No transporte coletivo de Curitiba, vendedores ambulantes informais trabalham na ilegalidade para sobreviver ao desemprego pós-pandemia. Eles são expressão da elevada taxa de informalidade, histórica no Brasil — somente em poucos períodos houve redução significativa do emprego informal, como no começo da década de 2000.
De acordo com dados de dezembro de 2021 e fevereiro de 2022 da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor informal supera o formal por quase 4 milhões de trabalhadores.
O desemprego se estabilizou em 11%, mas o rendimento médio real foi o menor registrado em um trimestre encerrado em fevereiro desde o início da série histórica da pesquisa, em 2012. O rendimento, estimado em R$ 2.511, reduziu em 8,8% se comparado ao mesmo período do ano anterior.
Falta de renda e de direitos
Para vendedor ambulante de 70 anos entrevistado, que terá a identidade preservada, o trabalho informal não foi uma escolha — “Eu fui obrigado, mas a venda não me sustenta bem”. Após mais de duas décadas no comércio de frutas e verduras, fechou seu estabelecimento com a confiança na aposentadoria, que nunca chegou.
Batalhou por cinco anos, mas teve que buscar renda vendendo balas e chicletes nos ônibus de Curitiba, o que é proibido. Depois de dois meses, o lucro não é suficiente. A esposa, aposentada, recebe um salário mínimo e ajuda a pagar as contas. “Gás caro, carro parado, imagina se eu tivesse que pagar aluguel?”, conta.
A professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Coordenadora do Grupo Trabalho e Sociedade, Maria Aparecida Bridi, alerta para a redução de direitos nas reformas aprovadas no Brasil a partir de 2016, bem como o enfraquecimento de sindicatos, o que leva a cada vez mais precarização e desigualdade.
“A reforma trabalhista, do ponto de vista do capital, teve sucesso. Mas, para os trabalhadores, produziu uma devastação”, explica.
De acordo com a professora, a vulnerabilidade é uma consequência a curto prazo que se destaca. “Os riscos do trabalho são assumidos integralmente pelos trabalhadores, a incerteza, a dificuldade de planejamento de suas vidas. Não sabem se terão dinheiro para comer amanhã”.
Crise da pandemia
A pandemia escancarou os efeitos da informalidade para os trabalhadores. Por exemplo, os vendedores ambulantes, sem vínculo formal, assumiram o perigo de adoecer e o custo da proteção, como álcool em gel e máscaras.
Douglas de Lima Cordeiro, 37, dono da Pipoca do Douglas, é licenciado pela prefeitura e trabalha ao lado da Estação Tubo Central, em Curitiba. Está no ramo — herdado do pai — há 27 anos, mas durante a pandemia teve que fazer entregas em plataformas de aplicativo. “Foi duro”.
Já para a professora do Departamento de Economia da UFPR e doutora em Economia Social e do Trabalho, Angela Welters, soma-se ao grande contingente de brasileiros que vivem na informalidade a perda de emprego devido à crise da Covid-19.
“Quando a pandemia chega ao país, ela encontra um cenário econômico e político bem desfavorável. A maioria dos nossos empregos já estava há tempo no setor serviços e em atividades informais, já que grande parte dos brasileiros se encontrava desempregada e buscava formas de sobreviver. Importante dizer também, que mesmo entre os considerados formais, temos uma redução da qualidade dos empregos”, analisa.
Da desocupação à informalidade
Outro vendedor ambulante, imigrante angolano de 30 anos, recorre à informalidade para sobreviver. Ele deixou a família e veio ao Brasil em 2019 para terminar a graduação. Hoje, se prepara para o vestibular.
Até o início da pandemia, o vendedor possuía vínculo formal no escritório de um colégio, mas foi demitido e teve que agarrar o trabalho informal. De cadeira de rodas, há quase dois anos vende bombons nas estações tubo e nos ônibus, mas precisa de doações para conseguir pagar a alimentação e o aluguel.
Segundo Welters, nada indica que o mercado de trabalho vai melhorar de forma relevante se o contexto da política e da economia continuar problemático. “O crescimento de contratações, mesmo que formais, tem sido em condições de grande precariedade”, explica.
Para tentar reverter a situação, a professora esclarece, é necessário alternar o foco das políticas públicas para as pessoas e para a criação de empregos, e não para a garantia de lucro do capital financeiro. Também é preciso revisar a reforma trabalhista de 2017 e outras medidas que desestruturaram o mercado de trabalho.