qua 01 maio 2024
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This is Not a Drill: Roger Waters volta a Curitiba após 5 anos

Com setlist de clássicos e de carreira solo, co-fundador do Pink Floyd mistura nostalgia, política e emoção em espetáculo de som e imagens na Ligga Arena

Ex-baixista e um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters se apresentou na Ligga Arena no último sábado (4), com a turnê This is Not a Drill. o britânico esteve a última vez em Curitiba na véspera das eleições presidenciais, em 2018, e fez um show bastante agitado da turnê Us+Them, no Estádio Couto Pereira.

A turnê mundial This is Not a Drill começaria inicialmente em julho de 2020. Porém, devido à pandemia da Covid-19, foi adiada por dois anos, com a abertura nos Estados Unidos somente em julho do ano passado. Ao todo, foram 99 shows agendados pela América do Norte, Europa e agora, na reta final, pela América Latina.

Antes do início da performance, Roger Waters deixou um aviso bem claro no telão: “Em gentileza aos que assistem ao show, por favor desliguem seus celulares; e, se você for um desses que ama Pink Floyd mas não suporta a política do Roger, faça um favor e vaza para o bar!”.

Com uma setlist de 22 músicas, a apresentação durou quase 3 horas, com o início previsto para às 21h. A abertura foi com o clássico Comfortably Numb, diferente do usual dos concertos tanto do Pink Floyd, quanto de Roger Waters ou do guitarrista David Gilmour.

O arranjo de Waters foi bastante arrojado para o começo do show: com imagens de uma metrópole destruída, mas ainda assim com pessoas trabalhando e vivendo ordenadamente, a musicalidade teve tom bastante grave, com pouco instrumental, e prioridade para as vozes de Roger e suas back-vocals, que por si só já deram um show à parte.

Running over the same old ground

Foto: Getty Images

Com algumas músicas da carreira solo – como The Powers That Be, Is This The Life We Really Want​? e The Bar –, e muitas da época mais ativa do Pink Floyd, na década 1970, sua seleção não fugiu dos debates políticos, de críticas ao fascismo e imperialismo contemporâneo. Roger aponta para a desumanização das guerras, do perigo iminente de um novo conflito mundial e para a morte de pessoas que ousaram confrontar grupos autoritários e violentos. Citou até mesmo Marielle Franco em uma das músicas, vereadora do Rio de Janeiro (RJ) assassinada em 2018 e responsável por denuncias à atuação da milícia na periferia carioca.

Ainda citou nomes como do presidente estadunidense Joe Biden e de outros líderes norte-americanos, tomando-os como criminosos de guerra. Militante pró-Palestina, Waters também destacou a violência israelita ao povo palestino na Faixa de Gaza, alvo da guerra entre Israel e o Hamas.

Roger Waters tocou faixas dos quatro álbuns de maior sucesso da banda: Money, Us and Them, Any Colour You Like, Brain Damage e Eclipse do The Dark Side of The Moon (1973); Have a Cigar, Wish You Were Here e Shine On You Crazy Diamond do Wish You Were Here (1975); Sheep do disco Animals (1977); The Happiest Days Of Our Lives, Another Brick in the Wall, partes 2 e 3 , e Run Like Hell e Outside the Wall, do clássico The Wall (1979).

Sinestesia

Foto: Isadora Barrios

Além da alta qualidade musical da performance do britânico, os elementos imagéticos roubaram a cena. Com quatro telões no palco aberto, o show contou com efeitos de luzes e vídeos que não só compuseram a identidade visual do show, como contavam histórias, dialogavam com as letras das músicas e davam luz aos artistas de forma muito costurada e concisa. O telão estava todo traduzido para o português e em vários momentos mostrou mensagens também em espanhol e inglês. 

Um dos momentos mais marcantes foi durante a canção Eclipse. Apesar de curta, a música fecha o álbum The Dark Side of The Moon (1973). Para dar vida e homenagear a capa icônica do prisma decompondo o feixe de luz, Roger Waters reproduziu o efeito com canhões de luz que formavam o espectro das cores primárias saindo do palco, com três triângulos centralizados logo acima, dando aos fãs uma experiência visual única. 

A aparição do porco no meio da pista também não poderia faltar. Sempre com mensagens de cunho político e humanitário, desta vez o animal carregava as frases don’t listen, he’s mad – “não dê ouvidos, ele está louco”; e you’re up against the wall – “você está em frente ao muro”. As mensagens dialogavam com contextos de opressão e loucura, facetas macabras e melancólicas de nosso tempo, segundo o artista.

Famoso porco no meio da plateia. | Foto: Letícia Oliveira

A canção Sheep, do disco Animals (1977), tocada poucas vezes na carreira solo de Waters, faz alusão aos clássicos da literatura distópica de George Orwell (1984 e A Revolução dos Bichos), e também de Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo). A faixa reflete a forma com que somos manipulados pelos “porcos” e “cães” – alegorias que fazem referência às classes dominantes na sociedade.

Ovelha sobre a plateia, novidade do show de Waters. | Foto: Letícia Oliveira

As músicas finais foram Two Suns In the Sunset, do álbum The Final Cut (1985), e Outside the Wall, do The Wall (1979). Apesar de mais tímidas , transmitiram enorme emoção e deram um ar ao mesmo tempo melancólico, aconchegante e catártico ao fim do concerto.

Você esteve aqui

Além das tantas histórias contadas por Waters e sua banda, a plateia também compartilhou relatos emocionantes. Uma delas é a da Heloysa Portella, 27. Ela e o namorado Aldecir Balotin, 32, foram ao show com alguns amigos. Mas, mesmo dentro da Ligga Arena, ainda parecia faltar algo: a presença de seu pai, Nilton Portella, 52. Fã da banda desde jovem, Nilton teve receio de não ter mais energia para shows grandes.

Mas a mensagem de “queria que você estivesse aqui”, da médica recém-formada pela UFPR, deu certo. De última hora, Heloysa comprou um ingresso remanescente e conseguiu que seu pai fosse ao show a tempo.

“Um cara do tamanho do Roger passando tantas mensagens importantes para a nossa atualidade é uma experiência única”

Heloysa e o pai, instantes antes do início do concerto | Foto: acervo pessoal

“Achei que meu pai não fosse gostar da experiência do show, apesar de ele gostar do Pink Floyd, ele é sossegado e o fervo do show poderia incomodá-lo”, conta Heloysa. “Mas, quando cheguei aqui e vi o sossego das cadeiras, fui correndo atrás de um ingresso. A organização estava ótima, ele entrou rapidamente e curtiu bastante. Ele não teria outra oportunidade”, ressalta.

Outside the Wall

Com a nostalgia e entusiasmo que une gerações, o som de Pink Floyd ainda carrega fãs por toda parte. Emoção, política, sociedade e outros temas são trazidos de forma visceral pelo artista britânico, que em sua forte personalidade carrega um turbilhão.

O show em Curitiba beirou o impecável e dialogou com estes dois mundos, como fossem duas almas perdidas nadando num aquário, ano após ano.

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