O Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná (MAE/UFPR) concluiu em setembro uma atualização importante na unidade do acervo técnico, localizada no campus Juvevê da UFPR: a troca dos armários do piso superior. A reforma aumenta em 71,9% a capacidade de acondicionamento do andar, agora com volume de 121 m³.
Para Renata Domit, responsável técnica pela conservação e restauração do MAE, a mudança possibilita melhor aproveitamento do acervo: “Com mais espaço, a gente pode acondicionar melhor as peças. Elas estavam de forma que misturavam suportes”.
Destruição de sítio arqueológico
A verba para a reforma, cerca de R$ 563 mil, foi viabilizada através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a empresa Interligação Elétrica Ivaí S.A. (IE Ivaí). A companhia é a concessionária responsável polo empreendimento “Linha de Transmissão 525 kV Guaíra – Sarandi – CD”.
Essa obra de transmissão de energia elétrica, segundo nota do Ministério de Minas e Energia, tem como objetivo o “atendimento ao estado do Mato Grosso do Sul e para a região do município de Guaíra/PR, além de aumentar a confiabilidade do escoamento da usina Itaipu para os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul”.
Porém, apesar do conhecimento da existência do sítio arqueológico sob as torres, a companhia executou a obra de maneira irregular e sem o Licenciamento Ambiental (LA) definitivo. No Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico do empreendimento da IE Ivaí, de agosto de 2019, o sítio arqueológico Curva do Ivaí, destruído, já havia sido relatado no trajeto da construção.
Mesmo sem a liberação de todas as torres e sem apresentar os documentos necessários para seis canteiros da obra, a concessionária seguiu com o empreendimento. Consta no Parecer Técnico do Iphan nº 204/2022 que houve dano comprovado devido a instalações de torres e outras três infrações administrativas. A construção da última torre que causou danos ao sítio aconteceu em março de 2022, quase três anos após o relatório que indicava possível dano ao sítio.
TAC – Termo de ajustamento de conduta
Além de se responsabilizar pela reforma dos armários do MAE, a empresa cumpriu outras duas medidas: a doação de R$ 150 mil em materiais para a sede de Paranaguá do MAE e o recadastramento de 36 sítios arqueológicos no Paraná, trabalho esse estimado em 90 mil reais, que foi autorizado pela Portaria Nº 92, de 7 de novembro de 2024. Ao todo foram R$ 803 mil estimados nessas medidas compensatórias. Apesar de parecer alto, esse valor é insignificante perto do custo da obra que a concessionária concluiu.
O valor atualizado pago pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para a obra que danificou o sítio arqueológico chega a R$ 2 bilhões e 797 milhões, segundo seu site. Só o trecho da obra no qual IE Ivaí solicitou Licenciamento Ambiental para o Iphan, que vai do município de Guaira até Sarandí, no Paraná, foi projetado inicialmente para ter 261,9 km de extensão, 551 torres de transmissão e passar por 19 municípios paranaenses, como consta na Ficha de Caracterização de Atividade apresentada ao Iphan em 2017.
Licenciamento ambiental do Iphan
O Iphan é responsável pelo Licenciamento Ambiental de obras e construções. Segundo Fabiana Martins, arquiteta urbanista e superintendente do Iphan Paraná, “qualquer empreendimento, partir de determinado porte, conforme suas características, precisa fazer um estudo prévio pra verificar se existe algum remanescente arqueológico no local que vai ser implantado”. O papel do Iphan no Licenciamento Ambiental é descrito na Instrução Normativa nº 1 de 25 de março de 2015.
A superintendente ressalva que “a presença de um sítio arqueológico não impede a execução do empreendimento”. A partir do momento em que o material arqueológico é resgatado e encaminhado a uma instituição de guarda e pesquisa autorizada, o empreendimento pode ser executado, ação essa que não foi feita pela IE Ivaí antes da construção das torres de transmissão.
A presença de um sítio arqueológico não impede a execução do empreendimento
Fabiana Martins, superintendente do Iphan Paraná
Em casos de destruição do patrimônio arqueológico, como o da IE Ivaí, Fabiana explica que existem dois caminhos. “Ou a gente tenta uma solução administrativa que seria através do TAC ou, se empreendedor não tiver disposto, isso vai para a esfera judicial, que é bem mais demorado.”
Em casos de destruição do patrimônio arqueológico, como o da IE Ivaí, Fabiana explica que existem dois caminhos: “Ou a gente tenta uma solução administrativa que seria através do TAC ou, se empreendedor não tiver disposto, isso vai para a esfera judicial, que é bem mais demorado.”
Atualmente o Iphan Paraná tem mais de 30 TACs em aberto, segundo a superintendente. A equipe de arqueologia do Iphan, responsável pelo processo de acompanhar, fiscalizar e fazer pareceres sobre as pesquisas de impacto ambiental é pequena e está sobrecarregada. O Paraná é o segundo estado que mais emite licenciamento ambiental e conta hoje apenas com quatro arqueólogos para o estado inteiro, conta Fabiana.
A falta de pessoal não é algo recente. A própria IE Ivaí enviou uma carta para o Ministério de Minas e Energia em 25 de março de 2019 relatando as limitações do Iphan devido à equipe. Na época o órgão contava com três arqueólogos, sendo dois temporários e com o contrato a vencer em menos de um mês. Na carta, a empresa alega que isso poderia acarretar “descumprimentos dos marcos do contrato de concessão” e pede “interações junto ao órgão supervisor do Iphan”.
O preço de um sítio arqueológico
O valor gasto pelas empresas no cumprimento de medidas de termos de Ajustamento de Conduta não é fiscalizado. Isso se deve pois, quando uma empresa firma um TAC, ela têm a obrigação de executar as medidas, que é deferente de restituir o estado com um valor financeiro.
O arqueólogo e vice-diretor do MAE Sady do Carmo Junior explica por que danos como os cometidos pela IE Ivaí não são convertidos diretamente em multas. “Se você fala que um sítio arqueológico destruído custa 200 mil, eles colocam 200 mil no orçamento da obra e não faz o licenciamento arqueológico. Não existe valor estipulado, não é uma multa”.
Se você fala que um sítio arqueológico destruído custa R$ 200 mil, eles colocam R$ 200 mil no orçamento da obra
Sady do Carmo Junior, arqueólogo e vice-diretor do MAE
Porém, isso causa confusão quando as medidas de um TAC não são cumpridas e são pouco objetivas. Por isso, o valor de cada medida é estimado no Termo. Fabiana Martins conta que os TACs são vistos pelo Iphan Paraná como uma medida de educação patrimonial para empresas, não reparação direta do dano causado. “Temos pouquíssimos casos de um empreendedor que firmou mais de um TAC, tirando as de energia, que possuem vários”, revela. “Algumas empresas de grandes empreendimentos já contam com arqueólogos contratados para lidar com essas situações”, afirma Fabiana.
Para conhecer mais sobre o trabalho desenvolvido no MAE UFPR ou agendar uma visita ao seu acervo, acesse o site https://mae.ufpr.br/.
Todos os documentos referentes ao processo de LA da obra da IE Ivaí podem ser encontrados no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) do Iphan.