Em 2014, se lhe dissessem que o próximo lançamento da Marvel seria uma aventura espacial com um guaxinim e uma árvore falante você, provavelmente, acharia que esta pessoa estava sendo ridícula. Personagens da série C da editora, desconhecidos até para os mais árduos fãs de quadrinhos e comandados por um diretor pouco conhecido até então. Fato era que ninguém, nem mesmo o próprio estúdio, colocava fé no longa-metragem. E provando o contrário para todos, Guardiões da Galáxia foi umas das maiores surpresas do ano, trazendo uma história cheia de comédia, estilo e emoção, jogando esse grupo de personagens desajustados e o diretor James Gunn ao estrelato. Agora, nove anos depois, Gunn retorna para uma contar a aventura final e emocionante dos Guardiões neste fechamento de trilogia.
Após estabelecer sua base de operações em Luganenhum, Peter Quill/Senhor das Estrelas (Chris Pratt) ainda tenta se recuperar após a perda de Gamora (Zoe Saldaña) que voltou dos mortos sem quaisquer lembranças do tempo que passou com os Guardiões ou do relacionamento que ambos tiveram. Porém, quando um fantasma do passado de Rocky Racum (Bradley Cooper) retorna para assombrá-lo, os Guardiões da Galáxia devem embarcar em uma jornada para salvar seu amigo, numa missão que pode acabar com o grupo como conhecemos.
Diferente dos demais filmes da franquia, quem assume papel central em Volume 3 é o personagem Rocky, o engenhoso e sarcástico guaxinim. Pinceladas de seu passado são insinuadas nos dois primeiros filmes, com o terceiro mergulhando fundo em sua origem, mostrando em cenas fortes os cruéis experimentos e torturas pelas quais o personagem fora submetido desde filhote e como esse trauma molda quem ele é. A história de Rocky é o foco e o centro emocional do terceiro filme, apresentando um tom mais sério e pesado, quando comparado aos antecessores, em sequências que podem, e vão, levar diversos espectadores a se emocionarem com o trágico e doloroso passado do personagem como cobaia de testes.
Quem contribui para elevar essa carga dramática do filme é o vilão Alto Evolucionário, interpretado por Chukwudi Iwuji. O ator que já trabalhou com James Gunn na série Pacificador (2022-) assume o papel de um sádico geneticista com complexo de Deus, sem qualquer apreço pela vida alheia, disposto a realizar os mais cruéis e macabros experimentos científicos em prol de alcançar seu objetivo: criar uma sociedade perfeita.
Apesar do tom sério, Guardiões da Galáxia Vol.3 não esquece de seu humor característico. O filme é recheado de piadas bem pontuadas que fazem a sala de cinema inteira rir, em especial as tiradas cômicas entre Drax (Dave Bautista) e Mantis (Pom Klementieff). Estes personagens têm uma dinâmica muito divertida desde Vol.2 e o Especial de Natal, sendo que em Vol.3 as interações entre eles são ainda mais engraçadas. Este é um dos pontos mais fortes de James Gunn como roteirista, sua habilidade de equilibrar tantos tons diferentes sem perder coesão narrativa, passando do humor irreverente para dramas humanos, de forma natural e não forçada.
Outra marca registrada de Gunn é o excelente uso de músicas licenciadas em suas produções, tanto na Marvel, quanto na DC. Apesar de achar esta a trilha mais fraca dentre os três longas dos Guardiões, todas as faixas são muito bem selecionadas e implementadas, complementando a construção e temática das cenas, com clássicos dos anos 70, 80, 90 e 2000.
E por falar em cenas, a fotografia do filme também é outro ponto positivo. O diretor consegue trazer toda a escala de grandiosidade que um filme de ficção científica espacial precisa, além de ótimas cenas de ação muito bem coreografadas e filmadas, em especial uma gravada em plano sequência dos Guardiões lutando juntos contra uma horda de inimigos. Sejam nas lutas, sejam nos coloridos mundos alienígenas que visitam, o filme é um espetáculo visual, algo que os filmes mais recentes do estúdio têm pecado e em muito. Felizmente, este não é o caso em Volume 3.
Creio que o ponto mais baixo do filme todo é o personagem de Adam Warlock, vivido pelo ator Will Poulter. Sua participação já havia sido insinuada nas cenas pós-crédito de Guardiões da Galáxia Vol.2, mas seu papel em Vol. 3 é de um mero capanga fortão e bobão. Existem algumas cenas engraçadas com Warlock abordando o fato de que, embora seja um ser geneticamente perfeito, sua mente ainda é a de uma criança descobrindo o mundo e como as coisas funcionam. Mas tirando isso, a interpretação de Poulter é bem rasa e o personagem se torna esquecível.
Outra coisa que deixa a desejar é a montagem do filme. Em diversas partes, as transições de uma cena para outra, da história principal para os flashbacks de Rocky, contêm cortes bem abruptos e que acabam quebrando um pouco o ritmo. Algumas pessoas podem acabar se incomodando com a duração de duas horas e meia do filme. Apesar de longo, o diretor sabe utilizar muito bem a duração para a construção de momentos dramáticos e engraçados, com as cenas não se arrastando desnecessariamente.
Após tropeços recentes como Thor: Amor e Trovão, e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, Guardiões da Galáxia Vol.3 nos faz lembrar por que os filmes e personagens da Marvel são tão populares. Super-heróis são figuras que, no fundo, são metáforas e representações para dificuldades e problemas humanos, e como eles nos inspiram a superar nossas falhas e nos tornarmos pessoas melhores. Guardiões da Galáxia é uma história que traz em seu cerne temas de perda, aceitação, amadurecimento e família. E em seu capítulo final na Marvel, James Gunn conclui de forma satisfatória e emocionante a trilogia e o arco narrativo que iniciou com esses personagens lá em 2014.