No dia 28 do último mês foi aprovado, na Câmara de Vereadores, o projeto de lei que impede o uso de tração animal em veículos na cidade de Curitiba. A proposta revoga uma lei de 2005 que permitia o uso de carroças e charretes no perímetro urbano. Os animais que forem apreendidos pela nova lei serão encaminhados ao Centro de Controle de Zoonoses e Vetores de Curitiba.
Junto ao projeto, de autoria da prefeitura, foi aprovada emenda que prevê a criação de programas sociais que reduzam o impacto da proibição às famílias de catadores de materiais recicláveis que utilizam carroças para trabalhar. A Secretaria do Meio Ambiente e a Fundação de Ação Social (FAS) estão entre as doze instituições selecionadas pela lei para desenvolver ações de amparo e atendimento a estas famílias, que, segundo dados das prefeitura municipal, somam em cerca de 150.
O programa Ecocidadão está entre os auxílios já oferecidos. “Além de oferecer alguns equipamentos para auxiliar os associados durante a coleta de materiais recicláveis, nós capacitamos a associação para que as pessoas possam ter autogestão”, explica o técnico ambiental Carlos Alberto Kalinke Júnior. Segundo Carlos, o programa trabalha em três vertentes: social, ambiental e econômica. “Na social, você tira as famílias da vulnerabilidade; na econômica, você dá um trabalho para elas e, consequentemente, a parte ambiental vem junto porque você está dando uma destinação adequada ao material que iria para aterros sanitários, rios, encostas ou terrenos baldios”, complementa o técnico ambiental. Para ele, o projeto de lei facilita o trabalho dos carrinheiros. “Primeiramente, o programa visa retirar os catadores das ruas, onde há muita vulnerabilidade, e coloca-los em cooperativas”, esclarece Carlos Alberto.
Maior lucro define a preferência pelo trabalho autônomo
João Leop é carrinheiro há quinze anos em Curitiba. No trabalho como catador, o senhor de 71 anos já não usa animais para mover o instrumento de trabalho. Ele conta que não tem planos para trabalhar em cooperativas ou associações uma vez que o trabalho individual gera mais lucro no final do mês. “Vejo muitos casos de amigos meus que já trabalharam em projetos como esse e não acharam muito vantajoso”, esclarece.
No trajeto que percorre diariamente no bairro Rebouças, João comenta que praticamente não encontra mais carroças movidas a equinos. “Antigamente você via duas ou três carroças puxadas a cavalo por dia. Ultimamente, a última vez que vi faz cerca de quinze dias”, comenta.
Para a vereadora professora Josete (PT), o caso de seu João é apenas mais um entre vários carrinheiros que não estudam largar o trabalho individual para trabalhar em associações e cooperativas municipais. A vereadora, que criou uma emenda ao projeto de lei que foi aprovado na primeira quinzena deste mês, esclareceu algumas de suas apreensões em relação à proposta em entrevista ao Jornal Comunicação. Confira:
Jornal Comunicação: No que o projeto de lei poderia ser diferente?
Professora Josete: Estamos em outro momento de discussão em relação a bem-estar animal. Portanto, entendemos que, de fato estes cavalos são muito maltratados e nós temos que buscar formas de garantir qualidade de vida para eles. No entanto, nós sabemos que existem diversas famílias que sobrevivem a partir do uso deste tipo de veículo com tração animal. Existem alguns levantamentos que variam de 120 a 300 famílias. Multiplique isto por 3 ou por 4. É um contingente enorme de pessoas que será atingida por isso. Apresentamos uma emenda colocando que o executivo deverá buscar através da articulação com diversas secretarias desenvolver políticas públicas para garantir que essas famílias tenham outra alternativa de sobrevivência. Essa emenda articula desde a FAS, que é a Fundação de Ação Social, até a Secretaria do Trabalho em programas de formação profissional.
JC: Atualmente, já existem programas na prefeitura de Curitiba que agem como uma alternativa para o ofício dessas famílias, como o Ecocidadão. Você acredita que eles poderiam atender a demanda de cidadãos que fossem afetados por este projeto de lei?
PJ: Depende, porque o programa exige das pessoas uma compreensão de um trabalho mais coletivo. Nem sempre isso é tranquilo porque normalmente essas famílias que fazem coleta de materiais recicláveis com carroças têm uma ocupação que é individual, sem depender de outras pessoas. Pode ser uma forma de inserção, só que é preciso fazer todo um trabalho preparatório uma vez que é um trabalho coletivo com várias pessoas envolvidas. Muitas vezes o que programas como o Ecocidadão garantem ao final do mês em termos de renda é menor do que essas famílias conseguem ao fazer a coleta por meio das carroças. São vários elementos que devem ser levados em consideração.
JC: O fato de o projeto de lei só proibir o uso de veículos movidos por tração animal faz algum tipo de recorte social?
PJ: É exatamente essa a nossa preocupação e por isso que nós apresentamos a emenda. Óbvio que a primeira consequência da implementação desse projeto é que essas famílias estarão sem uma fonte de renda, sem aquilo que lhes garante a sobrevivência. Portanto, o projeto tem um impacto social direto e fizemos toda uma discussão com a emenda a ser aprovada no sentido de garantir um atendimento a essas famílias. O que nos foi dito é que será uma implantação gradativa porque nós sabemos que o próprio centro de zoonoses ainda não tem uma capacidade grande para atender toda essa demanda. Não adianta somente tirar os animais do trabalho de tração animal e jogar num espaço sem condições mínimas de espaço e alimentação e para que todos os familiares que conduzem o veículo sejam encaminhados para as diversas secretarias em busca de outra ocupação no mercado de trabalho. Tudo isso demanda tempo.