Brasil Insustentável
Confira outras reportagens da série Brasil Insustentável, que aborda o papel do poder público e desafios para o Brasil a partir de 2023
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Cerca de 11 milhões de mulheres são mães solo no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maior parte delas pertence às classes C, D e E e não tem ensino superior. Essas mulheres têm maior dificuldade de encontrar oportunidades de emprego e isso foi intensificado durante o período de pandemia. No terceiro semestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho.
Foi o que aconteceu com Bruna Bordignon, de 27 anos, que, hoje, depois de mais de um ano desempregada, trabalha como atendente de telemarketing. Ela é apaixonada por moda e costura desde pequena — seu maior sonho é ter uma marca de roupas reconhecida. Não é formada, mas cursou Geografia e Comunicação Institucional na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além de tudo isso, Bruna também é mãe do Benjamin, de 3 anos. Ela descobriu a gravidez tardiamente.
Cerca de 11 milhões de mulheres são mães solo no Brasil, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maior parte delas pertence às classes C, D e E e não tem ensino superior. Essas mulheres têm maior dificuldade de encontrar oportunidades de emprego e isso foi intensificado durante o período de pandemia. No terceiro semestre de 2020, 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho.
Foi o que aconteceu com Bruna Bordignon, de 27 anos, que, hoje, depois de mais de um ano desempregada, trabalha como atendente de telemarketing. Ela é apaixonada por moda e costura desde pequena — seu maior sonho é ter uma marca de roupas reconhecida. Não é formada, mas cursou Geografia e Comunicação Institucional na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Além de tudo isso, Bruna também é mãe do Benjamin, de 3 anos. Ela descobriu a gravidez tardiamente.
“Quando terminei o meu relacionamento, ainda não sabia que estava grávida. A minha gravidez foi bem doida porque fiz vários exames, fiz ultrassom, fiz tudo no início da gravidez e não descobri que estava grávida. Fui descobrir com quase seis meses de gestação. Eu já tinha terminado o relacionamento, mas se eu tivesse descoberto antes e ainda estivesse com ele, acho que teria terminado do mesmo jeito”, conta Bruna.
Mãe solo desde o nascimento do filho, ela passou por dificuldades maiores ainda durante o período de pandemia. Em duas semanas de crise sanitária no Brasil, Bruna perdeu o trabalho. Na época, Benjamin havia entrado na escola, o que modificou a rotina da criança, mas a pandemia mudou isso de forma abrupta. “De repente, ele estava trancado em casa o tempo todo. Foi bem complicado”, conta.
Na metade de 2021, Bruna e Benjamin contraíram o coronavírus: “No único dia em que fui para a empresa trabalhar eu acabei pegando o vírus. Ele ficou bem mal. Foi bem difícil conciliar tudo, trabalho com casa, com filho, foi bem complicado mesmo”.
Bruna diz que as maiores dificuldades de uma mãe solo são a falta de tempo e de dinheiro e a necessidade de conciliar o trabalho com os cuidados com o filho pequeno. “Mesmo trabalhando seis horas por dia, praticamente não tenho tempo para mais nada”, relata.
Caroline Meira, de 32 anos, é coordenadora de uma organização social. Ela gosta de aproveitar o tempo livre com as pessoas que ama. Também adora viajar, fazer “mochilões”, seja sozinha ou acompanhada. A comunicadora também tem interesse por cultura em geral, especialmente por cinema e literatura, tendo chegado a trabalhar em uma livraria. Cuidar da casa e das plantas, cozinhar e sair para assistir a shows e exposições são outras coisas que Caroline gosta de fazer.
Sofia, filha de Caroline, logo vai fazer 13 anos. “Tenho uma jornada complexa com a maternidade”, conta ela. Caroline teve Sofia aos 19 anos, enquanto estava concluindo o curso de Jornalismo em sua cidade natal, Cascavel. Após concluir a graduação, Caroline se mudou para Curitiba em busca de melhores oportunidades. Durante esse período, Sofia morou com os avós.
“Ela ficou com os meus pais por um ano e meio até eu conseguir me estabilizar. Eu trouxe ela no momento que eu achei que estava estável. Não estava tanto. Ela ficou comigo um ano e meio, depois voltou a morar com os meus pais por mais um ano e meio”, conta. Em 2017, Sofia voltou a morar com Caroline e as duas permanecem juntas desde então.
A jornalista diz que a falta de uma rede de apoio é uma das grandes dificuldades para as mães solo. “É uma jornada extremamente solitária. Solitário num nível que não consigo transcrever. Tive depressão profunda na gestação, foi uma fase muito difícil. Consegui terminar a graduação porque meus pais são pessoas maravilhosas. Apesar de serem pessoas muito simples — minha família é muito pobre —, eles me deram todo o apoio, me estimularam a terminar a graduação”, conta.
