Durante o último mês, conheci muitas mulheres de todas as idades e personalidades que nos ajudaram a aprender mais sobre a vida do outro lado do mundo. Estando aqui para conhecer a cultura e sendo mulher, não pude deixar de reparar na maneira que elas guiam suas vidas no Japão.
Sempre ouvi dizer que as japonesas ficam em segundo plano em relação aos homens. Procurei observar isso e sim, como em grande parte do mundo, a igualdade entre homens e mulheres está aumentando, mas ainda não acontece sempre.
Conheci japonesas que encaravam a função dona de casa como profissão, ao ponto de comer até mesmo separadamente, em outra mesa depois que todo mundo já tivesse terminado a refeição e os pratos já estivessem lavados e guardados. Conheci outras mulheres, como a presidente do Instituto Kake e as duas pessoas responsáveis pelas nossas atividades em Okayama, que se dedicam completamente a carreira.
É esperado das mulheres que elas escolham se querem uma vida de esposa ou de profissional no mercado de trabalho. As que escolhem a segunda opção dificilmente vão se casar ou ter filhos, seja por escolha própria seja porque a responsabilidade pela casa e pela família ainda cai sobre os ombros da esposa e requer dedicação integral, ela é a chefe do lar.
Kunihiko Yamada, Host Father do meu último Homestay, disse-me que as mulheres no Japão não têm poder e nem força. Quando elas se tornam esposas, porém, são fortes e mandam no homem. O poder feminino está na culinária, no cuidado com a limpeza e manutenção da casa e no carinho com a família.
O senhor Yamada ainda acrescenta: “se eu vivesse sem minha esposa morreria de fome. Não sei cozinhar. Ela que sabe o que é melhor para mim e para a casa, é minha chefe”.
Todo o mês, ele entrega seu salário de aposentado nas mãos da esposa. É ela que administra todas as contas da casa, que manda ele ou o filho ao mercado e que autoriza (ou nega) qualquer compra que saia do orçamento, até mesmo uma xícara de café.
Kawaii: o padrão de beleza japonês
A palavra kawaii quer dizer fofo, bonito em um sentido quase infantil. Um vestido de renda, um ursinho de pelúcia ou uma personagem de animê com olhos bem grandes, tudo isso é kawaii.
A mulher bonita é aquela delicada, que está sempre bem arrumada. As bandas de J-Pop (o pop japonês) mais queridas pela população são compostas por cinco meninas adolescentes e de roupa colegial. Até mesmo os garotos das milhares de boy bands do Japão tem a aparência mais delicada e inocente.
Comentei com a Hiromi, minha Host Sister do primeiro Home Stay do programa, que achava engraçado como os japoneses tinham obsessão por coisas e pessoas fofas. Ela me respondeu que, ao contrário do ocidente, a garota bonita daqui não é cheia de curvas e com roupas curtas. “Os meninos preferem que a menina seja kawaii”, me disse Hiromi.
O padrão de beleza kawaii é fácil de reparar, especialmente em uma grande cidade como Tóquio. Na região da rua Harajuku, por exemplo, você esbarra o tempo todo em meninos e meninas com os vestidos modelo Lolita e acessórios florais, fazendo com que o lugar pareça ter saído de um mangá ou animê.
As fotos Purikura, que comentei no segundo texto dessa série, são febre entre os adolescentes e jovens adultos. As cabines que alteram a foto automaticamente, deixando os olhos maiores, o rosto mais fino e a pele mais jovem, tiram seis fotos por não mais do que 400 yenes (cerca de 12 reais).
Quanto mais delicada e frágil a japonesa parecer, mais bonita ela é considerada. E é impressionante como elas conseguem manter essa aparência mesmo no calor de 40 graus do verão. Elas parecem intocáveis, com suas yukatas, vestidos Lolita ou roupas de trabalho, saltos altos e até tênis com plataformas de quase 15 cm.
Roupas que são quentes e muitas vezes desconfortáveis. Mesmo assim, as japonesas agem como princesas caminhando de chinelos e camisolas em seu palácio real, ignorando o sol, o calor e o suor dos turistas ao redor.
Para nós ocidentais, pode parecer que esse padrão de beleza é forçado e muitas vezes excêntrico, mas não é assim que acontece no Japão. As mulheres não são obrigadas a usar roupas desconfortáveis, elas se vestem da maneira como querem e nesse ponto, os jovens japoneses são bem mais tolerantes do que os brasileiros. Em Harajuku, apenas os turistas encaram os crossdressers com suas roupas Lolita ou cosplay de colegial.
Como disse um dos responsáveis pelo nosso programa, a cultura japonesa acredita que para tudo existe o lugar e a hora certa. Há momentos em que a tradição deve ser respeitada e as roupas e o comportamento devem ser recatados, mas também há os momentos de descontração nos quais roupas coloridas e hábitos ocidentais são aceitados e valorizados.
Conhecimento ocidental e tradição japonesa
Infelizmente, uma mulher ainda não pode assumir o trono imperial do Japão, o país ainda possui um dos maiores índices de estupro do mundo e as mulheres ganham em média 30% a menos do que os homens. São situações culturais e problemas reais para as japonesas que elas estão lutando para resolver.
Porém, o Japão de hoje ainda segue muito a filosofia da Era Meiji (séculos XVII e XIX no ocidente): absorver o melhor da sabedoria ocidental sem deixar para trás os valores japoneses. Esse pensamento culminou no que hoje podemos observar em Tóquio, em Chioshi, em Takahashi e na maioria das cidades grandes que visitamos durante o programa.
Uma cultura baseada na honra e no respeito pelos outros e que ao mesmo tempo abraça as mudanças tecnológicas e culturais que estão em pauta no resto do mundo; como a valorização da mulher, a liberdade de expressão individual e a igualdade de gêneros.