De acordo com o Censo Animal, realizado pela prefeitura de Curitiba em 2022, a capital tem mais de 500 mil cães. Desse número, 17 mil estão em situação de rua. Enquanto isso, os gatos são 180 mil, e 37% deles têm acesso às ruas sem supervisão. Frente à crise climática, que não afeta apenas a vida e saúde das pessoas, animais em situação de abandono são uma das populações vulneráveis que precisam enfrentar a realidade hostil dos eventos climáticos extremos.
A nível nacional, dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), registravam, em 2019, 54 e 24 milhões de cachorros e gatos no país, respectivamente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), desse número, mais de 30 milhões se encontravam em situação de abandono no país.
O abandono desses animais pode não só gerar transtornos em centros urbanos, como ataques a pedestres, mas também a propagação de doenças infecciosas que podem ser transmitidas para seres humanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH), 60% das doenças infecciosas humanas são zoonoses e 75% dos agentes das doenças são de origem animal.
Os efeitos das mudanças climáticas na vida dos animais
Segundo o Ministério da Saúde, as mudanças climáticas se caracterizam como transformações no padrão da temperatura e do clima a longo prazo. Essas alterações podem agravar as ondas de calor extremo, ocasionar inundações, secas e, consequentemente, contribuir com a degradação ambiental e perda da biodiversidade.
Animais sem tutela estão mais suscetíveis aos impactos dessas alterações, como explica a médica veterinária, Gabrielle Rapetti: “Eles ficam à mercê de tudo, desde coisas mais simples como uma chuva até um frio ou calor extremo”. A falta de abrigo se torna outro agravante das consequências das mudanças climáticas. Rapetti explica que ao serem expostos ao calor extremo os animais podem sofrer de desidratação e outras complicações futuras. Já em dias mais frios, a hipotermia é um fator de risco adicional à saúde desses animais.
“Eles ficam à mercê de tudo, desde coisas mais simples como uma chuva até um frio extremo, um calor extremo também vai afetar eles”.
Gabrielle Rapetti
Gabrielle ressalta também que as zoonoses têm um impacto negativo, sobretudo em climas extremos, como o calor, onde há surtos de doenças fúngicas, como a esporotricose, que podem ser disseminadas na população humana. Para complementar, a médica veterinária salienta medidas que o poder público pode tomar além da castração, como incentivo financeiro a ONGs que resgatam os animais. “Seria interessante também disponibilizar apoio financeiro às protetoras que recolhem os animais. Além de campanhas de conscientização para a população, porque um animal não é um objeto, é uma vida…”

Resgates, abrigos e acolhimento
A Associação Ajude Focinhos surgiu em 2013, por iniciativa dos amigos Maísa e Carlos, a partir da sensibilização de uma realidade comum do dia a dia: o abandono de cães e gatos. Começando com ajudas ocasionais aos animais de rua, o grupo cresceu gradualmente até se tornar uma organização não-governamental (ONG). “Isso acabou crescendo e eles começaram a resgatar vários cães e precisavam de ajuda de outras pessoas para poder cumprir o objetivo, que sempre foi achar lar para os cães que eram acolhidos”, explica a professora e voluntária da ONG, Marina Grabaski.
Atualmente, a ONG atua em Curitiba e Região Metropolitana (RMC) e conta com 69 animais hospedados em instalações e outros 13 canis comunitários (que não tem um tutor fixo) mas que auxiliam no cuidado em conjunto com a comunidade. Ao considerar o panorama climático da capital paranaense, de acordo com a voluntária, a ONG já realizou resgates de animais em situações de frio e chuva, e destaca que Curitiba é marcada por essa condição climática.
Os resgates dos animais realizados pela ONG são divididos em dois grupos: o primeiro, de animais domésticos que chegam a ter algumas casas comunitárias ou estão parcialmente assistidos por alguma pessoa, mas não tem alimentação ou hidratação adequada e em períodos intensos de chuva ou calor extremos o resgate se torna necessário; enquanto o segundo, são animais totalmente desassistidos e que estão em situação completa de abandono, como é o caso de Heitor, um cachorro que foi resgatado em uma estrada e exposto a altas temperaturas e a desidratação por conta do calor.

Para avaliação inicial dos animais resgatados, de acordo com Marina, o primeiro passo é entender qual a maior urgência do animal resgatado e quais os atendimentos iniciais são importantes para que ele possa se sentir confortável e seguro. “Quando o resgate acontece, é feita uma avaliação inicial e vemos se o animal precisa de um atendimento veterinário com urgência. Caso for em decorrência de alguma briga ou feridas é preciso ser levado direto ao veterinário”.
Em casos em que o animal está mais estável, a ONG recolhe e oferece os cuidados iniciais como água, comida e um ambiente seguro. Posteriormente, o animal é encaminhado à clínica. Além disso, a voluntária aponta algumas medidas a tomar para casos em que os animais são resgatados em condições de alterações climáticas. “Quando socorremos um cachorro que ficou na chuva, é importante secar ele no primeiro momento. E um caso antigo que marcou a gente, foi de uma cachorra resgatada no Dias das Mães com seus filhotes. Ela estava muito gelada, logo a primeira ação foi esquentar uma bolsa e ir fazendo massagem para que o sangue circule e o animal se aqueça”.
Outro ponto levantado por Marina é voltado às questões socioeconômicas que levaram o animal a estar em uma situação de vulnerabilidade, em que muitas vezes também há famílias em situação de fragilidade. Ela ressalta que é necessário entender todo o contexto do descaso. “Onde tem um cachorro em uma situação de vulnerabilidade, pode também haver uma família em uma situação como essa. E há uma importância em não culpabilizar aquelas pessoas, mas sim entender que a sociedade como um todo falha com elas, e falha com aquele animal”.
“Onde tem um cachorro em uma situação de vulnerabilidade, pode também haver uma família em uma situação como essa“.
Marina Grabaski
Apesar da atuação da Associação Ajude Focinhos, Curitiba ainda não oferece um programa de apoio estruturado para ONGs que atuam na cidade. O que é disponibilizado pela prefeitura para auxílio desses animais durante eventos climáticos extremos, segundo a Secretaria do Meio Ambiente, é uma parceria com da Rede de Proteção Animal com a Fundação Ação Social (FAS) que oferece acolhimento, abrigo e alimentação.
E os veículos da FAS são equipados com caixas de transporte, além do cuidado com os animais de pessoas em situação de rua como atendimento veterinário, aplicação de vermífugo, vacinas, castração e microchipagem. Entretanto, para a segurança desses animais diante das mudanças climáticas, não existem políticas públicas totalmente voltadas para a proteção da população animal de rua da cidade nessas circunstâncias.
Para mais informações sobre o tema, confira trechos da entrevista com a voluntária Marina Grabaski da ONG Ajude Focinhos para o Jornal Comunicação:
Galeria de Imagens dos resgates feito pela ONG Associação Ajude Focinhos






Galeria de Imagens da Autora (animais em situação de rua)





