qui 26 dez 2024
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Os desafios enfrentados por trabalhadores de teatro em Curitiba 

Mesmo com a cidade possuindo grandes teatros e festivais, a falta de acessibilidade e estabilidade econômica ainda é um problema

Ao andar pelo centro de Curitiba, é normal se deparar com muitos teatros. Locais como o Teatro Guaíra, Teatro Bom Jesus e o Teatro Lala Schneider revelam a tradição de grandes espaços culturais na cidade. Porém, a realidade é diferente para os trabalhadores da área. Atores, diretores e produtores enfrentam muitas dificuldades, que vão desde a falta de investimento até o preconceito que recebem de parcelas da sociedade. Diante dessa cena, muitos deixam seus sonhos de lado para dar prioridade à estabilidade. 

Isabela Massaro, 19 anos, estuda Publicidade e Propaganda na Universidade Federal do Paraná. A escolha do curso aconteceu quando ela percebeu que o sonho de viver do teatro, sua maior paixão, talvez não fosse possível. Desde os seis anos, as artes cênicas fazem parte do cotidiano de Massaro. Uma pausa nas aulas em 2017 por causa de questões financeiras e da saúde do avô – que faleceu pouco tempo depois – serviu para alimentar a saudade e ver no teatro uma perspectiva de profissão. 

Massaro, quando criança, foi a personagem principal logo na primeira peça que fez. A estudante conta que tinha se apaixonado por um papel secundário, mas foi escalada como protagonista. “Eu cheguei, de braços cruzados, batendo o pé, com seis anos e falei: eu sou uma bruxa”, conta. Quando a mãe explicou que ela seria a personagem principal, ficou mais animada. Após esse episódio, Massaro reúne 13 anos de estudo e mais de 20 peças em seu currículo. 

Isabela Massaro, quando criança, na peça “O estranho caso da menina que respirava“, em que interpretou uma bruxa. Foto: Reprodução/ Instagram 

A história da atriz Guta Stresser, que viveu por 14 anos a personagem Bebel na série “A Grande Família”, da TV Globo, tem semelhanças com o início da trajetória de Massaro. Seu primeiro contato com o teatro foi durante os tempos de escola, quando estudava no Colégio Positivo, em Curitiba. O fascínio pelo teatro fez com que Stresser não fosse tão bem nas matérias escolares convencionais, dando atenção especial para a arte. A escolha de Guta mostrou-se acertada, visto que pouco tempo depois sua carreira deslanchou quando estreou na peça “O Vampiro e a Polaquinha”, de autoria do escritor Dalton Trevizan.  


Guta Stresser em “A Grande Família”. Foto: Reprodução/ Rede Globo 

Estigma na sociedade 

Segundo o pesquisador Alexandre Mate, do Núcleo Paulistano de Teatro, no artigo “Preconceitos estruturais contra as formas populares de cultura, as comédias populares e os Teatros de Rua”, existe um preconceito enraizado contra certas formas de cultura que não são ligadas à elite acadêmica. Já para a diretora e atriz de teatro de rua Adriana Sottomaior, o cenário se repete. “Eu que faço teatro de rua, já fui desrespeitada pela guarda municipal – eles não nos enxergam como trabalhadores – mesmo tendo autorização para utilizar aquele espaço”.  

Assim como Adriana, a companhia de teatro carioca “RangdArt” sofreu repressão da polícia militar durante o Festival de Curitiba, evento mais importante de Teatro da cidade e um dos maiores de todo o país. Uma viatura avançou em direção a uma das artistas que se apresentava no Largo da Ordem. 

“Achavam que teatro era coisa de vagabundo”

Isabela Massaro, estudante 

O preconceito sofrido pelos artistas não vem somente dos guardas e policiais, mas também, muitas vezes, da família e amigos. Isabela Massaro, após passar em Artes Cênicas, na Faculdade de Artes do Paraná (Unespar), enfrentou comentários indelicados de familiares: “Você tem certeza de que vai ser Artes Cênicas mesmo? Porque os seus pais não têm dinheiro”, recorda a atriz. Ela lembra que chorou muito e que foi um choque de realidade. “As pessoas que tinham dinheiro para me ajudar achavam que teatro era coisa de vagabundo. Eu tive que tomar outra decisão, outro rumo.”  

