Em maio deste ano, foram registrados três ataques a terreiros de religiões de matrizes africanas em Curitiba e Região Metropolitana. O primeiro, no dia 19, Casa Terreiro de Umbanda Tia Maria, em Piraquara; no dia 20, na Cidade Industrial (CIC), Casa Espiritual Sete Caminhos de Luz; e no dia 29 em Araucária. Os três casos aguardam audiência e os envolvidos pedem justiça contra o racismo religioso.
Na manhã do dia 20, o marido da mãe de santo Alexandra Galvão encontrou o terreiro Casa Espiritual Sete Caminhos de Luz com destroços causados por um ataque. A polícia foi chamada ao local e registrou o crime como dano ao patrimônio. O autor da violação foi liberado e voltou para sua casa, que fica há alguns metros do terreiro.
Com um machado, foram destruídos cerca de 30 assentamentos, que custam em torno de mil reais, 60 imagens de santos, altares e bancos. “Para muitos pode ser apenas uma imagem, mas não é só isso, é herança ancestral e foi quebrado.”, conta Alexandra Galvão, de 42 anos, mãe de santo do terreiro. Para ela, é muito doloroso ver que não somente os bens materiais foram danificados, mas o sagrado, caracterizando um ataque à fé.
Já no terreiro de Piraquara, o ataque ocorreu durante uma gira de sexta-feira (19). As giras ocorrem das 20 às 22 horas. O trabalho é aberto ao público. O centro religioso, que tem isolamento acústico, foi apedrejado por conta do “barulho excessivo”, segundo o autor do crime – que é vizinho do terreiro.
O terceiro caso aconteceu em Araucária, na segunda-feira (29). A mãe de santo Erinéia dos Santos encontrou estilhaços de um coquetel molotov — mistura inflamável — próximos ao terreiro, quando saiu de casa após ouvir um barulho.
Segundo a advogada e mãe de santo de umbanda, Carolina Crozeta, o principal inimigo das acusações contra ataques a terreiros religiosos é a “confusão” de termos no registro do boletim de ocorrência. “Só vamos resolver esse problema institucional, a partir do momento que a gente combata o racismo e, principalmente, o racismo estrutural, porque ele acontece todo dia, todo momento e toda hora’’, diz a advogada.
Dentre os três casos, somente a delegacia de Araucária registrou no boletim o crime que consta no Artigo 20 da Lei nº 7.716, que versa sobre discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Agora, a mãe de santo Alexandra luta para reconstruir o terreiro em outro local com mais segurança. Para isso, disponibiliza uma rifa e vaquinha virtual. “Eu não posso me deixar abater. Em um primeiro momento você quer, mas você tem que sentar, respirar e pensar direito. Você não está sozinho, você tem pessoas que dependem de você e é dessa forma que a gente tem que agir.”, explica a líder religiosa.
Com a ajuda do Fórum Paranaense das Religiões de Matrizes Africanas (FPRMA) e da comunidade o caso será levado para a audiência, no dia 27 de junho.
INTOLERÂNCIA X RACISMO
Uma das principais queixas da advogada dos casos é a maneira pela qual os crimes são tratados institucionalmente. O termo “racismo”, por exemplo, raramente é utilizado no registro dos crimes, mesmo que haja diferença entre intolerância religiosa e racismo religioso.
“A maior justificativa dada aos ataques a terreiros é o barulho. Eles dizem que nossos atabaques atrapalham a vizinhança. Só que esse discurso só se aplica a nós. O pastor começa o culto dele às 7 da manhã e a polícia não baixa na igreja. Quando eles fazem as vigílias e passam a madrugada inteira rezando, a polícia não baixa na igreja. Mas no terreiro ela baixa e ela baixa sempre.’’, conta Crozeta.
No exemplo citado pela advogada, pode ser observado o racismo religioso. Enquanto a intolerância religiosa pode existir contra qualquer tipo de crença ou expressão espiritual, o racismo é um crime contra as minorias sociais, como as religiões de matriz africana.
A membra da Comissão de Igualdade e Liberdade Religiosa da OAB também afirma que acredita na educação como principal agente transformador da sociedade no combate ao racismo e, consequentemente, ao racismo religioso.
Ana Halat e Nayara Almeida