dom 21 set 2025
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Metáforas para dilemas da atualidade e preconceitos aproximam público das HQs 

Histórias em quadrinhos exploram temas atuais com criatividade e sensibilidade, conectando os leitores a questões sociais

Por Cecília Comin, José Gonzaga e Luana Perroni.

O Brasil tem um longo currículo na história das HQs, que remonta a 1869 com As Aventures de Nhô-Quim. Nhô-Quim é um homem da roça que viaja para o Rio de Janeiro e se depara com a vida urbana. A obra, assinada por Angelo Agostini, foi criticada por utilizar a ingenuidade do protagonista como ferramenta para expor os problemas políticos e culturais da época, especialmente o apego à escravidão e a corrupção eleitoral. De Nhô-Quim às narrativas da atualidade, rabichos e balões de forma arredondada mostram o poder que têm de transformar simples aventuras, paixões e perigos em metáforas para algo além. Muitas vezes, é nas entrelinhas desses mundos imaginários e personagens fantásticos que símbolos escondidos traduzem vivências de minorias sociais. Como resultado, histórias que funcionam como espelho, crítica e resistência. 

Nhô-Quim em uma de suas atrapalhadas. Imagem: Reprodução.

O gaúcho Christian Gonzatti, doutor em comunicação, exemplifica bem esse uso da metáfora. Em Boy Magya Contra o Monstro do Armário, ele cria um protagonista queer que descobre a própria força quando pode ser quem é, sem medo. Os poderes de Boy Magya, que, além de superforte, também é aluno da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nascem da alegria de existir, uma metáfora para a saúde mental e para o direito de amar livremente. Do outro lado, é um vilão de armadura pesada, que encarna o peso do fascismo, que tenta acabar com essa felicidade. General Ostra é uma referência a Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-coronel brasileiro e chefe dos centros de tortura e assassinato de pessoas que se opunham à ditadura militar.

Christian Gonzatti é o criador do Diversidade Nerd, plataforma criada para espalhar e produzir conteúdos de gênero, sexualidade e outras diversidades.

O horror também tem lugar nesse universo. Para Andrei Simões, quadrinista paraense que mora em Curitiba há 3 anos, o gênero é uma lente que amplia os dilemas da sociedade. Em Pelo e Delírio, uma urutau, ave de canto melancólico, típica da América do Sul, se transforma em detetive num mundo de animais humanizados. A protagonista se sente perseguida, e o autor explica que essa perseguição não é apenas um recurso narrativo, e que ela se torna metáfora para a ansiedade política e as angústias mentais que atravessam os adultos da nova geração. Simões explica que o papel da arte é descomplicar discursos didáticos e aproximar o leitor do que está sendo contado. 

Andrei Simões esteve na 8ª Bienal dos Quadrinhos de Curitiba para divulgar obras como Pelo e Delírio e Putrefatos.

E se o futuro dos quadrinhos se constrói olhando para frente, também pede o resgate das raízes. Durante palestra sobre ancestralidades no auditório Poty Lazzarotto, no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, a educadora Regiane Braz lembrou que cor, raça e ancestralidade não podem ser elementos periféricos nas HQs, e que eles precisam ocupar o centro da narrativa. A profissional infantil reforça a importância do imaginário lúdico para tratar de questões envolvendo raça e preconceito. 

raz também explica que é nesse gesto que o passado se entrelaça ao presente, garantindo que novas gerações se vejam e se reconheçam. Assim, os quadrinhos se revelam mais do que entretenimento. São mundos imaginativos onde super-heróis queer enfrentam monstros intolerantes, aves-detetives investigam medos coletivos e vozes ancestrais ecoam como canto de resistência. 

Para mergulhar ainda mais nessas histórias que misturam arte, metáfora e resistência, ouça o último episódio da nossa cobertura da 8ª Bienal de Quadrinhos de Curitiba. Disponível no Spotify do Jornal Comunicação!

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