qua 30 abr 2025
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Após mais de 300 atrações em duas semanas, o Festival de Curitiba completa sua 33a edição

Com mais de 200 mil pessoas e 350 atrações culturais, o evento movimentou a economia da capital e reafirmou sua potência como maior encontro cênico do país

Foram os dias em que as ruas do centro de Curitiba pareciam respirar arte. Às três da tarde, uma peça nas escadarias da UFPR; às oito da noite, outra no palco do Guairão. As revistas do festival ocupavam as mesas de cafés e  janelas de restaurantes. Jornalistas, técnicos e produtores cruzavam as ruas com crachás no peito e equipamentos de trabalho. E os artistas — esses davam luz, energia e presença a plateia. Assim foram as duas semanas da 33ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, que chegou ao fim no domingo, 6 de abril

Durante quatorze dias a cidade se transformou em palco para mais de 350 atrações, com artistas de todas as regiões do país ocupando teatros, ruas e espaços alternativos. Só na Mostra Fringe, foram mais de 170 montagens, reafirmando o evento como o maior encontro cênico do Brasil. Neste ano, mais de 200 mil pessoas circularam pela cidade, entre público direto e indireto, o maior do festival até hoje. E os números não se limitaram aos espaços artísticos: o festival também movimentou setores como hotelaria, alimentação e transporte, com impacto estimado de R$50 milhões na economia local, segundo a prefeitura da cidade.

Se no começo dos anos 90 o festival surgiu como um gesto um tanto quanto ousado de fazer o teatro circular fora do eixo Rio-São Paulo, hoje ele se impõe como um dos principais acontecimentos da cena cultural brasileira.

Legenda: Grupo teatral Gota, Pó e Poeira traz a peça “A Lenda de um Homem Sem Nome” para Curitiba como parte da Mostra Fringe. Foto: João Marcelo Simões.

O pertencimento como força
Mas o que se espalhou pelas ruas, pelos espaços de apresentação e nos arredores dos teatros foi mais do que um grande volume de atividades. Foi também um sinal de amadurecimento, de afirmação. Para os curadores, a força do evento hoje está menos em crescer e mais em se consolidar. “A gente não está maior. A gente está exatamente do mesmo tamanho. E o que eu tenho gostado muito de ver é quanto o curitibano, especialmente as pessoas que fazem teatro na cidade, estão começando a ter orgulho desse festival.”, diz a diretora do Festival, Fabíula Bona.

Legenda: Organizadores do evento conversam com jornalistas durante a última coletiva de imprensa.
Foto: Ana Rocha.

Esse sentimento de pertencimento não ficou restrito às falas dos organizadores. Ele se espalhou pela cidade e apareceu de formas inesperadas — como na Rua XV, onde um comerciante colou a logo do festival na vitrine e anunciou um “festival de ofertas”. “Gente, eu chorei”, contou a diretora. “Agora a gente virou uma nova página no festival. Virou cultura popular. O comerciante da XV entendeu que o festival é importante pra ele também, pro comércio dele. Ele se apropriou disso. E, pra mim, essa é a melhor resposta que a gente pode dar nessa edição. É essa a foto. Mais um Jornal Nacional.”, completa.

Uma mostra de variedade e excelência
A Mostra Lucia Camargo, eixo principal da programação, apresentou cerca de 28 espetáculos selecionados por Giovana Soar, Danielle Sampaio e Patrick Pessoa. A curadoria propôs um panorama amplo do teatro contemporâneo, reunindo montagens nacionais e internacionais com diferentes abordagens estéticas e temáticas. Estiveram em cena nomes como Débora Falabella, Gregorio Duvivier, Reynaldo Gianecchini, Tainá Müller, Heloísa Périssé e Marcelo Serrado. Títulos como Prima Facie, Ray – Você Não Me Conhece, Brilho Eterno, O Céu da Língua, Avesso do Avesso, Alaska, Rei Lear, Júpiter e a Gaivota e Nebulosa de Baco ocuparam os principais teatros da cidade e foram bem recebidos pelo público e pela crítica.

