sex 26 abr 2024
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Em alta do trabalho informal, vendedores ambulantes lutam por renda digna 

IBGE registra 38,3 milhões de trabalhadores informais no início de 2022. Especialistas e comerciantes autônomos revelam quadro de precariedade e de falta de rendimento

No transporte coletivo de Curitiba, vendedores ambulantes informais trabalham na ilegalidade para sobreviver ao desemprego pós-pandemia. Eles são expressão da elevada taxa de informalidade, histórica no Brasil — somente em poucos períodos houve redução significativa do emprego informal, como no começo da década de 2000. 

De acordo com dados de dezembro de 2021 e fevereiro de 2022 da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor informal supera o formal por quase 4 milhões de trabalhadores. 

O desemprego se estabilizou em 11%, mas o rendimento médio real foi o menor registrado em um trimestre encerrado em fevereiro desde o início da série histórica da pesquisa, em 2012. O rendimento, estimado em R$ 2.511, reduziu em 8,8% se comparado ao mesmo período do ano anterior. 

Falta de renda e de direitos 

Para vendedor ambulante de 70 anos entrevistado, que terá a identidade preservada, o trabalho informal não foi uma escolha — “Eu fui obrigado, mas a venda não me sustenta bem”. Após mais de duas décadas no comércio de frutas e verduras, fechou seu estabelecimento com a confiança na aposentadoria, que nunca chegou.  

Batalhou por cinco anos, mas teve que buscar renda vendendo balas e chicletes nos ônibus de Curitiba, o que é proibido. Depois de dois meses, o lucro não é suficiente. A esposa, aposentada, recebe um salário mínimo e ajuda a pagar as contas. “Gás caro, carro parado, imagina se eu tivesse que pagar aluguel?”, conta. 

São inúmeros vendedores ambulantes nos ônibus de Curitiba, mesmo que seja proibido pela Urbanização de Curitiba (URBS). Foto: Murilo Lemos Bernardon

A professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Coordenadora do Grupo Trabalho e Sociedade, Maria Aparecida Bridi, alerta para a redução de direitos nas reformas aprovadas no Brasil a partir de 2016, bem como o enfraquecimento de sindicatos, o que leva a cada vez mais precarização e desigualdade.  

“A reforma trabalhista, do ponto de vista do capital, teve sucesso. Mas, para os trabalhadores, produziu uma devastação”, explica.  

De acordo com a professora, a vulnerabilidade é uma consequência a curto prazo que se destaca. “Os riscos do trabalho são assumidos integralmente pelos trabalhadores, a incerteza, a dificuldade de planejamento de suas vidas. Não sabem se terão dinheiro para comer amanhã”.

Crise da pandemia 

A pandemia escancarou os efeitos da informalidade para os trabalhadores. Por exemplo, os vendedores ambulantes, sem vínculo formal, assumiram o perigo de adoecer e o custo da proteção, como álcool em gel e máscaras. 

Douglas de Lima Cordeiro, 37, dono da Pipoca do Douglas, é licenciado pela prefeitura e trabalha ao lado da Estação Tubo Central, em Curitiba. Está no ramo — herdado do pai — há 27 anos, mas durante a pandemia teve que fazer entregas em plataformas de aplicativo. “Foi duro”. 

Passam pela Estação Tubo Central milhares de pessoas todos os dias. É ali que está a Pipoca do Douglas. Foto: Murilo Lemos Bernardon

Já para a professora do Departamento de Economia da UFPR e doutora em Economia Social e do Trabalho, Angela Welters, soma-se ao grande contingente de brasileiros que vivem na informalidade a perda de emprego devido à crise da Covid-19.  

“Quando a pandemia chega ao país, ela encontra um cenário econômico e político bem desfavorável. A maioria dos nossos empregos já estava há tempo no setor serviços e em atividades informais, já que grande parte dos brasileiros se encontrava desempregada e buscava formas de sobreviver. Importante dizer também, que mesmo entre os considerados formais, temos uma redução da qualidade dos empregos”, analisa. 

Da desocupação à informalidade 

Outro vendedor ambulante, imigrante angolano de 30 anos, recorre à informalidade para sobreviver. Ele deixou a família e veio ao Brasil em 2019 para terminar a graduação. Hoje, se prepara para o vestibular. 

Até o início da pandemia, o vendedor possuía vínculo formal no escritório de um colégio, mas foi demitido e teve que agarrar o trabalho informal. De cadeira de rodas, há quase dois anos vende bombons nas estações tubo e nos ônibus, mas precisa de doações para conseguir pagar a alimentação e o aluguel. 

Segundo Welters, nada indica que o mercado de trabalho vai melhorar de forma relevante se o contexto da política e da economia continuar problemático. “O crescimento de contratações, mesmo que formais, tem sido em condições de grande precariedade”, explica.

Para tentar reverter a situação, a professora esclarece, é necessário alternar o foco das políticas públicas para as pessoas e para a criação de empregos, e não para a garantia de lucro do capital financeiro. Também é preciso revisar a reforma trabalhista de 2017 e outras medidas que desestruturaram o mercado de trabalho.

Murilo Bernardon
Estudante de Jornalismo da UFPR.
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Murilo Bernardon
Estudante de Jornalismo da UFPR.
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