seg 02 dez 2024
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Nascer mulher pobre no Brasil é sentença de maternidade, explica especialista em direitos reprodutivos

Nova lei que facilita o acesso à laqueadura ainda não é realidade para classe mais baixa

A decisão pelo método contraceptivo definitivo, laqueadura, já havia sido feita pela Flávia C. antes de completar 25 anos – idade mínima assegurada pela legislação da época – que contou sobre a sua vontade ao ginecologista de longa data. Logo após o aniversário, em 2018, ela não conseguiu marcar consulta para retornar ao profissional e dar sequência ao procedimento. “Aquele foi meu primeiro não” relata a técnica de enfermagem, “mas já perdi as contas.”

A tentativa não parou por aí. Flávia, sem filhos, procurou o atendimento gratuito pelo SUS, com um médico conhecido por realizar a cirurgia. Mas, apesar de se enquadrar nos requisitos legais, teve o pedido negado mais uma vez. No mesmo dia, ligou para a clínica particular do médico.

“Depois que fui para casa, Liguei para o consultório particular do médico. o secretário falou que ele fazia [laqueadura] pra mulher sem filhos, mas era pago”

relata a técnica de enfermagem após ter pedido de laqueadura negado no SUS

O procedimento cirúrgico de esterilização feminina definitivo – conhecido como laqueadura – bloqueia as tubas uterinas, que impede os espermatozoides de alcançarem os óvulos. A cirurgia é relativamente simples e dura cerca de 40 minutos. Desde a sua regulamentação, em 1996, com a aprovação da lei de Planejamento Familiar, o acesso a laqueadura guarda uma história de violência de gênero e de classe.

No Brasil, a legislação assegura a todo cidadão o direito de escolher sobre sua reprodução, ofertando informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não filhos. Aprovada no ano passado pelo Senado, a nova lei de esterilização voluntária (14.443/2022) entrou em vigor em março deste ano. Algumas das principais mudanças são: redução da idade mínima de 25 para 21 anos; liberação para pessoas sem filhos (com a idade mínima) e fim exigência de autorização do parceiro.

No entanto, mesmo que a nova lei facilite o acesso, muitas mulheres ainda encontram obstáculos para realizar o procedimento, como a falta de insumos e a indisponibilidade por parte dos médicos no SUS.

Sentença de maternidade

Segundo a pesquisadora e advogada de direitos reprodutivos, Patricia Maxs, a falta de atenção os direitos reprodutivos da mulher no Brasil é sistêmica: “As pesquisas que existem são rasas e desatualizadas e as mulheres seguem sofrendo.”, explica. Ela também aponta que os dados disponibilizados pelo Data Sus são inconclusivos, uma vez que não possuem indicadores que permitam uma análise completa de perfil de mulheres que realizaram o procedimento.

“Ninguém dá atenção aos direitos reprodutivos. Não é um problema de gênero, é de classe. Mulheres com dinheiro fazem o procedimento”

Explica Patricia Maxs, especialista em direitos reprodutivos da mulher

Para ela, nascer uma mulher pobre no Brasil é sentença de maternidade. No SUS, o aval para a cirurgia depende de uma série de exames e documentos. Por outro lado, o procedimento por plano de saúde ou em consultório particular não é uma realidade para a maioria. Em clínica particular, a cirurgia pode variar entre 5.000 a 10.000 reais, dependendo do hospital, médico e método realizado.

“Eu gastei muito, principalmente com transporte. Pra conseguir a liberação, eles pediam tudo que você pode imaginar, até endoscopia eu tive que fazer. Outra coisa que atrasou muito foi a liberação do psicólogo, me pediram um documento de comprovação de capacidade civil plena. Fiz 8 meses de consultas semanais pra conseguir”, conta Flávia C.

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