Cemitério, lugar tranquilo, quieto, de paz. Viúvas, que choram a morte de parentes e parecem esperar o dia em que estarão “dormindo” ali. Crianças, que a passeio de escola, buscam arte fazendo seus desenhos, trazem uma enorme alegria para quem ali trabalha. Nesse mesmo local, encontramos pessoas felizes, brincalhonas e que adoram falar besteiras, os pedreiros de cemitério. Antes chamados de coveiros, hoje se chamá-los assim, você recebe um sonoro “coveiro é quem planta couve”. No cemitério Municipal São Francisco de Paula, em Curitiba, não existem mais as chamadas “covas”. São grandes construções, verdadeiros mausoléus, então os antigos “coveiros”, hoje se autodenominam pedreiros.
Tímidos, não gostam muito de falar, e se alguém pergunta para eles onde encontrar pedreiros, eles desconversam e logo dizem “conversa com fulano, vai falar melhor que eu” no encontrar a outra pessoa, só escutamos um “ah, ele só fala quando bebe, já apareceu até na televisão”. Como qualquer pedreiro, adoram contar piadas e histórias não muito críveis. Então é fácil vê-los chamando seu colega de “mentiroso”.
Seu “Bastião”, 70 anos, 60 de muito trabalho, bisavô e com muita disposição e felicidade é um dos pedreiros que trabalha para bem abrigar os mortos. Conta que iniciou sua vida trabalhando na lavoura de café, mas ao vir para Curitiba, começou a ajudar seu pai, ainda coveiro, na missão digna de construir um lar para a eternidade. Há 30 anos teve um problema com sua esposa, se abrigou próximo ao Cemitério e conquistou um emprego no local. Ama o que faz e não trocaria por nada sua “missão”. “Moro em Colombo, tenho meu cantinho aqui perto para guardar minhas coisas e tomo cuidado com a minha licença”, diz. Os pedreiros do cemitério recebem um alvará de trabalho da prefeitura, que é renovado de tempos em tempos, mas não ganham nenhum tipo de salário fixo.
Concorrentes, os pedreiros buscam com as famílias dos falecidos sua renda de cada mês. Algumas lápides são demoradas para a construção, então eles buscam grandes obras para receberem mais dinheiro. Amigos quando estão perto, reclamam da falta de confiança para com os colegas ali dentro. “Somos amigos, mas aqui todos buscam o seu trabalho. Se eu ofereço o serviço por 3 mil reais e essa pessoa fala para outro pedreiro esse valor, o outro logo oferece 2 mil e 800. Mas convivemos bem, todo mundo faz isso”, é comum na fala desses trabalhadores. Não gostam de falar do seu salário, recebem pelo número de trabalhos realizados, em média dez por semana segundo eles. São os responsáveis de ir atrás do material para construir o lar do morto que ali habitará. Seu João Carlos, que trabalha no cemitério há 28 anos, quando toca na questão salarial diz que: “tem que ser bom, senão não estaria mais aqui”.
Profissão difícil, que necessita bastante trabalho braçal. Bem por isso, Seu João Carlos, trouxe seu filho Alexandre para ajudar há três anos. Esse gostou e pretende continuar no trabalho iniciado pelo avô. Característica comum na profissão, filhos seguirem os pais, um trabalho que vem de mais de uma geração. “Temos que ensinar um trabalho para o filho, depois ele decide se continua nisso ou não”, afirma Seu João Carlos.
Cemitério, lugar calmo, mas que, na conversa, traz boas histórias. Seu João Carlos conta que os mortos não fazem nada, mas devemos mesmo tomar cuidado com os vivos. “Em 1987, ajudei num sepultamento, que uma distração rápida foi suficiente para um ladrão levar embora o terno do defunto, foi um desespero quando vimos ele pelado”, conta. Questionado sobre acreditar em espíritos, Bastião é enfático ao dizer que acredita, mas que eles moram em outro lugar. “No cemitério não acontece nada e quem diz que acontece está mentindo”, afirma bravo.
Medicina e amigos falecidos são os assuntos preferidos entre quem senta na “pracinha” do cemitério para conversar. Seu Francisco, 76 anos, frequente visitante do cemitério é um dos que se tornou amigo dos pedreiros. “Venho aqui há 20 anos, se tornou uma distração para mim, vir conversar com pessoas tão queridas como eles”. O pedreiro João Carlos se tornou um amigo de seu Francisco e ambos dizem não sentir muito um velório. “Não é próximo da gente normalmente, então aquela dor não vem, apenas tentamos realizar o nosso trabalho”, diz João.
Mas infelizmente não são todas as pessoas que os tratam assim, muitas vezes passam despercebidos por quem visita familiares, mas dizem nem ligar para isso mais. “Às vezes tem parente que não gosta muito de um acabamento e reclamam, mas é normal, recebemos para fazer do jeito que a família pede”, completa João Carlos.