12 anos depois, o silêncio ainda fala: o caso Tayná 

70% dos homicídios ficam impunes no Brasil e mortes como a da adolescente do Paraná seguem sem resposta

Parque de diversões em Colombo (PR), incendiado após o desaparecimento de Tayná Adriane da Silva, hoje reflete o silêncio da justiça e o vazio deixado pela impunidade. Foto: Gustavo Gomes.

25 de junho de 2013. Tayná Adriane da Silva, de 14 anos, mandou uma mensagem simples para a mãe: “já estou voltando”. Nunca chegou em casa. Dois dias depois, seu corpo foi encontrado em um matagal próximo a um parque de diversões. Até hoje, 12 anos depois, o crime que ocorreu contra a adolescente que desapareceu no bairro São Dimas, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), segue sem resposta. A história de Tayná é, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva: um retrato de milhares de famílias brasileiras que convivem com a dor da perda e com a falta de uma conclusão sobre o que realmente aconteceu. 

O caso, que começou com prisões apressadas, confissões sob tortura e laudos contraditórios, tornou-se um símbolo da falência das instituições em dar respostas às vítimas e às famílias. Mais do que uma tragédia individual, o assassinato de Tayná, que segue em segredo de justiça, expõe um problema estrutural: a dificuldade do Brasil em investigar e concluir casos de violência, especialmente contra meninas e mulheres. 

Infográfico: Marya Marcondes.  

Impunidade e descrédito no sistema de justiça

Quando o Estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores, dá-se um recado de que esses crimes não são importantes 

Carolina Ricardo, Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

Segundo o Atlas da Violência 2024, entre 2012 e 2022 mais de 660 mil homicídios foram registrados no país, incluindo 7 mil homicídios de crianças (entre 5 e 14 anos). Desses, um estudo de 2022 realizado pelo Instituto do Paz mostrou que 6 a cada 10 homicídios ficam sem solução no Brasil. “Um dos fatores que contribuem para a perpetuação dos homicídios no Brasil são as taxas de impunidade. Quando o Estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores, dá-se um recado de que esses crimes não são importantes. E isso é um incentivo para que a prática continue acontecendo”, analisa a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo. 

Para o professor de Direito e pesquisador de temas como Gênero, Sexualidade, Espaço e Conflito, Leandro Franklin, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a impunidade não é distribuída igualmente: “quando a vítima é mulher, negra, LGBTI ou defensora de direitos humanos, a chance de o caso ficar sem responsabilização é maior. Já quando envolve pessoas com poder aquisitivo ou brancas, a resposta tende a ser diferente.” O professor afirma que o sistema de justiça é desigual, e isso gera descrédito justamente entre as populações mais vulneráveis. 

Esse descrédito foi potencializado no caso Tayná. Quatro homens chegaram a ser presos e denunciaram tortura para forçar confissões. O delegado responsável foi acusado e processado, mas a investigação do assassinato seguiu sem respostas. “A impunidade, nesses casos, comunica à sociedade que a violência contra a mulher é tolerada”, resume Franklin. 

A forma como o caso Tayná foi noticiado também se tornou parte da história. A cobertura jornalística intensa, marcada por pressa, especulações e pela ausência de vozes especializadas, ajudou a consolidar o estigma sobre o bairro São Dimas e reforçou estereótipos em torno da vítima e de sua comunidade. Para discutir o papel da imprensa naquele momento e os limites entre o dever de informar e a espetacularização da tragédia, a reportagem traz o episódio especial do podcast “Depois de Tayná: ecos do caso no bairro São Dimas”, que acompanha a reportagem, com a jornalista Dayane Farinacio, egressa da UFPR, que analisou a cobertura telejornalística do caso em seu trabalho de conclusão de curso (TCC). No episódio, ela revisita o tratamento dado pela mídia à época e reflete sobre o que mudou — e o que ainda precisa mudar — nas coberturas de crimes contra meninas e mulheres no Brasil. 

A invisibilidade da violência contra meninas e mulheres 

A professora de Direito Heloísa Fernandes Câmara, também da UFPR, lembra que o Brasil já avançou com delegacias especializadas, mas a violência de gênero ainda sofre com desqualificação da vítima e falhas nas perícias. “Há uma tendência histórica de invisibilizar a violência contra mulheres. Muitas vezes o relato da vítima é desconsiderado ou colocado em dúvida, e isso impacta diretamente a investigação”, explica. 

Ela cita casos julgados no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, como o Campo Algodoeiro, em Ciudad Juárez (México), onde a Corte determinou protocolos específicos para investigar crimes contra mulheres. “No Brasil, a ausência de protocolos claros contribui para a perpetuação da impunidade”, avalia. 

O Atlas da Violência aponta que, em 2022, mais de 4 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, 67% delas negras. Em muitos desses casos, a linha entre feminicídio e homicídio comum sequer é devidamente investigada, reforçando a subnotificação. 

