ESPECIAL
Em junho de 2021, a Portos Paraná (antiga Appa, Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina),empresa pública estadual responsável pelos portos de Paranaguá e Antonina, anunciou a derrocagem de um dos maciços rochosos da Pedra da Palangana. O objetivo da obra era aumentar para 14 metros ― anteriormente eram 12 ― a profundidade do canal de acesso principal ao porto. A obra tinha a previsão de custar mais de R$ 23 milhões para o governo do Paraná.
A notícia revoltou os moradores da região, que iniciaram protestos e manifestações contra a explosão do complexo da pedra. No site oficial da Portos do Paraná, a informação é de que apenas 12% da área total da pedra seria removida, justificada como procedimento necessário para o aumento da segurança para a navegação local e a prevenção de acidentes marítimos futuros.
Localizada ao lado da Ilha do Valadares, a 400 metros do centro de Paranaguá, a Pedra da Palangana fica no entorno de cinco áreas de preservação ambiental: Parque Estadual da Ilha do Mel, Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba, Estação Ecológica de Guaraqueçaba, Estação Ecológica da Ilha do Mel e o Parque Nacional do Superagui.
Em 2011, a antiga Appa iniciou os planejamentos para a dragagem de diversas áreas na baía do porto, essa iniciativa demandou diversos estudos e exigências que comprovassem a segurança das ações que a Administração pretendia executar.
Por se tratar de uma obra situada entre áreas protegidas pelo Ibama é necessário que seja feito um Estudo ou Relatório de Impacto Ambiental, com uma análise que especifique os incidentes ou possíveis danos que podem ocorrer nessas regiões com a obra e que demonstre ações a serem tomadas para prevenir casos de negligência ambiental.
No mesmo ano, o órgão entregou o Relatório de Impacto Ambiental, mas não havia previsão no estudo o projeto da derrocagem da Pedra da Palangana.
Cinco anos depois, em 2016, a obra da dragagem de aprofundamento do porto de Paranaguá foi autorizada pelo Ibama por meio da Licença de Instalação nº 1144/2016. O documento especifica quais áreas são autorizadas para obras e contempla as condições necessárias para a realização da ação, como a apresentação de relatórios que comprovem a execução dos programas ambientais descritos na licença. Também especifica a responsabilidade da empresa com programas de limpeza nas áreas de mangue afetadas, gerenciamento de resíduos do material dragado e programas de recuperação das áreas degradadas com as obras. Contudo, a licença tinha o prazo de validade de 24 meses após a assinatura da presidente do Ibama, Suely Araujo.
Em 2018, a licença de instalação foi prorrogada por mais 24 meses para a realização da explosão da Pedra da Palangana. Em ambos os documentos, não são especificados estudos realizados acerca dos impactos da ação no meio ambiente ou na comunidade, sem a menção dos critérios necessários caso houvesse a ampliação da obra pela Appa.
Para a realização de obras do estado é necessário abrir um edital para a contratação de uma empresa responsável. Para a obra do Porto de Paranaguá, o consórcio contratado pelo Processo Licitatório nº 01/2020 contou com as empresas Boskalis, Fabio-Bruno, SLI e DEC. Não há registros em documentos que mostrem que as empresas consultaram a comunidade sobre as obras ou sobre a possibilidade de impacto ambiental na região.
A obra da Portos Paraná falha com o cumprimento das disposições descritas no documento criado na Convenção n° 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) sobre Povos Indígenas e Tribais. O documento de 1989 certifica a importância da comunicação entre empreiteiras e comunidades locais para a realização de obras que afetem áreas protegidas. Essa questão foi um agravante para os moradores, que iniciaram reivindicações contra a implosão da Pedra da Palangana.
As manifestações começaram em junho de 2021, quando a Portos Paraná retomou a realização da obra. A ação foi levada pelos moradores e pescadores artesanais da Ilha dos Valadares para o juiz Flávio Antônio da Cruz, da 11ª Vara Federal de Curitiba, que suspendeu a Licença Ambiental autorizada pelo Ibama para a obra.