Guta Stresser também viu o preconceito de perto, dentro de casa. “Minha família não abraçou de primeira a minha vontade e iniciativa de ser atriz, profissionalmente falando”, relembra.  

Instabilidade financeira 

As peças de teatro, no geral, são financiadas através de leis de incentivo ou financiamento coletivo dos envolvidos na produção. Ainda há uma grande dificuldade em entender como funcionam os editais para conseguir a verba necessária. Para a produtora cultural Renata Cunali, é preciso que aqueles que trabalham com teatro entendam como funcionam os editais de financiamento. “Dentro dos editais, a gente sabe que quem acessa são grupos que já entenderam o funcionamento desse mecanismo”, conta a produtora. Hoje, Renata tem que conciliar sua carreira no teatro com a carreira de professora devido à inconstância dos projetos. 

Além dos problemas de financiamento, Cunali conta que a formação de um público ainda é um problema na área. “Às vezes você consegue o edital, você consegue financiamento, ou você dá a cara a tapa para fazer sem grana mesmo, juntando uma galera. Mas aí entra o desafio de encontrar público, circular com o espetáculo, de manter em cartaz”. 

O incentivo a jovens atores no Brasil também acaba sendo um problema na área, fazendo com que muitos busquem estudar fora do país. Quando estava no nono ano do Ensino Fundamental, Massaro conseguiu uma bolsa de estudos parcial na American Musical and Dramatic Academy (AMDA), uma universidade estadunidense de teatro e teatro musical. Sua vaga estava garantida no final do Ensino Médio, mas, como a bolsa não era integral, Massaro e sua família não teriam condições de mantê-la nos Estados Unidos para estudar.  

Mesmo Stresser, atriz nacionalmente reconhecida, ainda enfrenta os mesmos problemas de outros companheiros de profissão. “Não é uma profissão que vai te dar segurança. É uma profissão de altos e baixos, de instabilidade”, afirma a atriz. Ela conta que especialmente no início da carreira, já trabalhou em peças que ganhava apenas 50 reais por semana e outras que não tinham nenhum retorno financeiro.  

Dificuldade no acesso 

Ainda existe uma dificuldade no acesso ao teatro em Curitiba também por parte do público. Em apuração realizada pelo Jornal Comunicação, foi constatado que existem cerca de 40 teatros e auditórios na cidade. Porém, destes, 29 estão localizadas na regional Matriz, que inclui os bairros mais ricos da cidade. Já nos regionais Cajuru, Pinheirinho e Bairro Novo não foi encontrada a existência de espaços próprios para exibição de peças administrados pelo município, estado ou empresas. 

“Eu sou da opinião de que devia ter um ponto de cultura a cada esquina”, brinca Sottomaior. A realidade, porém, é que a grande maioria dos bairros não dispõem de nenhum teatro para que a população local tenha acesso, tendo que se deslocar até a região central da cidade para assistir a uma peça. 

Para Stresser, os artistas e a arte do Brasil inteiro são notáveis. “A qualidade artística do artista brasileiro é gigante, na música, nas artes cênicas, no audiovisual, na pintura, nas artes visuais em geral.” A atriz, porém, lamenta que o reconhecimento não seja proporcional. “A gente tem gênios e gênias reconhecidos no mundo inteiro. Mas aqui dentro é difícil a valorização do artista”, enfatiza Stresser.  

Hoje, Massaro tenta guardar o teatro numa caixinha, para que ela sofra menos. “É uma carreira difícil. É uma carreira que você precisa de apoio. E é uma carreira que, principalmente, você precisa de dinheiro”, diz. Ela fala da vontade de melhorar a própria vida e a de sua família. Conta que os pais são seus maiores incentivadores e, em momento algum contrariaram as paixões da jovem, que acredita que o teatro sempre encontra quem precisa dele: “Eu sou atriz. É o que eu sou. Eu vou ser atriz pra sempre, nasci e vou morrer sendo atriz“, conclui. 

Ficha Técnica

Reportagem: Gabriel Costa e Luísa de Cássia

Edição: Alana Morzelli e Giuliano Carbonari

Orientação: Cândida de Oliveira

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