Desde a primeira cena, que apresenta fotos de trabalhadores na Serra Pelada, a impressão que se tem ao assistir o documentário “O sal da terra” (2015, 110 minutos) é a de estar sendo guiado por uma galeria de arte. A maior parte do filme é utilizada para mostrar as fotos do renomado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, com narrações do próprio Sebastião e, eventualmente, de seu filho, Juliano Ribeiro Salgado, e do premiado diretor alemão Wim Wenders, que co-dirigiram o filme. Fãs de Wenders, que também dirigiu filmes como “Paris, Texas” (1984) e o documentário “Pina” (2011), irão reconhecer em “O Sal da Terra” o típico minimalismo do diretor, que aparece também em “Asas do desejo” (1987), cuja primeira hora consiste principalmente de filmagens de Berlim com atores narrando os pensamentos das pessoas filmadas. Apesar disso, outros cinéfilos, também serão capazes de apreciar o filme por sua beleza inquestionável e por gerar um maior interesse em um personagem que, pelas últimas quatro décadas, presenciou e retratou tanto o que há de mais belo quanto de mais horrível no mundo, de paisagens exóticas a massacres.
O filme, dividido em capítulos bem definidos – a vida antes de virar fotógrafo, as séries de fotorreportagens e o projeto de reflorestamento da Mata Atlântica -, não apresenta apenas fotos de Salgado, mas também filmagens que mostram a fazenda em que cresceu, em Minas Gerais, expedições pelo mundo – algumas acompanhadas por Juliano Ribeiro -, e depoimentos do pai de Sebastião Salgado e de sua esposa, além de filmagens de momentos da ditadura militar e de lugares pelos quais o fotógrafo passou. Tudo isso para revelar quem, afinal, é Sebastião Salgado e o que motiva seu trabalho.
Apesar da estrutura simples, “O Sal da Terra” consegue emocionar o público com facilidade, ora em momentos bem humorados – como na cena em que Salgado relata a proposta que recebeu de um índio Zo’é que queria seu canivete ou quando Wim Wenders, diante de uma fotografia de Juliano Ribeiro quando bebê, narra: “Eis meu futuro co-diretor” -, ora em momentos tristes e desesperados – quando, por exemplo, o fotógrafo relata algumas das barbaridades que viu na África, ilustradas por fotos chocantes de campos de refugiados e corpos empilhados, que em muito lembram campos de concentração nazistas. Diante dessas imagens, o público se sente tão desolado e sem esperança quanto o próprio Salgado relata que se sentiu. Felizmente, o filme segue com um novo capítulo na vida do fotógrafo, mais otimista, exibindo o Projeto Terra, que foi criado para ajudar o reflorestamento da Mata Atlântica ao redor da fazenda em que cresceu, e sua mais recente série fotográfica, “Gênesis”, na qual se afasta das fotografias sobre pobreza e catástrofes e se volta para a natureza, mostrando lugares extremos da Terra e as populações que lá vivem.
É possível afirmar que o filme evita abordar a forma como Sebastião Salgado tira suas fotos, algo que já foi motivo de críticas por ser considerado como uma “glamourização das tragédias globais”. Porém, “O Sal da Terra” compensa ao mostrar que, independentemente disso, o personagem principal do documentário é alguém que se importa com o mundo ao seu redor, e está disposto a fazer e promover mudanças.