Talvez uma das únicas certezas da vida é a de que os cabelos brancos virão. Cada um de nós, hoje em plena atividade social e profissional, se tornará um idoso. Aquele, com quem torcemos para não cruzar quando estamos sentados no banco preferencial do ônibus, o que não temos paciência para escutar, que abandonamos em asilos e não temos tempo para visitar. Quem sabe seremos iguais àquele outro, obrigado a procurar um emprego, depois de uma vida de trabalho, para complementar a renda insuficiente da aposentadoria.
Nós, os idosos de amanhã, seremos muito mais numerosos no Brasil do que são os idosos de hoje. Projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) baseadas no censo de 2010 revelam que, em 2060, 58,4 milhões de brasileiros terão mais de 60 anos. Esse número representará 26,7% da população. Atualmente, 7,4% do total de habitantes do país estão nessa faixa etária.
O Brasil está, portanto, em meio a um processo de envelhecimento populacional. Isso já aconteceu em países da Europa, porém em uma velocidade muito menor. O número de franceses com mais de 65 anos, por exemplo, levou mais de um século para dobrar, e hoje representa 14% da população. Já entre os brasileiros, o número mais do que triplicará até 2060.
Menos chocalhos, mais bengalas
O envelhecimento demográfico é fruto da mudança de dois indicadores: a taxa de natalidade e a expectativa de vida da população. Nas próximas décadas, a tendência é de que as mulheres brasileiras tenham filhos cada vez mais tarde e em menor número. A taxa de fecundidade total, que indica o número de filhos por mulher, já vem caindo ao longo dos anos. Se nos anos 1960 a média era de seis filhos por mulher, este ano já está em 1,77. A estimativa é que em 2060 o indicador seja ainda menor: 1,5 filho por brasileira.
Aliada a menos nascimentos está a vida mais longa da nossa população. A expectativa de vida em 2000 era de 69,83 anos. Pouco mais de uma década depois, ela já alcança 74,84 anos. Para 2060, a previsão é que os brasileiros possam chegar ao octogésimo aniversário. Isso é resultado de uma mudança no perfil epidemiológico da população – menos brasileiros morrerão por doenças infecto-parasitárias, enquanto o número de óbitos por doenças crônicas será maior. Com cada vez mais idosos entre os habitantes do país, a tendência é de aumento da taxa de mortalidade até 2060, quando o índice deve atingir 13,04%. Atualmente, ela está em 6,04%.
“Janela de oportunidades”
Menos nascimentos e vida mais longa criam uma nova realidade demográfica. A população deve atingir seu ápice em 2042 – 228,4 milhões de pessoas. A partir daí, terá início um declínio do número brasileiros: para 2060, a estimativa é de 218,2 milhões de habitantes.
Com este processo em andamento, o país vive, atualmente, o que os especialistas denominam “bônus demográfico” ou “janela de oportunidades”. Isso significa que o Brasil está em um período de transição, em que a maioria da população está em idade ativa e apta para a atividade econômica. Há menos crianças e idosos, considerados dependentes no ciclo de vida por não terem condições para trabalhar. Além da diminuição no número de filhos, as mulheres se tornarão mães cada vez mais tarde – quase aos 30 anos de idade – e, com isso, representarão mais mão de obra no mercado de trabalho.
A conjuntura é, portanto, uma oportunidade para um significativo avanço na área econômica e nos serviços públicos. O Banco Mundial, em estudo a respeito do envelhecimento populacional no país, destacou que o “bônus demográfico” pode significar melhora no investimento em educação. No documento, publicado em 2011, o Banco coloca que, até 2050, a população em idade escolar diminuirá para 29% da população. Assim, seria possível aumentar o investimento por aluno para os níveis da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual fazem parte Alemanha, Dinamarca, Japão, Chile e mais 30 países.
Menos crianças nas escolas, assim, podem se traduzir em mais qualidade do ensino público e, consequentemente, um país mais desenvolvido no futuro. O momento histórico que vivemos pode ser palco de medidas decisivas, que envolvem, também, outros serviços públicos.
Saúde no limite
Se por um lado a educação terá uma demanda menor, o que abrirá a possibilidade de maior qualidade, o sistema de saúde, por outro, estará cada vez mais pressionado.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta que os gastos com saúde são seis vezes maiores para pessoas com mais de 60 anos se comparados aos recursos despendidos com pessoas entre 35 e 40 anos. A explicação estaria na frequência de uso do sistema, com consultas médicas, exames e remédios, e não no valor dos procedimentos em si.
O alarmante é que, mesmo em uma conjuntura com muito mais jovens, como a que vivemos agora, o sistema público de saúde brasileiro se mostra insuficiente. Fica claro que um maior investimento em saúde é crucial, especialmente em infraestrutura. Médicos – brasileiros ou estrangeiros – precisam do mínimo para trabalhar de forma eficaz, como leitos, remédios e equipamentos. Além disso, o investimento na formação destes profissionais em instituições de ensino de qualidade se mostra outra necessidade.
Ações governamentais visando o envelhecimento saudável, além disso, podem ser de grande valia. Campanhas incentivando bons hábitos de vida e o acompanhamento médico periódico podem aumentar as chances de um envelhecimento tranquilo. Outra questão fundamental são as condições de vida por todo o país. Serviços básicos como tratamento da água e acesso a alimentos produzidos de forma sustentável devem ser oferecidos.
Os custos da Previdência
Outro setor que merece atenção redobrada é a Previdência Social. Nos governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula, a reforma do setor foi tratada a conta gotas, por dificuldades políticas e pela impopularidade da questão. Avanços já foram conquistados. No governo Lula, em 2003, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 40 (PEC 40), que diminui os futuros gastos com aposentadorias de servidores públicos. Antes disso, em 1999, ainda na gestão de FHC, foi instituído o fator previdenciário, uma fórmula que leva em conta a idade do trabalhador e o tempo de contribuição para o cálculo do benefício.
Apesar dessas mudanças, o custo da Previdência continua alto – e, em breve, pode se tornar insustentável. De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), se nada for feito, os custos da previdência podem chegar a 46,1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2030. Em 2010, o montante representou 18,1% de tudo o que foi produzido no país.
A reforma do sistema, sendo assim, é essencial e, quanto mais for postergada, mais custará aos cofres públicos. Países da América Latina, como Uruguai, Argentina, Chile e El Salvador já realizaram reformas previdenciárias nas décadas de 1990 e 2000. O Brasil pode se basear nestas experiências, observando seus acertos e falhas, para construir, democraticamente, uma solução para o problema. Barganhas políticas e eleitorais não podem adiar a discussão de uma reestruturação do sistema, cuja mudança será tão dolorosa quanto maior for sua demora.
Tudo o que é velho não serve mais
Não só o celular obsoleto ou a roupa fora de moda são considerados descartáveis na sociedade brasileira. Pessoas também. A partir dos 50 anos, o mercado de trabalho considera gente com experiência de uma vida inteira inapta às atividades corporativas. O envelhecimento é associado a doenças e à incapacidade. Procedimentos estéticos são procurados buscando encobrir os efeitos do tempo e tornar-nos “sempre jovens”. Leis são criadas para dar preferência aos idosos em locais públicos pois, sem elas, não nos preocuparíamos com eles. Além das mudanças estruturais, portanto, o envelhecimento populacional forçará novas perspectivas culturais sobre os mais velhos. Cuidado: nós, que consideramos nossos avós invisíveis hoje, seremos os ignorados amanhã.