sex 03 maio 2024
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A cidade é delas: a luta diária das mulheres indígenas

A LUTA DIÁRIA DAS INDÍGENAS URBANAS 

É na Aldeia Kakané Porã, localizada no bairro Campo de Santana, região sul de Curitiba, que um coletivo de mulheres indígenas busca por maior representatividade feminina. Dentro da comunidade elas reivindicam, debatem e unem forças para conquistarem posições de liderança. Gradualmente as indígenas das etnias kaingang, xetá e guarani passaram a ser ouvidas dentro da própria comunidade, organizadas conseguiram levar suas demandas aos líderes – a grande maioria homens. Com voz cada vez mais ativa nas tomadas de decisões, elas lutam diariamente em várias frentes, todas em prol da representatividade feminina dentro e fora da comunidade.

Indioara Luiz Paraná traz o estado em seu nome e a luta da mulher indígena no sangue. Foto: Giovana Bonadiman

KAKANÉ PORÃ

Kakané Porã é a primeira aldeia urbana do sul do Brasil, sendo uma das 24 terras indígenas sem nenhuma providência administrativa tomada para sua demarcação, segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil de 2021. Fundada em 2008, Kakané Porã, que significa “fruto bom da terra” numa mistura dos idiomas kaingang e guarani, é uma necessidade antiga dos indígenas da região. Antes, espalhadas pela reserva Cambuí em São José dos Pinhais, pela terra indígena de Mangueirinha no sudoeste do estado e por outros bairros da capital, as famílias foram assentadas no terreno situado no bairro Campo de Santana em Curitiba, onde casas foram construídas numa parceria entre a prefeitura da capital e a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar). A aldeia é de uso exclusivo para fins habitacionais da população indígena por 20 anos, período contestado pela comunidade, que reivindica a extensão do prazo. Entre as principais lutas dos indígenas está a demarcação de Kakané Porã e a retomada de outros locais habitados por eles anteriormente.

COLETIVO DE MULHERES

Indioara Luiz Paraná é uma das fundadoras do Coletivo de Mulheres de Kakané Porã, ela faz parte da liderança da aldeia juntamente com Leandro Kótãnh dos Santos. Indioara conta que a ideia do coletivo se consolidou a pouco mais de um mês, com o principal objetivo de trazer a perspectiva da mulher indígena para dentro e fora da aldeia. São discutidas pelo coletivo as preocupações com a família em relação a saúde e educação. Hoje são oferecidas aulas de Guarani e Kaingang para as crianças de segunda a quinta-feira, na oca central da comunidade, para eles é importante manter a cultura indígena presente no dia a dia dos jovens, para que ela não se perca ao longo do tempo. Outra preocupação da líder do coletivo é a saúde mental das mulheres indígenas e os efeitos disso na comunidade, por isso, Indioara busca trazer conscientização e ajuda através de palestras principalmente sobre os problemas enfrentados na criação dos filhos, demanda frequente das mulheres da comunidade.

“Nós que estamos aqui na cidade não estamos livre das drogas também. Nossos filhos estão vulneráveis”

Indioara Luiz Paraná

Em relação à luta das mulheres indígenas, Indioara destaca com orgulho e como fonte de inspiração a sua mãe, Belarmina Paraná. A indígena que possui uma biografia chamada: Belarmina Paraná – Trajetória de uma liderança indígena em Curitiba, vai além de ser uma das precursoras da aldeia Kakané Porã. Ela também foi uma grande ativista no coletivo de mulheres que fazia parte antes da criação da aldeia.

Dentro de Kakané Porã as crianças aprendem os idiomas Guarani e Kaingang. Foto: Giovana Bonadiman

Outra idealizadora da reconstrução do coletivo junto a Indioara, é Camila Kanhgág. Mãe, “filha” da aldeia de Kakané Porã, e estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Kanhgág foi aprovada pelo vestibular dos povos indígenas em 2018. Sempre presente nas causas relacionadas a aldeia, hoje ela participa do movimento indígena Estadual-Regional-Nacional do Brasil. 

 “Quando entrei na Universidade a chave virou. Foi quando comecei a ver meu lugar no mundo, pelo o que eu iria lutar”

Camila Kanhgág

O empoderamento das mulheres indígenas dentro da aldeia é uma das principais prioridades do grupo. Isso não só pelo fato de necessitarem serem ouvidas dentro da comunidade, mas de serem ouvidas também pelo meio político onde estão inseridas fora dela. O cenário atual incentiva as mulheres indígenas a ocupar lugares como Joenia Wapichana na Fundação Nacional do Índio (Funai), Sonia Guajajara, atual Ministra dos Povos Indígenas e Célia Xakriabá, no Congresso Nacional. 

A ideia da criação do coletivo de mulheres já existia há anos, mas devido a luta pela documentação das terras, tornou-se impossível priorizá-la. Ressurgir com o grupo foi fruto do questionamento de Camila após ingressar na universidade, com o entendimento de que não se deve apenas ganhar o mundo sozinha, mas sim, crescer junto a aldeia. “Nós somos as extensões das nossas aldeias” declara Camila, realizadora do coletivo.

“Não adianta ganharmos o mundo e não levarmos a aldeia com a gente”

Camila Kanhgág

Mesmo recente o coletivo impõe a sua voz, tornando-se cada vez mais ativa na luta diária por maior representação feminina nas aldeias. E ainda que as mulheres de Kakané Porã não tenham um sentimento de pertencimento ao movimento feminista — mais adequdo a contextos não indígenas — elas percebem influência dele dentro da aldeia, o que as motivam a continuar lutando por melhorias, dia após dia.

Reportagem: Ana Rocha, Giovana Bonadiman, Maria Guimarães e Rafael Maldonado

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