qui 26 dez 2024
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Artesãos destacam cultura indígena em Antonina 

A confecção de artefatos e a participação em rituais ajudam a combater o risco de desaparecimento das tradições dos povos originários na cidade

Quando se fala de Antonina, é comum vir à mente as viagens de trem que partem de Morretes, o famoso carnaval e a bala de banana. Mas, o que também consolida a memória da cidade é a história de seus antepassados. Porém, moradores de Antonina relatam o crescente apagamento da cultura indígena na cidade e destacam iniciativas que, ao contrário, buscam retomar e fortalecer esses traços culturais que fazem parte da memória do lugar. Um exemplo disso é o trabalho desenvolvido por artesões locais com atividades manuais, como a confecção de artefatos. A cidade foi uma das primeiras exploradas pela Coroa Portuguesa no sul do Brasil, e trabalha hoje para reverter os efeitos da colonização que transformou a população indígena em vítima. Para reverter esse processo e ao mesmo tempo fomentar o desenvolvimento local, os antoninenses tentam valorizar o papel dos povos originários no nascimento da cidade.  

Presença indígena 

Logo no início do século XVII, a Coroa Real de Portugal chegou na região, que era ponto estratégico de deslocamento por estar localizada nos fundos da Baía de Paranaguá. Os colonizadores se instalaram na Ilha do Corisco, onde se depararam com centenas de indígenas da etnia Carijós, que passaram a sofrer exploração da zona portuária.  

Um registro dos povos primitivos em Antonina é a presença dos sambaquis, formados por conchas, ossos de peixes e outros vestígios que indicam a atuação dos povos originários na cidade. Hoje, os indígenas que habitam no local e circulam nos trajetos dos antigos Carijós são integrantes do povo Mbya Guarani, da tekoa Kuaray Haxa, que se encontra na faixa de divisa do município com Guaraqueçaba.  

Albino de Paula, que é nativo de Antonina e trabalha na área da panificação, conta sobre a presença da cultura indígena nas atividades desenvolvidas no município. “Ela está mais na pesca, é raro hoje em dia ver os artesanatos deles serem vendidos nos arredores da cidade. Já na aldeia, que é mais distante, eles mantêm as práticas raízes mesmo, é bonito de ver”, diz. 

Mas a busca dos indígenas por sobrevivência e manutenção de sua cultura é historicamente adversa no país. Segundo Mapa de Conflitos de Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, da Fiocruz, os povos originários sofrem problemas constantes com o avanço das ações predatórias do homem à natureza, sobretudo de invasão e dano a áreas protegidas.  

Em Antonina, o esforço de incentivo à volta da circulação das produções artesanais nativas é explicado pelo membro do Conselho de Cultura da cidade, Maurício Laufer da Silva, que possui um bazar colaborativo chamado Kombinados.Kom, na estação ferroviária local. “Aqui no bazar há trabalhos de 56 artesãos, tenho como missão abrir o espaço para que o artesanato antoniense volte a funcionar”, afirma. 

Cultura indígena e formação 

Ricardo Zen Melo Ogimo é um dos 56 artesãos que participam do bazar Kombinados.Kom. Ele também é professor de Artes, atendendo estudantes do 6° ano do Ensino Fundamental até o 3° ano do Ensino Médio, bem como dá aulas na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Para ele, a cultura indígena impacta diretamente na formação dos alunos, de modo a ultrapassar o campo artístico.

Artesanato indígena vendido na loja Kombinados.Kom. Foto: Valentina Copack

A conexão do professor com a terra e as tradições locais é um dos pilares do trabalho que desenvolve no ensino. Ao ministrar as aulas para a comunidade, ele integra à educação questões ambientais, destacando a importância da sustentabilidade. Um dos exemplos marcantes que o artesão compartilha de sua prática é o uso da cera de abelha para impermeabilizar as peças de cerâmica, confeccionadas com argilas locais, uma técnica herdada de sua mãe, assim como a habilidade para os artesanatos. Essa abordagem não só resgata e preserva conhecimentos tradicionais indígenas, mas também promove a utilização de materiais naturais. 

As aulas do professor Ricardo Ogimo não se limitam ao desenvolvimento de técnicas e trabalhos manuais, mas também estimulam o pensamento crítico com a conscientização sobre as práticas cotidianas e o impacto dessas ações na cultura indígena presente na região.

Cerâmica feita pelo professor Zen. Foto: Valentina Copack

Artesanato e tradição 

 Por ser conhecida como uma das cidades mais antigas do país, Antonina possui, até hoje, a arquitetura clássica que encanta visitantes. Entretanto, à medida que a história dos colonizadores portugueses começou a ser contada, a dos indígenas começou a ser apagada. 

Desde 2021, o artesão Rayberg mora em Antonina. Conhecido por todos na cidade como “Ray”, o alagoano nasceu na aldeia Xucuru Kariri, na cidade de Palmeira dos Índios, e hoje produz seus artesanatos como cocar, arco e flecha e brincos. Artigos que cria para vender no município vizinho, Morretes.  

Mesmo que não tenha nascido no Paraná, Rayberg encontra semelhanças do desaparecimento dos traços indígenas em Antonina com o da sua terra natal. Ele comenta que além dos colonizadores terem afastado os indígenas à força, os próprios moradores da aldeia deixam de lado seus laços culturais, embora façam isso por necessidade. 

 “No meu povo tem muito indígena que está fora da aldeia, tem mais indígena na cidade do que na aldeia. São forçados [a sair], porque não tem emprego. Não tem trabalho certo dentro da aldeia. Antigamente, vivia-se de caça e pesca, mas há 400 anos não existe mais isso, estavam tendo que trabalhar para os fazendeiros para sobreviver. Meu povo quase foi extinto”, relata Rayberg.

Parede da casa de Rayberg. Foto: Loize Antoniacomi

Além da produção de artesanatos, ele também participa, todos os anos, de rituais, chamados Ouricuri, que sua aldeia realiza e que o ajudam a manter a tradição. Segundo Rayberg, essa é a única maneira que a cultura indígena consegue ser preservada. Para ele, é fundamental que o povo da aldeia participe das tradições para que a cultura indígena não se perca. 

Cultura do esquecimento 

Durante a pesquisa em campo para essa reportagem, foi possível notar que o conhecimento sobre os povos indígenas na cidade por parte da população é escasso. Uma pesquisa sobre Antonina na internet revela que nem mesmo o site da Prefeitura da cidade fornece registros sobre a presença dos povos indígenas na região. 

Ficha técnica 

Repórteres: Emily Woucsuk, Loize Antoniacomi e Valentina Copack 

Edição: Gabriel Costa e Gustavo Gomes 

Orientação da produção: José Carlos Fernandes 

Orientação da edição: Cândida de Oliveira

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