A Universidade Federal do Paraná (UFPR), em colaboração com outras instituições, está realizando uma pesquisa para a criação de carne cultivada a partir do manejo de células bovinas. O projeto conta com investimento do Estado do Paraná e faz parte do Napi-PA (Novos Arranjos de Pesquisa e Inovação em Proteínas Alternativas), financiado pela Fundação Araucária e coordenado pela professora Carla Molento. Com essa parceria a universidade fundou, em setembro de 2022, o Laboratório de Zootecnia Celular (ZOOCEL) do Setor de Ciência Agrárias, o primeiro dentro de uma universidade brasileira.
A iniciativa visa desenvolver tecnologias de pesquisa e desenvolvimento de proteínas alternativas para levar ao mercado paranaense e nacional novas possibilidades de consumo nos próximos anos. Entre as principais contribuições do projeto estão a busca pelo bem estar animal e a produção sustentável de alimentos. “Nosso foco é diminuir os riscos de resistência bacteriana e cruzamentos virais, bem como economizar recursos naturais frente a forma convencional, favorecendo a produção sustentável de alimentos, economizando água, estimulando a proteção dos ecossistemas, promovendo o consumo e a produção sustentável, combatendo as mudanças climáticas, fortalecendo a resiliência, reduzindo a poluição marinha e a degradação de habitats naturais.”, diz Vívien Garbin — Pós-doutoranda em Bem-estar animal e alternativas para ensino, pesquisa e testes com animais de Pós-graduação em Ciências Veterinárias da UFPR.
O processo de produção de carne celular funciona da seguinte maneira: inicialmente as células do animal são colhidas por meio de uma amostragem e colocadas em um meio que possibilite sua nutrição e desenvolvimento. Depois, esse material é levado para biorreatores, onde são mantidos em condições controladas e adequadas que estimulem seu crescimento. A partir da multiplicação das células uma maior quantidade de material é gerado, permitindo a formação do produto final.
O projeto busca também eliminar todos os produtos de origem animal que possam estar envolvidos no cultivo celular. Por meio de uma pesquisa de Iniciação Científica (IC), o Zoocel/UFPR, em parceria como Centro de Diagnósticos Marcos Enrietti, está testando um meio de cultura que não contém o soro fetal bovino, principal suplemento utilizado para a nutrição das células. “Essas células vão receber alimentos, nutrientes. E seria ideal que esses nutrientes também não fossem de origem animal, que ela tivesse todos os aminoácidos necessários, tudo que ela precisa para se desenvolver e multiplicar, mas sem que a gente dependesse de tirar isso de animais.”, fala a graduanda em Medicina Veterinária e bolsista pela IC, Maria Eduarda Gurski Coelho.
O desenvolvimento do Napi-PA conta com a participação de diversos setores da universidade. Estão envolvidos na pesquisa o Setor de Ciências Agrárias, sede da coordenação da proposta, o Setor de Biotecnologia, de Administração e o campus Jandaia do Sul, além da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Universidade Estadual de Maringá (UEM). “Este mercado está em um crescimento acelerado e tem obtido bilhões de dólares em investimentos, e queremos que o Brasil se torne o expoente deste setor.”, finaliza Vívien.
CONTRAPONTO
Apesar da carne cultivada levar a diminuição do consumo de água e da ocupação de terras, outros impactos devem ser considerados. A produção tradicional gasta, de acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), 15,5 mil litros de água para cada quilograma de carne. Da mesma forma que o agronegócio utiliza 75% das terras cultivadas para a pastagem e produção de ração.
Os gastos e danos com infraestrutura e energia, para que a carne celular seja produzida e comercializada, também são problemas a serem pensados. Da mesma forma que, o uso de materiais descartáveis produz uma grande quantidade de resíduos. Esse são utilizados para criar um ambiente estéril e impedir a contaminação das células.
Em questões éticas, apesar da produção cultivada diminuir drasticamente o número de animais abatidos, as células utilizadas ainda são retiradas de animais vivos. Essa questão levanta novos questionamentos, principalmente sobre o bem estar animal. Outro ponto é que a disponibilidade desse item no mercado incentiva o consumo e produção de carne, mesmo que a de laboratório.