Adonai Sant’Anna tem um currículo tão extenso que não caberia no espaço desta matéria. Para abreviar, foi Vice-Coordenador do Curso de Matemática e Chefe do Departamento de Matemática da UFPR. É mestre em física também pela Federal e participou de inúmeras comissões de sindicância e disciplinares. Recebeu menção honrosa da Pró-Reitoria de Planejamento da Universidade por sua colaboração na elaboração de modelo para distribuição de vagas docentes na instituição.
Em fevereiro deste ano, o professor publicou em seu blog parte de um artigo sobre os problemas das universidades brasileiras, lançado na revista Scientific American Brasil. Ele comparou as instituições às dos Estados Unidos, país com quem mantém relações estritas, e apresentou argumentos que explicam o porquê da estrutura tão precária da educação no Brasil.
Para ele, o país não valoriza a meritocracia. A partir do momento em que uma boa produção científica não recebe devida atenção, o espaço no meio de estudo diminui. Profissionais ocupam cargos quase vitalícios, sobem os degraus da carreira docente (e nunca regridem) e congelam produções que poderiam alimentar o meio acadêmico. A estabilidade restrita somente a estes profissionais é uma forma de proteger a independência do pensamento original. “E liberdade de pensamento é fundamental para o desenvolvimento não apenas da ciência, mas também da tecnologia e da cultura”, explica.
Para apontar possíveis saídas a uma universidade brasileira de qualidade, o professor citou em seu artigo alguns modelos seguidos nas universidades estadunidenses. No país estrangeiro há, por exemplo, sistemas de honors e associação de ex-alunos, que beneficiam os melhores estudantes e acompanham a vida profissional do egresso. Na entrevista a seguir, Sant’Anna fala sobre esses e outros tópicos do artigo que recebeu tanto apoio quanto ataques.
Jornal Comunicação: O senhor diz que no Brasil se ingressa em curso universitário e não em universidade. Qual a diferença entre os dois modelos, e por que a importância de se ter um modelo de aprendizado baseado na universalidade?
Professor Adonai Sant’Anna: Não são raros artigos de biologia publicados em periódicos especializados de matemática ou de física. Não existem fronteiras claras que permitam diferenciar, por exemplo, matemática de outras áreas do conhecimento, como física, química, ciências humanas ou até mesmo artes. Médicos usam fractais (conceito matemático) para fins de diagnóstico de tumores, geneticistas realizam trabalhos em parceria com linguistas, para compreender os mecanismos biológicos da comunicação, engenheiros empregam ferramentas de lógica matemática para desenvolver a inteligência artificial, etc. Algumas das mais importantes descobertas científicas foram o produto justamente da colaboração entre profissionais de diferentes áreas do saber. Um exemplo bem conhecido é a aplicação de teoria dos jogos em economia, um casamento entre matemática e ciências humanas.
JC: Qual o papel de associação de ex-alunos e que benefícios ela traria se fosse mais aplicada à realidade brasileira?
Adonai Sant’Anna: Associações assim viabilizam às instituições de ensino ferramentas de auto-avaliação parcial. Elas conferem um senso de orgulho e compromisso de ex-alunos com as instituições que os formaram e vice-versa. Tive muitos alunos brilhantes que simplesmente não seguiram carreiras nas áreas em que se formaram na UFPR. Isso é possível indicativo de que a UFPR está falhando com o seu papel de inserir profissionais qualificados no mercado de trabalho.
JC: Além da meritocracia dos professores, o sistema de Honors seria uma espécie de meritocracia aos estudantes? Qual a importância que isso teria se fosse aplicado à universidade brasileira?
Adonai Sant’Anna: Sem dúvida programas de honors constituem uma política meritocrática a estudantes. Frequentemente cursos de graduação são encurralados pelo governo federal. Para evitar a extinção, muitos cursos de graduação são frequentemente obrigados a exigir menos de seus alunos. Programas de honors permitem a concepção de uma estratégia que pode preservar a boa reputação até mesmo dos cursos que eventualmente formam alunos menos preparados para o mercado de trabalho.
Além disso, um aluno que conclui sua graduação com honors, conta, na prática, com uma carta de recomendação institucional permanente que afirma: “este ex-aluno se destacou entre os demais.”
JC: De forma geral, o que o Brasil tem a aprender com os procedimentos das universidades estrangeiras? Quais ideias poderiam ser inseridas à nossa realidade e de que forma?
Adonai Sant’Anna: Não acredito que uma única pessoa consiga responder a esta questão. Esta é uma discussão que deve envolver professores, alunos, técnicos-administrativos, empresários, governos e até mesmo autoridades do exterior. Três recomendações que considero vitais são as seguintes:
1) Autonomia real nas universidades públicas. Ou seja, as universidades públicas devem ter o poder de contratar, demitir e negociar salários. Deve existir até mesmo autonomia para a criação e extinção de cargos.
2) Sintonia com a produção científica, tecnológica e cultural dos grandes centros de pesquisa espalhados pelo mundo. Isso inclui a necessidade de aulas ministradas em inglês, até mesmo em cursos de graduação.
3) Um sistema judiciário forte e ágil que permita coibir os abusos inevitáveis.
JC: Seu artigo teve muitas repercussões no meio acadêmico, geralmente positiva por parte dos alunos e negativas para os professores. Por que o senhor acha que seu artigo criou tanto interesse?
Adonai Sant’Anna: De fato, já observei que professores, salvo raras exceções, não gostaram do artigo. Já alunos, com raras exceções, gostaram. Alunos não contam com estabilidade em seus cursos. No entanto, professores, independentemente da qualidade de seus trabalhos, sempre podem contar com a tal da estabilidade nas instituições públicas de ensino superior.
Há muito tempo venho observando que professores não gostam de ser avaliados, apesar de diariamente avaliarem seus alunos. Não vejo como isso possa ser considerado justo. No entanto, não acho que o artigo tenha despertado tanto interesse, como você sugere.
A grande estratégia usada pelas universidades públicas brasileiras é simplesmente ignorar as discussões genuinamente sérias sobre educação, ciência e tecnologia. Em nenhum momento fui convidado para qualquer debate sobre os temas abordados no artigo. Minha impressão pessoal é que este artigo será apenas mais um alerta que em breve será esquecido. Não consigo perceber qualquer mobilização séria para alavancar a academia brasileira. Greves continuam sendo silenciadas por meros aumentos salariais.