A escola é um dos espaços onde as marcas da violência mais são sentidas, especialmente quando a vítima era uma aluna, uma vizinha, uma presença cotidiana. A figura das professoras ocupa um lugar estratégico entre a dor coletiva e a necessidade de reconstrução: são elas que acolhem as alunas, transformam o medo em conversa e tentam restabelecer um senso de segurança que o Estado não garantiu. Além disso, suas vozes ajudam a compreender como o caso Tayná ultrapassou o campo policial e se tornou uma questão social e pedagógica. No episódio do podcast que acompanha essa edição, o caso é relembrado por professoras do Colégio Estadual João Gueno, onde Tayná estudava. 

Para uma das entrevistadas, a história da aluna se tornou referência constante nas aulas, ao evidenciar que a segurança de meninas e mulheres ainda está longe de ser garantida, e que o caso Tayná simboliza a falha de um sistema incapaz de proteger o direito mais básico: o da vida. Outra docente, que conviveu com a menina, diz que é desolador perceber que, passados tantos anos, o crime permanece sem solução e sem respostas da sociedade. Ela recorda que acompanhar as reviravoltas da investigação — inclusive o envolvimento de autoridades acusadas de tortura — apenas ampliou a sensação de injustiça e impotência. Como mulheres e educadoras, relatam que a insegurança passou a fazer parte da rotina, e que orientar as alunas sobre riscos e cuidados no trajeto escolar se tornou um gesto cotidiano de proteção. Por questões de segurança, as professoras entrevistadas pediram para não ter seus nomes divulgados. 

Um dos papéis fundamentais da escola — e da educação como um todo — é o de ajudar a ressignificar o território e combater os estigmas que, muitas vezes, recaem sobre as comunidades. No Colégio Estadual João Gueno, no São Dimas, esse compromisso tem se traduzido em ações que valorizam a identidade local e estimulam o olhar crítico dos alunos sobre o lugar onde vivem. Em parceria com o Núcleo de Comunicação e Educação Popular (Ncep) da UFPR, um dos trabalhos desenvolvidos propôs que estudantes fotografassem espaços significativos do bairro, lugares que guardam histórias, memórias e afetos.  

Mais do que um exercício de linguagem visual, a atividade se tornou uma forma de reconstruir pertencimentos e reafirmar que São Dimas é feito também de vida, cultura e resistência — muito além do estigma deixado pelo caso Tayná.  

O trauma sem fechamento 

Quando a polícia, que deveria proteger, é também agente de violência, instala-se um descrédito coletivo

Viviane Perotto, psicóloga

Para além das falhas institucionais, o peso de um caso sem solução recai sobre famílias e comunidades. A psicóloga Viviane Perotto explica que a ausência de respostas interrompe o processo de luto: “A perda se converte em trauma. Sem a verdade e sem justiça, o sofrimento se transforma em estresse pós-traumático, depressão e sensação de desamparo.” 

Esse impacto se estende ao tecido social. “Quando a polícia, que deveria proteger, é também agente de violência, instala-se um descrédito coletivo. A comunidade perde a referência de proteção e a sensação é de que qualquer um pode ser a próxima vítima”, completa. 

No caso Tayná, a comunidade de Colombo expressou essa revolta ao depredar e incendiar o parque de diversões, em um ato de desespero diante da ineficácia da investigação, mas que se estende ao sofrimento que não é dito. 

No bairro São Dimas, onde Tayná morava, meninas que cresceram após o crime relatam como o caso marcou suas infâncias e reforçou um estigma sobre a comunidade, frequentemente associada à violência após a cobertura do desaparecimento.  

Do luto à luta 

Se o Estado não garante respostas, famílias e coletivos se mobilizam para manter a memória das vítimas. “O movimento das mães que transformam o luto em luta é uma forma de dizer que aquelas vidas importavam. É uma tentativa de elaborar a dor pela via da resistência”, diz Perotto.

No caso Tayná, a cada “aniversário” do crime, vizinhos e familiares voltam a pedir justiça. Doze anos depois, a pergunta segue sem resposta: quem matou Tayná? Foto: Giuliano Gomes/Arquivo/Gazeta do Povo. 

Uma ferida aberta 

O Atlas da Violência mostra que, apesar de quedas pontuais nas taxas de homicídio, o Brasil convive com mais de 50 mil assassinatos por ano. Muitos deles, como o de Tayná, permanecem sem solução, deixando famílias em suspenso e comunidades em descrédito. 

“Um caso sem respostas não é apenas uma estatística. É uma ferida aberta na sociedade”, conclui Franklin. 

As instituições envolvidas no caso não quiseram comentar sobre o caso para a reportagem, afinal, o inquérito está sob sigilo.   

*Essa reportagem também está estruturada na forma de newsletter.  



Reportagem: Gustavo Gomes, Marya Marcondes e Sophia Martinez

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