Sozinha com a filha em Curitiba, Caroline sente falta de acolhimento longe dos pais, em Cascavel. A jornalista lamenta a ausência de ambientes de diálogo com mães solo que acolham também as crianças.
“A jornada dessa mãe vai ser solitária naturalmente. Por algum tempo ela vai se isolar, talvez até perder essa individualidade. Como amigos, como rede, as pessoas que estão próximas podem conseguir fazer essa mãe voltar para ela. E voltar para a gente também”, diz Caroline.
Para a jornalista, o período de pandemia foi caótico, mas a mãe se considera privilegiada por trabalhar em uma organização que respeita a diversidade. “É uma organização feita por muitas mulheres, muitas mães também. Desde que eu comecei lá, quando a minha filha tinha cinco anos, sempre fui bem recebida e isso ajudou muito. Eu imagino que para outras mães que não tenham um ambiente de trabalho receptivo, flexível, compreensivo para as diferenças, deve ter sido ainda mais desafiador o tempo da pandemia”.
A maior dificuldade de Caroline durante o período de pandemia foi lidar com a filha pré-adolescente. A jornalista explica que foi pesado lidar com as dores e tristezas geradas pela pandemia na filha, enquanto a mãe estava passando por suas próprias questões emocionais por conta da quarentena.
“Foi muito difícil. Ter que ter essa firmeza e dar a estrutura que ela precisava no período em que estava faltando tanta coisa para ela, mas estava faltando tanta coisa para mim. A carga emocional de lidar com aquilo foi a pior dificuldade”, revela Caroline. Ao mesmo tempo, as duas fortaleceram ainda mais o seu vínculo durante o período intenso: “Sempre fomos muito unidas, mas eu percebo que a gente conseguiu dar um passo de maturidade”.
Conheça também a história de outras mães pelo podcast Um retrato da mãe solo na pandemia, produzido pela repórter Mayala Fernandes. Ele apresenta as dificuldades vividas por Fabiana Alcântara, advogada, garçonete e mãe solo de uma menina de 12 anos e por Izabelle Closs, psicanalista, militante feminista e mãe de um menino de dois anos.
Um projeto de lei (3717/2021) criado pelo senador Eduardo Braga (MDB), chamado de Lei dos Direitos da Mãe Solo, tem como objetivo a criação de subsídios e outras medidas de apoio a essas mães. Aprovado pelo Senado, o projeto está em tramitação na Câmara dos Deputados. No Paraná, desde 2006, mães chefes de família têm prioridade na fila de programas habitacionais. Em 14 de fevereiro deste ano foi aprovado um projeto de lei com o objetivo de reforçar os mecanismos de proteção de garantia dos direitos da mulher.
Caroline Meira relata que ainda sente falta do apoio do governo. “Sou uma forte usuária de todos os serviços públicos do Estado em sua essência. Sempre defendi muito serviço público, venho de escola pública a minha vida inteira. Mas falta muita coisa ainda”, diz.
A jornalista acredita que falta pensar em políticas públicas em profundidade e em conjunto com as mães, principalmente quando se trata de pessoas em lugares mais vulneráveis e periféricos.
“São políticas públicas construídas com essas mães. Eu aqui, de onde moro, pensar na política pública para uma mulher que é mãe no Pará, que tem vários filhos e talvez não tenha conseguido fazer uma graduação. Eu, sozinha, não consigo pensar de fato o que ela precisa”, reflete a jornalista. “É preciso pensar política pública em profundidade, para ela conseguir atingir esses vários níveis de apoio que a gente espera e precisa”.
Aline Rodrigues Pianaro tem 22 anos e é estudante de Medicina Veterinária. O que ela mais gosta de fazer é assistir a jogos de futebol e tomar cerveja. Ela também gosta de ter um dia sozinha para pintar as unhas, ouvir música e fazer receitas caseiras para cuidar do cabelo. Ainda adora sair para dançar com as amigas e comer fora com o namorado.
A estudante não tem que cuidar apenas de um, mas de dois filhos sozinha. Ela é mãe do Augusto e do Frederico, gêmeos de nove meses.
Aline ficou grávida dos gêmeos durante a pandemia. “Tem gente que fala: ‘Ah, mas eu tenho dois filhos com idades próximas’. Não é a mesma coisa. Eles demandam exatamente a mesma coisa no mesmo momento”, diz a mãe ao relatar os cuidados exigidos com os bebês. Aline conta que os bebês entraram em uma fase na qual já sentem ciúmes, o que a impede de sentar com os dois e dar atenção com calma: “Eu tenho que deixar os dois sozinhos porque senão eles entram em conflito”.