Legenda: Peça Ray Charles-Você Não Me Conhece, ressignifica memória do artista e relembra canções marcantes
Créditos: Amanda Menezes

O Fringe, com sua estrutura paralela e aberta, seguiu como espaço de visibilidade para grupos independentes de todo o Brasil. Palco de experimentações e encontros, a mostra paralela acolheu grupos independentes de todas as regiões do país: Manaus, Porto Alegre, Salvador, São Paulo, e também, com presença robusta da própria Curitiba. Ao todo, 17 estados brasileiros estiveram representados, um panorama plural que movimentou o centro da cidade.

Nesta edição, um dos destaques foi novamente a Mostra Surda, que chegou à sua segunda edição e aconteceu no Teatro Sesc da Esquina. Com sete apresentações em Libras, sendo três voltadas ao público infantil, a mostra reuniu mais de 1.500 espectadores em 12 sessões, além de promover uma oficina de dança e um sarau de poesia surda. A iniciativa garantiu acessibilidade plena com o uso de guias-intérpretes de Libras tátil, audiodescrição e transmissões ao vivo. Mais do que uma ação de inclusão, a Mostra Surda se afirmou como espaço de criação e protagonismo, colocando a linguagem de sinais como centro estético e dramatúrgico. A proposta teve forte adesão de escolas da Região Metropolitana e repercussão nacional

Para o futuro

Entre os pontos a serem aprimorados, o principal, segundo a equipe organizadora, é o tempo de planejamento. Leandro Knopfholz reforçou que, mais do que um aprendizado, essa é uma demanda antiga: “Se a gente pudesse ter uma antecedência maior de fechamento de patrocínios e mais tempo para desenhar o evento, poderia ter vários ganhos.” A falta de previsibilidade interfere diretamente na programação.

Mesmo diante dos desafios, a produção conseguiu manter uma preparação sólida. “A gente tem uma pré-produção muito forte. Que bom que a gente pode ter tempo para fazer isso, mesmo sem dinheiro. Isso nos antecipa grandes problemas”, explicou Passini. Segundo ela, esse preparo foi decisivo para o bom andamento da edição deste ano.

Outro ponto que exige atenção são as condições dos equipamentos culturais da cidade. Um dos exemplos mais urgentes é o Teatro da Reitoria, espaço tradicional e muito querido pelo público e pela equipe, mas que precisa de reforma. A sala, pela capacidade, localização e características técnicas, segue sendo estratégica — mas depende de uma decisão na esfera federal para que seja revitalizada.

A descentralização da programação também aparece como uma meta importante. A ideia é ampliar a presença do festival para além do eixo central da cidade, alcançando bairros mais afastados. Mas esbarrar em limitações estruturais. “A gente queria poder estar mais em outros lugares”, disse Fabíula. Leandro fala sobre a série de problemas estruturais que dificultam a expansão para bairros mais distantes: “A gente tem uma dificuldade que transcende o nosso controle. [..] Às vezes a gente precisa de acesso para depositar um cenário. De uma liberação do alvará, acessibilidade. E aí, às vezes, é um pouco mais difícil. Mas é uma preocupação importante e importante trazer.”

Há, no entanto, uma expectativa com a volta da parceria com a Prefeitura de Curitiba, que, após anos, volta a ser uma das apoiadoras do evento. “Com esse apoio da prefeitura, a gente vai conseguir chegar em alguns lugares através dos equipamentos municipais. Vai ser uma forma em conjunto com eles. Porque a gente se beneficia da prefeitura não só como patrocínio, mas como apoio mesmo.”, concluiu Bona.

Até a próxima cena

Para quem acompanhou de perto, já começa a bater uma certa saudade. Mas ela vem junto de uma ansiedade boa: a da próxima edição, que já tem previsão de data. “30 de março a 5 de abril. Se for o mesmo… é a última terça de março até o primeiro domingo de abril”, adiantou Leandro Knopfholz, na coletiva de encerramento.

Até lá, fica a lembrança do que passou: os aplausos, os encontros, os corpos em cena e a cidade como palco. E a certeza de que o festival segue — firme, plural e cada vez mais inclusivo.

Legenda: Público na peça A Velocidade da Luz
Foto: Alice Lima
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