Em 2021, “O Som do Silêncio”, filme que acompanha as angústias de um baterista que perde a audição, foi indicado ao Oscar de melhor filme. Mas o longa-metragem de Darius Marder está longe de ser explosivo como as franquias 007 ou o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU). O espectador imerge nele pelo som, indo de ruídos angustiantes, quando o protagonista decide se afastar de sua identidade surda e coloca um aparelho auditivo, para o silêncio calmo, convidativo e acolhedor quando está junto de outros como ele.
A aceitação dessa identidade começa dentro da sala de aula, com uma educação inclusiva que aproxima as pessoas em vez de afastá-las. No Brasil, entretanto, o cenário da inclusão de surdos e deficientes auditivos é pouco promissor, problema que se estende para as diversas universidades do país. Uma delas é a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que avança gradativamente para oferecer um ambiente mais inclusivo.
Para o coordenador do curso de Letras Libras da instituição, Marcelo Porto, as dificuldades começam desde o momento da inscrição no vestibular: “Os surdos têm o português como segunda língua e quando leem o edital acabam fazendo a inscrição de maneira errada, então já há um impedimento para a pessoa com deficiência chegar na faculdade”. Dentro da universidade, os alunos esbarram em mais uma dificuldade na comunicação: a falta de intérpretes.
“Não tem intérprete suficiente para atender a demanda da UFPR. São apenas nove, e nós temos mais de 70 surdos na instituição.”
Marcelo Porto, professor e coordenador do curso de Letras Libras da UFPR
O curso de Letras Libras, fundado em 2015, é um dos frutos do programa federal Viver Sem Limites, instituído no governo Dilma Rousseff. Aliado aos avanços que acompanharam a criação do curso, O Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Especiais (Napne) e os Tradutores e Intérpretes da Língua de Sinais (Tils) também são responsáveis por promover acessibilidade para os alunos surdos da UFPR.
Jonatas Rodrigues Medeiros é um dos formados pela primeira turma de Letras Libras e hoje integra a equipe de intérpretes da universidade. Ele defende que para além da interpretação, a inclusão dos surdos só é possível junto a uma metodologia eficaz e a recursos de apoio. “Existe essa ideia de que o intérprete é quem vai solucionar esse processo educacional. Porém, ainda tem alguns outros pontos a serem avançados, como uma mudança cultural dos professores”.
Outro pilar importante para a promoção da acessibilidade é a tradução dos materiais didáticos, livros e artigos que fazem parte do cotidiano dos estudantes. “A gente avançou um pouco nisso, mas ainda não é uma política instituída de forma mais transversal”, complementa. Para Jonatas, o ideal seria um aumento no corpo de tradutores, que atuem em paralelo com os intérpretes.
Apesar das pequenas mudanças e novos passos em prol da acessibilidade, os surdos ainda enfrentam inúmeras dificuldades na universidade, e a situação era ainda pior nos anos anteriores. Para Carolina Fernandes, primeira surda bilíngue a estudar na UFPR Curitiba, a falta de intérpretes foi ainda mais significativa: o número de profissionais não era apenas reduzido, como nulo. “Quando ingressei na universidade, estava me assumindo como surda e havia decidido experimentar as aulas com a presença de intérpretes, mas não havia intérpretes”, relembra.
Quando graduanda de Pedagogia, Carolina enfrentou outro dilema: a forma como era vista dentro da universidade. Julgamentos, falta de compreensão e até mesmo afirmações de que ela deveria se adaptar por conta própria a qualquer situação faziam parte do cotidiano acadêmico da pedagoga.
“Os surdos têm essa dificuldade da falta do contato mais do que os ouvintes, porque a gente precisa da presença para sinalizar.”
Carolina Fernandes
A pandemia da Covid-19 também tornou mais difícil a acessibilidade para alunos surdos, aumentando consideravelmente a evasão dos cursos. O professor Marcelo Porto aponta que a dependência da internet neste cenário é ainda maior para os alunos surdos, já que necessitam da câmera deles e dos professores para se comunicar. “No presencial ninguém senta em filas de carteiras, sentamos de uma maneira que todos consigam se ver. A gente não usa a voz na sala de aula, é tudo na língua de sinais, e no remoto temos essa dificuldade. Não dá para todo mundo falar junto, tem que esperar, daí tem a velocidade da internet; se todo mundo liga a câmera, fica pesado”.
O ensino à distância também enfatizou problemas já presentes na universidade, como a falta de intérpretes e de informações. Os alunos dependem da tradução de materiais como textos e vídeos, dobrando o trabalho dos professores. “Tem o trabalho de gravar vídeo, de editar, de mandar… a gente não podia demandar isso do intérprete também. Além das aulas síncronas, a maior parte dos professores tem atividades assíncronas, com muitos trabalhos, e não tem tradução — aí os alunos surdos não assistem”, finaliza Porto.
Reportagem: Carolina Genez, Luisa Mattos e Paula Bulka