto a participação que é promovida por esses mecanismos tem algum tipo de efetividade. O parlamentar tem a função representativa de estar em contato com a população para fazer essa prospecção de demandas, sejam quais forem. Falta um processo de debate, seja visitando alguém, seja participando de uma audiência pública ou de uma reunião. Isso já deveria ser feito de forma efetiva pelos parlamentares ao longo do mandato. A sociedade civil pede mais que um envio individual de sugestões,” esclareceu Rocha.