Desde então, a reclamação dos moradores era a falta do Estudo e Relatório do Impacto Ambiental, que certificaria a possibilidade da população ser prejudicada com eventuais danos causados pelas empresas responsáveis pelas obras. Alguns meses depois, em agosto, o Porto de Paranaguá recebeu a autorização para a continuação da obra da derrocagem. A decisão foi expedida pela desembargadora Vivian Josete Pantaleão Caminha, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A Portos Paraná retomou as atividades nos meses seguintes.
A derrocagem do complexo rochoso da Pedra da Palangana teve início em setembro de 2021 e até a publicação desta reportagem ainda está ativa, com a retirada das partes mais rasas da pedra. Até o fechamento desta matéria, a Portos Paraná não se manifestou sobre as demandas da comunidade nem sobre os impactos das obras.
As constantes obras no Porto de Paranaguá são objeto de discussões socioambientais. As derrocagens, dragagens e outros processos, que acontecem em prol do melhor funcionamento das atividades portuárias, preocupam os moradores e pesquisadores.
As unidades de conservação são protegidas por uma lei chamada Sistema Nacional de Unidades de Conservação, aprovada nos anos 2000, que organiza e define as questões de conservação no Brasil. São diversas unidades no entorno que são afetadas pelas obras. Notadamente, o maior impacto é no habitat das espécies marinhas, interferindo, inclusive, na pesca tradicional.
A primeira questão que impacta o ambiente é a própria dinâmica portuária da baía, que interfere nos ecossistemas através das constantes movimentações de navios e da poluição causada por eles.
As atividades do porto e as obras também causam um problema de poluição sonora que impacta muitas espécies. Os processos de dragagem e de explosão da derrocagem assustam animais marinhos da região e a luminosidade resultante dessas atividades também afasta cardumes importantes para a pesca tradicional. Dessa maneira, moradores que dependem da pesca para o próprio sustento acabam sendo prejudicados.
Segundo pescadores, nas frequentes dragagens ― que acontecem por conta da natureza chuvosa da baía que desloca terra e areia para o fundo do canal ― os equipamentos usados movem os sedimentos do fundo e os jogam no meio do mar, mas espécies da região acabam sendo transportadas com os resíduos e dificilmente sobrevivem no novo ambiente.
De acordo com a pesquisadora e mestra em desenvolvimento territorial sustentável, Fernanda Sezerino, as reações precisam ser levadas em consideração para analisar o contexto ambiental como um todo. “Os impactos são sinérgicos, mas não são vistos dessa forma nos estudos ambientais. Eles acabam analisando estudos de impacto pontuais, no caso da derrocagem, mas sem analisar isso de forma integrada, principalmente dos efeitos indiretos”, argumenta.
Outros riscos das operações portuárias são os acidentes, como o derramamento de produtos na baía e o impacto relacionado ao movimento de navios de grande porte, conforme relatado por populações locais, que causam grande ondas e afetam as pequenas embarcações dos habitantes.
As inundações também são problemas vivenciados pela comunidade na Baía de Paranaguá, como relata a presidente da Associação dos Moradores da Ilha dos Valadares, Mirian Mathias. “É que aqui é uma ilha. Quando a maré alta vem, alaga todas as áreas que já são de risco, então nós temos bastante alagamento no meses de fevereiro e março, porque não tem vazão mais naquela área, nós estamos quase no nível do mar”, conta.
As consequências ambientais das obras e atividades do Porto de Paranaguá impactam diretamente na questão social. As constantes obras atrapalham o fluxo de pescadores, que ocasionalmente são impedidos de exercer a atividade profissional.
Segundo membros da comunidade, acidentes como o rompimento do oleoduto da Petrobrás, em 2001, e a explosão do navio Vicuña, em 2004, fizeram com que, no primeiro, os pescadores ficassem seis meses sem poder trabalhar e, no segundo, a produção do pescado caísse mais do que 50%.
Fernanda explica um caso com a comunidade local que foi objeto de estudo do seu mestrado:
É possível perceber um padrão nas reclamações da comunidade: a falta de diálogo com os moradores e profissionais afetados pelas obras. Segundo Fernanda, esse diálogo é importante para identificar impactos que não aparecem em estudos.
“Existem os protocolos de consulta, que obrigam qualquer iniciativa a previamente consultar a população. Apesar de isso estar ganhando força, a gente vê que existe essa omissão da consulta. No caso da explosão das pedras Palanganas, os pescadores fizeram manifestações porque existe o regulamento da consulta e eles não foram ouvidos”, afirma Fernanda.