Para Aline, o período da pandemia junto com a maternidade foi mais positivo do que negativo. Ela explica que ter conseguido trabalhar e estudar em casa a ajudou a chegar ao nono mês de gestação com maior tranquilidade. “Acho que não teria conseguido dar conta de trabalhar e estudar com uma gravidez gemelar, que é muito cansativa, muito pesada”, avalia. Além disso, a estudante acredita que não ter que se preocupar em receber visitas familiares durante o período complicado de gravidez também foi benéfico.
Ao mesmo tempo, admite que ficar muito isolada foi difícil. Aline sentiu falta do apoio de amigas que também são mães e entendem o que é passar pelo processo da maternidade: “É muito necessário, principalmente para quem é mãe sozinha, você ter uma ‘mãe-terapia’, que é uma amiga que entende o que você está passando, que sabe conversar”.
Aline comenta que a maior dificuldade de uma mãe solo é ter que lidar com tudo sozinha. Apesar de receber ajuda com apoio emocional da mãe e do irmão, de 16 anos, que moram com ela, Aline se sente muito sobrecarregada.
“Ninguém nunca divide 50% comigo. O peso é duplo, né? É tanto cansaço físico quanto um cansaço de responsabilidade. Sou só eu que tenho que pensar em médico, em ter que me dividir em duas para conseguir dar conta de tudo. Não existe ninguém que consiga sentar e realmente dividir comigo, como uma obrigação. Essa é a parte mais pesada, ser só eu e eles”, relata a mãe. “Um pai acaba dividindo com a mãe. Por mais que as pessoas ajudem, elas não têm essa responsabilidade. Ninguém tem essa obrigação”.
O lado positivo, para a estudante, é que, por terem a companhia um do outro, os gêmeos se tornam mais rapidamente menos dependentes da mãe. Aline conta que os bebês já dormem tranquilamente sozinhos e que ficam bem sem a mãe na escolinha. “Tudo tem um lado positivo”, comenta.
Na reportagem abaixo, produzida pelas repórteres July Ana Mendes e Juliana Sehn, o vídeo abaixo você conhece um pouco mais da realidade das mães solo que foram entrevistadas para esta reportagem.
A docente do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda Staniscuaski participa do projeto Parent in Science, que tem como objetivo trazer uma discussão sobre a parentalidade e, mais especificamente, a maternidade no ambiente acadêmico. O projeto composto por 90 cientistas de todo o Brasil apresenta dados sobre o tema para fomentar o desenvolvimento de políticas de apoio que auxiliem nas dificuldades vividas por pais e, principalmente, mães dentro da Academia.
“A principal contribuição do Parent foi tirar isso do que a gente ‘acha’ que acontece. A gente mostra o que acontece”, comenta a cientista. “Vivemos em uma sociedade onde quem cuida é a mãe. Obviamente existem exceções, mas os dados mostram que quem cuida dos filhos são as mães”.
De acordo com esses dados, a chegada dos filhos ocupa a maior parte do tempo do dia a dia e isso prejudica as mães, que passam a produzir cada vez menos, a ter menos oportunidades, num ciclo vicioso. A cientista chama a atenção para o fato de que criar filhos não é um projeto individual e que a Constituição Federal garante o cuidado com as crianças.
“A gente está falando de uma questão social. Ter filhos não é responsabilidade daquela mãe ou daquele casal. Estamos criando a próxima geração de cidadãos e eles precisam de cuidados. Quem vai cuidar não deveria ser só a mãe, mas se é ela quem cuida, ela não deveria ser penalizada por isso”, argumenta Staniscuaski.
A série de reportagens Brasil Insustentável foi produzida durante o primeiro semestre letivo de 2022 nas disciplinas Laboratório de Jornalismo II – web e impresso (Hendryo André), Laboratório de Radiojornalismo I (Rosângela Stringari), Laboratório de Telejornalismo I (Vinicius Carrasco) e Laboratório Multimídia de Jornalismo II (Criselli Montipó).
PAUTA
RAFAELA RASERA
HIAGO RIZZI
TEXTO
JULIANA SEHN
REPORTAGEM EM VÍDEO
JULY ANA MENDES
JULIANA SEHN
REPORTAGEM EM ÁUDIO
MAYALA FERNANDES
EDIÇÃO FINAL
BRUNA DURIGAN
JOANA GIACOMASSA DE OLIVEIRA
LETÍCIA ARIELE DE MORAES
VITOR HUGO BATISTA