sex 19 abr 2024
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Surdez no ensino superior: UFPR avança lentamente na promoção de acessibilidade

Alunos surdos enfrentam dificuldades na universidade pública mais antiga do país

Em 2021, “O Som do Silêncio”, filme que acompanha as angústias de um baterista que perde a audição, foi indicado ao Oscar de melhor filme. Mas o longa-metragem de Darius Marder está longe de ser explosivo como as franquias 007 ou o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU). O espectador imerge nele pelo som, indo de ruídos angustiantes, quando o protagonista decide se afastar de sua identidade surda e coloca um aparelho auditivo, para o silêncio calmo, convidativo e acolhedor quando está junto de outros como ele.

A aceitação dessa identidade começa dentro da sala de aula, com uma educação inclusiva que aproxima as pessoas em vez de afastá-las. No Brasil, entretanto, o cenário da inclusão de surdos e deficientes auditivos é pouco promissor, problema que se estende para as diversas universidades do país. Uma delas é a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que avança gradativamente para oferecer um ambiente mais inclusivo.

Para o coordenador do curso de Letras Libras da instituição, Marcelo Porto, as dificuldades começam desde o momento da inscrição no vestibular: “Os surdos têm o português como segunda língua e quando leem o edital acabam fazendo a inscrição de maneira errada, então já há um impedimento para a pessoa com deficiência chegar na faculdade”. Dentro da universidade, os alunos esbarram em mais uma dificuldade na comunicação: a falta de intérpretes.

“Não tem intérprete suficiente para atender a demanda da UFPR. São apenas nove, e nós temos mais de 70 surdos na instituição.”

Marcelo Porto, professor e coordenador do curso de Letras Libras da UFPR
Marcelo Porto sinalizando o seu nome visual. Foto: Divulgação

O curso de Letras Libras, fundado em 2015, é um dos frutos do programa federal Viver Sem Limites, instituído no governo Dilma Rousseff. Aliado aos avanços que acompanharam a criação do curso, O Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Especiais (Napne) e os Tradutores e Intérpretes da Língua de Sinais (Tils) também são responsáveis por promover acessibilidade para os alunos surdos da UFPR.

Jonatas Rodrigues Medeiros é um dos formados pela primeira turma de Letras Libras e hoje integra a equipe de intérpretes da universidade. Ele defende que para além da interpretação, a inclusão dos surdos só é possível junto a uma metodologia eficaz e a recursos de apoio. “Existe essa ideia de que o intérprete é quem vai solucionar esse processo educacional. Porém, ainda tem alguns outros pontos a serem avançados, como uma mudança cultural dos professores”.

Outro pilar importante para a promoção da acessibilidade é a tradução dos materiais didáticos, livros e artigos que fazem parte do cotidiano dos estudantes. “A gente avançou um pouco nisso, mas ainda não é uma política instituída de forma mais transversal”, complementa. Para Jonatas, o ideal seria um aumento no corpo de tradutores, que atuem em paralelo com os intérpretes.

Apesar das pequenas mudanças e novos passos em prol da acessibilidade, os surdos ainda enfrentam inúmeras dificuldades na universidade, e a situação era ainda pior nos anos anteriores. Para Carolina Fernandes, primeira surda bilíngue a estudar na UFPR Curitiba, a falta de intérpretes foi ainda mais significativa: o número de profissionais não era apenas reduzido, como nulo. “Quando ingressei na universidade, estava me assumindo como surda e havia decidido experimentar as aulas com a presença de intérpretes, mas não havia intérpretes”, relembra.

Quando graduanda de Pedagogia, Carolina enfrentou outro dilema: a forma como era vista dentro da universidade. Julgamentos, falta de compreensão e até mesmo afirmações de que ela deveria se adaptar por conta própria a qualquer situação faziam parte do cotidiano acadêmico da pedagoga.

Carolina Fernandes durante sua formatura no curso de Pedagogia (UFPR). Foto: Samira Chami Neves/Sucom

“Os surdos têm essa dificuldade da falta do contato mais do que os ouvintes, porque a gente precisa da presença para sinalizar.”

Carolina Fernandes

A pandemia da Covid-19 também tornou mais difícil a acessibilidade para alunos surdos, aumentando consideravelmente a evasão dos cursos. O professor Marcelo Porto aponta que a dependência da internet neste cenário é ainda maior para os alunos surdos, já que necessitam da câmera deles e dos professores para se comunicar. “No presencial ninguém senta em filas de carteiras, sentamos de uma maneira que todos consigam se ver. A gente não usa a voz na sala de aula, é tudo na língua de sinais, e no remoto temos essa dificuldade. Não dá para todo mundo falar junto, tem que esperar, daí tem a velocidade da internet; se todo mundo liga a câmera, fica pesado”.

O ensino à distância também enfatizou problemas já presentes na universidade, como a falta de intérpretes e de informações. Os alunos dependem da tradução de materiais como textos e vídeos, dobrando o trabalho dos professores. “Tem o trabalho de gravar vídeo, de editar, de mandar… a gente não podia demandar isso do intérprete também. Além das aulas síncronas, a maior parte dos professores tem atividades assíncronas, com muitos trabalhos, e não tem tradução — aí os alunos surdos não assistem”, finaliza Porto.

Reportagem: Carolina Genez, Luisa Mattos e Paula Bulka

Catherine Plothow
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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