qui 21 nov 2024
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PiauíFest traz opiniões contraditórias sobre fake news e mídia russa

Combate à desinformação sistematizada foi assunto da edição deste ano do Festival Piauí de Jornalismo

A finlandesa Jessikka Aro, do jornal Yle, iniciou o Festival Piauí de Jornalismo no último sábado (03), na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, relatando sua experiência na cobertura dos trolls russos. A escritora do livro Putin’s trolls, que relaciona relatos de pessoas perseguidas por fábricas de desinformação russas, demonstrou preocupação sobre como os trolls influenciam movimentações em todo o globo, a exemplo da eleição de Donald Trump.

O painel foi mediado pelas jornalistas da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello — que tem bagagem semelhante de perseguição política aqui no Brasil — e Flávia Lima. Aro recebeu perguntas do público sobre qual seria a solução para as fake news: educação política, educação midiática ou ainda regulamentação das redes sociais. A finlandesa disse que é wishful thinking — uma expressão que não tem tradução direta para o português, mas que significa algo entre uma forma positiva, mas também ilusória de pensamento — crer que as fake news não prosperam em uma sociedade mais educada, a exemplo de seu país de origem, referência mundial em educação.

“As fake news mexem primeiro com o emocional. Quando você vê algo nas redes sociais primeiro você reage, emocionalmente, antes de acessar qualquer intelecto que você possa ter. Elas são sentidas, e não pensadas, e por isso fazem tanto sucesso, infelizmente”

Jessikka Aro, jornalista e escritora

O único palestrante brasileiro do primeiro dia de evento, o biólogo e youtuber Átila Iamarino, também negou uma relação entre currículo e propagação de fake news. Pivô de discussões sobre uso de máscaras e medidas de distanciamento social no contexto pandêmico, o acadêmico disse que viu absurdos serem reproduzidos por pessoas com currículos muito acima do dele.

“Todo um setor de médicos e empresários propagou fake news sobre a pandemia. É uma desinformação institucionalizada que serve a um fim, naquele momento a abertura do comércio”, disse Iamarino. Questionado sobre qual foi a fake news mais perigosa da pandemia, disse: “O tratamento precoce. Foi como se um avião tivesse caindo, e alguém oferecesse uma mochila aos passageiros, jurando que havia um paraquedas. As pessoas pularam, colocaram fé naquele tratamento e, infelizmente, se expuseram. Muitas morreram”.

Uma pergunta recorrente nos painéis foi a ética acerca do uso ou não de ferramentas das fake news para movimentos de esquerda, como um “contra-ataque”. “Absolutely not. No”, disse com convicção a jornalista finlandesa, apesar de que a pergunta pode ter se perdido na tradução e soado como produção de notícias falsas por um grupo opositor.

José Luis Pardo, jornalista espanhol que palestrou no lugar da esposa e parceira de trabalho, a jornalista Alejandra Inzunza – que testou positivo para covid-19 – discordou do posicionamento de Ako: “Eu acho que estamos perdendo tempo de aprender por que as fake news dão tão certo e usar isso também”.

Anna Babinets recebeu, em 2019, o prêmio Courage In Journalism do International Women’s Media Foundation’s. O mesmo prêmio foi oferecido a Jessika Aro, que foi “desconvidada” após criticar Trump nas redes sociais. Foto: Getty Images.

Guerra na Ucrânia

Por outro lado, a editora-chefe do jornal Slidstvo, Anna Babinets, surpreendeu ao negar presença de trolls russos na Ucrânia e afirmar que nunca foi perseguida ou ameaçada por organizações russas. Babinets cobre a guerra desde o começo do ano, deixou o país por dois meses com a filha de sete anos, e retornou para a capital Kiev, sede do jornal em que trabalha.

Respondendo a intermináveis perguntas sobre a guerra, Babinets respondeu, com certo receio, que não planeja deixar o país novamente, que há certo nível de “vida normal” na Ucrânia, e que as ferramentas para cobertura de guerra não são tão diferentes quanto a cobertura investigativa de corrupção, foco da atuação da jornalista antes das invasões.

Ela falou sobre a recepção e colaboração com a mídia internacional, elogiou esforços de jornais ocidentais, como o New York Times, e, ao ser perguntada sobre a bomba lançada pela Ucrânia na Polônia — ataque atribuído em um primeiro momento à Rússia — a ucraniana respondeu “demos a notícia sim, mas não foi um grande assunto. Todos concordavam com o ataque”.

Sexismo

Aro e Babinets falaram sobre a condição de gênero e o machismo, concordando que, quando atacadas de alguma forma, tais ataques eram piores por serem mulheres. Aro, que sofreu com notícias falsas sobre sua vida pessoal. Já Babinets comentou sobre os estupros sofridos por ucranianas pelas tropas russas, de difícil rastreio e penalização.

Regulamentação das redes sociais

Assunto recorrente em um evento que se propôs a discutir fake news, houve um consenso quanto à necessidade de uma intervenção governamental para a resolução do problema. “Nós estamos acostumados a atribuir a responsabilidade das fake news aos indivíduos que acreditam e compartilham. Mas quando há toda uma máquina de produção desses conteúdos direcionadas aos indivíduos, cabe ao Estado nos proteger desses ataques”, disse Jessika Aro a respeito dos trolls russos.

Em um outro momento, a jornalista agradeceu à segurança do país por tê-la protegido e permitido que continuasse seus trabalhos investigativos. Um dos perseguidores de Aro foi condenado a 22 meses de prisão na Finlândia.

Ela contou brevemente sobre os esforços da União Europeia para a regulamentaçãoda mídia e disse que empresas como a Meta não querem conversa. Reforçou também que a regularização deve ser feita com cuidado para não passar a atender outros interesses de Estado.

Twitter

Outro assunto recorrente foi a morte pré-anunciada do Twitter. Jessika Aro (Finlândia), Atila Iamarino (Brasil) e José Luis Pardo (Espanha) declaram que o microblog está morto, pelo menos para fins jornalísticos, após as mudanças nas diretrizes de combate a informações falsas e selos de verificação pagos. Ligações do bilionário Elon Musk com a extrema direita e com Vladimir Putin foram citadas como motivo de preocupação.

Organização

A PiauíFest iniciou como uma gafe: a ecobag oferecida pelo YouTube, patrocinador do evento, possuía um caderninho, mas nenhuma caneta. Um pequeno “esquecimento” que gerou desconforto, com participantes procurando canetas à venda nos quiosques, sem sucesso, e dificuldade em escrever perguntas para os convidados.

Por outro lado, o espaço do evento, na Cinemateca, em São Paulo, foi um acerto. Ambiente confortável, propício para conversas, e, na medida do possível, com poucas filas e bons fluxos em alimentação, acesso às salas e aos banheiros. Cada participante recebeu dois bilhetes por dia, que podiam ser trocados por água e café.

Os ingressos geraram confusão e críticas. Com mais de seis tipos de ingressos diferentes, muitas pessoas se perderam e adquiriram ingressos sem saber que só teriam acesso a um dos dias de evento (sábado e domingo), ou ainda que assistiriam à programação por um telão, e não nas salas (modalidade mais barata de ingresso). A confusão continuou quando os participantes descobriram que o workshop gratuito, que abria a programação do dia, requeria uma inscrição à parte. Os ingressos custaram de R$ 150 a R$ 900.

* Todas as traduções foram feitas pela repórter, em razão dos painéis serem em inglês e espanhol.

Kássia Calonassi
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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Kássia Calonassi
Estudante do curso de Jornalismo da UFPR.
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