Para o presidente da colônia Z1 de Paranaguá e presidente da Federação dos Pescadores do Paraná, Edemir Manoel Ferreira, a falta de diálogo é motivo para críticas. “É muito fácil prejudicar o pescador, mas manter o meio ambiente intacto é difícil. Difícil pra eles né? Nós temos que ter respeito às malhas, mas eles podem chegar e fazer cais em qualquer lugar e começar a poluir o mar. É muito raro eles conversarem com a gente. Eles deveriam conversar antes de começar a obra, não só com a Federação, mas com todas as associações. Eles fazem e depois tentam conversar, mas é muito devagar”.
Os pescadores são atores importantes no contexto regional, mas são invisibilizados, assim como os povos indígenas que habitam o entorno do Porto. Nesse caso, a resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho é muito clara em dizer que quando uma obra causa impactos diretos sobre terras indígenas, eles também precisam ser consultados.
O pescador artesanal da comunidade de Superagui e coordenador do Movimentos dos Pescadores Artesanais do Litoral do Paraná (Mopear) relata o problema da falta de diálogo com os cidadãos locais.
“A gente não é contra o empreendimento, a gente é contra o jeito que ele está sendo feito: sem consulta, sem nada. Queremos aprovar e construir isso no coletivo, mas ninguém faz o protocolo de consulta”, defende.
Em contrapartida às manifestações contra as ações do porto, a Portos Paraná continua a crescer e investir na infraestrutura portuária. O Porto de Paranaguá é o maior porto graneleiro da América Latina, somando mais de US$ 4,2 bilhões em exportação no ano de 2020.
O governo atual anunciou um investimento de R$ 403,3 milhões nos próximos cinco anos para os programas de dragagem do porto. Além da reforma do Píer de Inflamáveis que custará R$ 28,5 milhões. Esse investimento já resulta no aumento da movimentação do porto: nos primeiros cinco meses de 2021 foram mais de 24.343.390 toneladas de mercadorias exportadas e importadas pela baía de Paranaguá.
Os investimentos no Porto de Paranaguá resultam no avanço econômico da região, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, mostram que a cidade ocupa o nono lugar entre os municípios com as maiores somas do Produto Interno Bruto (PIB). De acordo com o Relatório de Gestão 2020, divulgado pela Portos do Paraná, a receita gerada somente com exportações em 2020 contabilizou US$ 17,2 bilhões.
Em contrapartida aos avanços na área de investimento e produção portuária, a gestão administrativa dos portos não prioriza a criação de novos empregos para a população local.
Para Mirian Mathias, o impacto socioeconômico causado pelas obras da expansão vêm junto com a falta de emprego na região. Ela conta que na realização das obras, as empresas contratam pessoas de outros estados para trabalharem na região da baía de Paranaguá, com isso, famílias inteiras acabam migrando para a Ilha de Valadares. “Nós atendemos mais de 50 famílias que são de outros estados aqui na associação”, conta.
A migração de novas famílias para a região causa a ocupação de áreas de proteção ambiental e, consequentemente, o aumento das comunidades ribeirinhas. Sobre os impactos sociais na região, a presidente da Associação dos Moradores afirma que nenhum órgão público chegou a se comunicar com a população da ilha.
“Nós sabemos que para desenvolver qualquer empreendimento que seja perto das comunidades eles têm que ouvir os moradores. E não é só ouvir, nós queremos as compensações. A gente não quer ir contra o progresso, ele está aí pra todo mundo. O que queremos é caminhar junto com o porto, só que eles não pensam dessa forma. Nossa cidade é muito mais que o porto”, afirma.
Este material é resultado de uma produção integrada, durante o primeiro semestre letivo de 2021, entre quatro disciplinas do curso de Jornalismo da UFPR: Laboratório de Jornalismo II (prof. Hendryo André), Laboratório de Radiornalismo I (prof. Rosângela Stringari), Laboratório de Telejornalismo I (prof. Elson Faxina) e Laboratório Multimídia de Jornalismo (prof. José Carlos Fernandes).
PRODUÇÃO
BRENO ANTUNES
IZABELA MORVAN
EDIÇÃO FINAL
RAFAELA RASERA