Escritor, influenciador digital, astrólogo e autodeclarado filósofo, Olavo de Carvalho tornou-se o principal representante dos argumentos e ideias da extrema direita, que ganharam protagonismo no Palácio do Planalto depois da eleição de Jair Bolsonaro em 2018. E manteve sua influência até falecer na última segunda-feira (24), vítima da covid-19, segundo uma das filhas dele.
Foi ele quem sugeriu os nomes de Ernesto Araújo (ex-ministro das Relações Exteriores), Ricardo Velásquez (ex-ministro da Educação) e Abraham Weintraub (também ex-ministro da Educação) para o alto escalão do governo Bolsonaro, sendo Weintraub, inclusive, um de seus alunos.
Provocativo e crítico da modernidade, escreveu 31 livros que não encontraram grande afeto no meio acadêmico, principalmente pela falta de embasamento científico, mas que tiveram relativo sucesso de audiência com o público geral. Seus livros O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (2013) e O imbecil coletivo (1997) venderam mais de meio milhão de cópias.
Também fez fama na internet, com um nicho sempre crescente de “alunos” e seguidores que acompanhavam suas transmissões ao vivo e aulas pagas no Curso Online de Filosofia (COF).
Além disso, foi a partir de suas publicações que ganhou a simpatia dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, resultando na grande influência do autor nas primeiras decisões do governo e no embasamento teórico de muitos discursos do chefe do executivo.
Visão de mundo
Sendo frequentemente apontado pela comunidade científica como propagador de desinformação e pseudociência, o escritor costumava questionar ideias amplamente consolidadas, como o heliocentrismo e o evolucionismo.
Também discutiu e criticou correntes ideológicas como o pragmatismo (que enxerga os objetos de acordo com seu uso prático), marxismo (linha de pensamento que segue as ideias de Karl Marx) e kantianismo (filosofia derivada dos estudos de Emmanuel Kant), dentre várias outras, as quais afirmava englobarem o que chamou de “sacerdócio das trevas”. No livro O futuro do pensamento brasileiro (2016), ele afirma que estes pensamentos transferem a responsabilidade do aprendizado do individual para o coletivo. A análise é desacreditada por especialistas da área.
Em suas lições, costumava abordar o tema da subversão da cultura, alegando que a esquerda brasileira havia conquistado influência excessiva na mídia, na educação e em outros meios relevantes, em uma forma de “revolução passiva”. No discurso, sua teoria da conspiração era conhecida como “Marxismo Cultural”.
Mesmo sendo considerado uma pessoa muito querida pelos seguidores, Carvalho empregava uma retórica marcada por termos chulos e críticas pessoais na busca de “combater o politicamente correto”. Chegou a descarregar ofensas à jornalista Carol Pires, descritas no podcast Retrato Narrado, enquanto a recebia em casa para uma entrevista.
Durante a pandemia do novo coronavírus, foi influente na repercussão de ideias negacionistas, chegando a afirmar que o vírus não passava de uma “historinha de terror para acovardar a população” e que “o número de mortes dessa suposta epidemia [de covid] não aumentou em nem um único caso o número habitual de mortos por gripe no mundo”.
Legado
A obra do autor, apesar de pouco estimada no mundo acadêmico, é extensa e abrangente, e pode ficar ainda maior graças a lançamentos póstumos. Segundo o jornalista Fábio Zanini, o vasto rol de manuscritos, palestras e livros inacabados de Olavo ainda deve render diversas publicações.
No entanto, talvez o que Carvalho mais tenha conquistado na vida já esteja nítido entre nós. A influência de seu negacionismo, estereotipagem de grupos ideológicos e divulgação de teorias da conspiração geram consequências diárias nas vidas brasileiras, do mais miserável cidadão ao presidente da República.
Assim, Olavo torna-se muito mais que um escritor ou cientista político — é um estudo de caso interessantíssimo para pesquisadores na área de política e comunicação. No futuro, eles poderão analisar a fundo como a inverdade bem divulgada contribui para a ascensão de políticos extremistas, bem como para a propagação da ignorância disfarçada de filosofia.