A resistência antimicrobiana (RAM), também conhecida como resistência a antibióticos, acontece quando os microrganismos evoluem e respondem menos ou deixam de responder ao tratamento. Uma pesquisa do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Paraná (CRF-PR) revelou que a venda de antibióticos no primeiro bimestre de 2024 aumentou 22,6% em relação ao mesmo período de 2023. Segundo o coordenador do Hospital Pequeno Príncipe (HPP) e infectologista, Victor Horácio, o fenômeno é urgente e global, exigindo ações rápidas e coordenadas para evitar uma catástrofe de saúde.
Um cenário que preocupa
Os antibióticos são remédios utilizados para tratar infecções causadas por bactérias, ou seja, não fazem efeito em micro-organismos, como fungos e vírus. No entanto, algumas bactérias sofrem mutações genéticas que as tornam resistentes a esses medicamentos, e, quanto mais frequente é o uso dos antibióticos, maior é a chance de ocorrer resistência à sua eficácia. Em muitos casos, infecções que antes eram tratáveis agora exigem antibióticos mais potentes ou nem sequer têm cura eficaz disponível. Um estudo divulgado em setembro de 2024 pela revista médica britânica The Lancet estimou que cerca de 39 milhões de pessoas podem morrer nos próximos 25 anos em todo o mundo devido a infecções causadas por bactérias super-resistentes.
No Paraná, o problema é igualmente preocupante. Victor Horácio alerta para o impacto que a resistência a antibióticos causa no sistema de saúde. “A resistência a antibióticos é um problema urgente e global. Geralmente, o paciente que tem infecção causada por bactéria resistente tem maior risco de ter resultados clínicos piores, demandando também mais da estrutura hospitalar”, explica.
O fenômeno também afeta áreas críticas da medicina, como cirurgias e tratamentos oncológicos, que dependem de antibióticos para evitar infecções graves. “A alta taxa de hospitalização e a baixa resposta aos antibióticos frequentemente usados impactam pacientes mais sensíveis. Os riscos durante uma cirurgia ou quimioterapia, por exemplo, aumentam significativamente”, ressalta Victor.
O impacto pessoal da resistência
Juliana Levandovski, hoje com 20 anos, teve seu primeiro contato com a resistência antimicrobiana ainda na infância, enquanto tratava uma amigdalite com amoxicilina. Ela relata que, na época, nem ela nem seus pais tinham muito conhecimento sobre o que significava a resistência a antibióticos. “No início, meus pais perceberam que o antibiótico não estava surtindo efeito, minha garganta continuava inflamada e eu não apresentava melhora”, recorda.
Foi após várias tentativas frustradas de tratamento que a família descobriu que a resistência antimicrobiana havia se desenvolvido, resultado do uso incorreto do medicamento. “Esse episódio foi um alerta muito grande para nós. Às vezes, pensamos que tomar uma dose maior ou diminuir o intervalo entre elas vai acelerar a recuperação, mas, na verdade, só piora, ajudando a criar resistência”, explica Juliana. Hoje, a jovem é cuidadosa em relação ao uso de antibióticos.
Além dos desafios físicos, o impacto emocional foi significativo. “Eu era criança e sentia muito medo e dor. O tratamento demorou muito mais que o normal, e nenhum dos antibióticos parecia funcionar”, conta. A solução veio apenas com a alteração do medicamento para injeções de benzetacil – forma de penicilina considerada mais incisiva – em um tratamento que se estendeu por cerca de três meses. “Foi uma rotina desgastante”, finaliza Juliana.
Uso consciente de antibióticos
O aumento da venda de antibióticos sinalizado pelo CRF-PR revelou uma realidade que é percebida na prática e que preocupa profissionais da saúde. A farmacêutica Aderlene Berta conta que muitas pessoas ainda chegam ao balcão da farmácia solicitando antibióticos sem prescrição médica. “Elas dizem ‘ah, é final de semana; não tem médico; mas é só um antibiótico oftálmico’, por exemplo”, relata Berta. Desde 2011 a retenção de receita de antibiótico em farmácias é obrigatória.
Para Victor Horácio, a principal prevenção contra essa resistência está na conscientização sobre o uso de antibióticos. “Principalmente tomar antibiótico apenas com receita médica, respeitando a dosagem e o horário do antibiótico registrado na receita. Mesmo que esteja melhor, é importante manter o tratamento pelo período indicado”, acentua.
O coordenador do HPP destaca que a prevenção contra esse fenômeno também começa nas pequenas ações, como lavar as mãos e manter a vacinação em dia. “A questão das bactérias resistentes está literalmente em nossas mãos”, evidencia. Contudo, em um cenário desigual, a pobreza, associada à falta de acesso aos cuidados de saúde, pode exacerbar a propagação da resistência antimicrobiana.
Caminhos para o futuro
No Paraná, uma parceria entre Lacen-PR e Programa Internacional de Controle de Doenças em Ambientes de Saúde, do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, pretende detectar bactérias e fungos multirresistentes em hospitais e unidades de saúde em um curto período, possibilitando ações mais rápidas e efetivas no tratamento de pacientes. O projeto envolve, além do Lacen-PR, instituições similares de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Ceará e outros 15 Laboratórios Sentinelas.
As próprias farmácias também estão desenvolvendo iniciativas para frear a RAM. A farmacêutica conta que o paciente, ao efetuar a compra de um antibiótico com retenção da receita, deixa também seus dados para cadastro. A partir disso, a equipe da farmácia entra em contato para averiguar se o paciente está respeitando o horário e a dosagem do antibiótico e relembrando que, mesmo com a melhora dos sintomas, é necessário completar o tratamento. “A gente tem agora o apoio ao tratamento, que nada mais é que a gente entrar em contato com o cliente para ver se ele está fazendo o uso adequado. A gente está tentando muito reviver o farmacêutico de antigamente, para minimizar essas coisas (RAM) mesmo”, completa.
Segundo o estudo da The Lancet, um melhor atendimento para infecções graves, novas vacinas para prevenir infecções e procedimentos médicos mais criteriosos, que limitem o uso de antibióticos aos casos apropriados, poderiam salvar um total de 92 milhões de vidas entre 2025 e 2050.
Ficha técnica
Reportagem e imagens: Marya Marcondes
Edição: Sophia Martinez
Orientação: Cândida de Oliveira