Não é necessário um histórico do culto ao belo – entre gregos e troianos, sempre soubemos o que é socialmente aceito como beleza. Ainda que questionada por algumas vertentes, desde movimentos hippies, punks e góticos até a arte em geral, a tendência social é excluir, marginalizar ou simplesmente omitir a feiura. Afinal, em um mundo onde misses pesam 40kg para serem aceitas, onde o bullying é escancarado e as fobias estão à solta, não deve existir alguém que deseje ser feio. Certo?
Errado. Não só existe, quanto o padrão está equivocado: quem decide o que é belo ou feio? O feio não pode, dentro ou fora de seu grupo, se considerar bonito? Ser visto como bonito? Quem ama o feio, bonito não lhe parece, conforme o ditado? Se ditados populares são reais, sim, a beleza, a estética e o padrão estão nos olhos de quem vê.
Quando esses olhares imputem determinado modelo de beleza, desconsideram o óbvio. Pessoas são reais, humanas, de pele e osso, carne, órgão, músculo, gordura, celulite, acne, cutícula e suor. Pessoas têm narizes e olhos desproporcionais, têm lábios pequenos ou grandes demais, são magras demais, gordas demais, possuem cabelos oleosos, testas inadequadas e clavículas mais ou menos saltadas. Ou não, pessoas podem ter o tipo ideal de beleza, e nem assim serem consideradas boas o suficiente. Pois o padrão social imposto é caricato, impessoal e banhado de Photoshop. E está aí para prejudicar individualidades.
Sem mencionar ainda o uso da palavra “ideal”. A visão do que é ideal também é pessoal. Nos enquadramos na questão relativista da beleza, portanto. Tal relativismo é visto com o passar dos anos, conforme a preferência social muda, calcando os gostos individuais da maioria, e também de acordo com países, idades, culturas e informações pesquisadas.
A velha máxima do padrão de beleza, porém, está se esvaindo. Já partindo do ponto em que a beleza é uma construção social e moldada em aspectos culturais, temos algumas pessoas que lutam para desconstruir conceitos de beleza e feiura, e que impõem quem são apesar de quaisquer possibilidades de serem mal vistas.
Assim, há quem diga que hoje se estabelece a “cultura do feio” – que o feio está na moda, que é bonito ser feio – e a criticam. Aquilo que outrora era visto como inadequado, é louvado por alguns grupos da sociedade, incomodando o senso comum. E aí os exemplos são diversos. Após anos sofrendo a pressão da “cultura do belo”, seria de se admirar se não existissem embates contra quem quer, sozinho, determinar o que é ou não adequado a si mesmo. Desvalorizar o “culto ao feio” não é incomum, mas também não é inesperado.
Pois respondemos: ainda bem! Ainda bem que existem pessoas que lutam pelos seus gostos pessoais, escolhem suas roupas, seus cabelos, sapatos e modelos. Que fogem da imposição social para criar seu próprio estilo, conforme o que lhe cai bem. Mas, principalmente, ainda bem que a crítica existe. Se há uma resposta contra o “culto à feiura”, é porque as questões estéticas já estão em cheque.
Ainda bem que agora podemos ser bonitos ou feios, feios ou bonitos – conceitos frágeis demais para serem objetivos – mesmo que sob duras penas.
É difícil. Há um longo caminho a ser percorrido. Mas se a “cultura do feio” já existe, significa que o caminho está aberto e mudanças estão por vir. O etnocentrismo imposto em cima de preferências sociais ou culturais, o que é mais grave de se administrar, pode impedir que o indivíduo se estabeleça por si só. Mas sempre existirão muros e sempre existirão pessoas dispostas a quebrá-los. Ainda bem que estão sendo quebrados.