Após ser aprovado pela Câmara dos Deputados no início de abril, o Projeto de Lei que propõe a regularização da terceirização no Brasil segue para avaliação do Senado. Caso a sanção da Casa seja positiva, a medida modificará por completo o cenário trabalhista brasileiro, uma vez que permite a terceirização de qualquer atividade profissional.
Atualmente, somente atividades-meio podem ser terceirizadas. Essas atividades caracterizam-se por não estarem relacionadas com o objetivo final da instituição contratante – como o cargo de limpeza em uma universidade, por exemplo. Se o PL for aprovado, profissionais envolvidos em atividades ligadas aos objetivos da instituição contratante – conhecidas como atividades-fim – também poderão ser terceirizados, ou seja: médicos, professores, engenheiros ou qualquer outro profissional estarão sujeitos a terceirização.
Crescimento do mercado e as condições trabalhistas
Para os defensores da medida, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a iniciativa é excelente, uma vez que regulariza um setor de uma classe trabalhadora que antes não possuía uma legislação específica, permitindo com que as empresas brasileiras sejam mais competitivas e atuantes no mercado global. No entanto, para a pesquisadora e professora de Sociologia do Trabalho da UFPR, Maria Aparecida Bridi, o PL proporcionaria poucas melhorias para os trabalhadores. “Ligada às transformações econômicas e políticas que vem se desenhando no mundo desde a crise econômica dos anos 70, a terceirização é uma maneira das empresas enxugarem a mão de obra e consequentemente seus gastos, já que os trabalhadores terceirizados, apesar de realizarem o mesmo serviço dos trabalhadores diretos, recebem salários menores e possuem menos direitos”, afirma a professora.
Segundo uma pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, o Dieese, servidores terceirizados recebem salários 24% menores que servidores diretos. Ainda segundo Bridi, basta observar outros países com experiência na ampliação da terceirização, como a China e o México, para perceber como o serviço terceirizado está intrinsicamente ligado à amplificação e manutenção de desigualdades salariais, além da degradação das condições de trabalho.
Falta de mobilização afeta terceirizados
Para Lucas Carvalho, graduado em Ciências Sociais pela UFPR e autor do TCC “A terceirização e os terceirizados no setor público: Um estudo de caso”, o principal motivo causador da exploração dos empresariados sobre os servidores terceirizados é a falta de mobilização destes trabalhadores. Para Carvalho, o enfraquecimento das mobilizações trabalhistas é causado por vários fatores, sendo o principal deles a rotatividade. Na UFPR, por exemplo, a rotatividade anual é de 48%, ou seja, quase metade dos terceirizados saem do emprego no primeiro ano.
O fato de os trabalhadores terceirizados estarem espalhados em vários locais de trabalho também contribui para o enfraquecimento sindical, visto que geralmente as empresas terceiras prestam serviços a várias instituições. “Desta forma, os terceirizados encontram cotidianamente apenas alguns dos colegas/funcionários da empresa contratante, dificultando qualquer mobilização”, analisa Carvalho.

(crédito: Ana Letícia Branco Sowinski)
Com o PL, concorrência entre terceirizados pode aumentar
Segundo a professora Maria Aparecida Bridi, além da dificuldade de organização pela luta por direitos, os terceirizados são prejudicados também pelo risco do desemprego que a medida representa. “Os terceirizados estão sujeitos à concorrência com outros profissionais por uma mesma vaga de emprego. Quem conquista essa vaga é aquele que se sujeita a trabalhar mais, recebendo menos”, afirma a professora.
Estudos do CUT comprovaram que trabalhadores terceirizados chegam a trabalhar três horas a mais que servidores estatuários, sem receber qualquer bônus e nenhuma perspectiva de crescimento na carreira. Para Lucas Carvalho, o PL não vai regularizar a situação da terceirização no Brasil, muito menos combater as desigualdades salariais, mas simplesmente aumentar seu campo de aplicação. O número de terceirizados passaria de 12 milhões de indivíduos para um número muito maior em pouco tempo. “Na prática teremos um mercado de trabalho com menos empregos em números absolutos, com maior flexibilidade e com trabalhadores menos remunerados e com menos direitos”, conclui Carvalho.
Terceirização na UFPR
Na UFPR, todos os serviços de limpeza, segurança, alimentação e transporte disponíveis são realizados por funcionários contratados de empresas terceiras. Carvalho explica que a terceirização na instituição cresceu entre as décadas de 80 e 90. Desde então, os estudos conduzidos por ele constataram que os estatuários chegam a receber salários quase quatro vezes maiores que dos terceirizados. Segundo ele, a maior insatisfação dos trabalhadores terceirizados entrevistados em sua pesquisa é a privação de direitos, principalmente em relação ao futuro, pois não há progressão salarial.
A maioria dos servidores acredita que a terceirização não deveria existir por saber que ela precariza as condições de trabalho para os trabalhadores. “Eles convivem cotidianamente com os funcionários estatutários, isto lhes permite perceber o contraste entre as condições de trabalho, por isso se sentem privados”, afirma Carvalho. Quando o estudante lhes perguntou se se identificavam mais com a UFPR como sua contratante ou com a empresa terceira, mais de 60% afirmaram que tinham mais identidade com a UFPR.
Progresso em relação ao emprego informal
No entanto, ao longo de seus estudos, o graduado em Ciências Sociais encontrou servidores satisfeitos com as suas condições de trabalho. O principal motivo para essa satisfação é que muitos deles vieram do mercado de trabalho informal. Em comparação com um emprego informal, o emprego terceirizado é um progresso em alguns sentidos, principalmente no que diz respeito aos direitos garantidos – 13º salário, férias, FGTS e vale-transporte, por exemplo. “Por mais que em termos salariais a terceirização não valha a pena, os direitos da CLT garantem uma melhoria de vida para eles”, conclui Carvalho.