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Abril Vermelho relembra Massacre dos Carajás e leva o tema Reforma Agrária para dentro da UFPR

Na análise literária de João Cabral de Melo Neto sobre as terras do Capibaribe, “Morte e Vida Severina” retrata a jornada de retirantes do sertão nordestino em busca de um lar na terra prometida do Recife nos anos 50, em plena expansão urbana brasileira. Na contemporaneidade, os “severinos” ainda existem, mesmo com uma roupagem diferente daquela do Brasil de 1968, ano em que a obra foi lançada. Para os assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) a terra prometida é outra, assim como as intempéries que os assolam. Em busca da reforma agrária popular, que atenda a distribuição de terras e a autonomia econômica do país, ano a ano centenas de assentados são vítimas de violência por conta dos conflitos pela terra.

Um dos principais condenados pelo conflito de Eldorado dos Carajás, coronel Pantoja, recebeu punição de 228 anos de cadeia, sendo, porém, absolvido pela Justiça diversas vezes.  Imagem: Arquivo Folhapress/Juca Varella - 11 Jun 1996
Um dos principais condenados pelo conflito de Eldorado dos Carajás, coronel Pantoja, recebeu punição de 228 anos de cadeia, sendo, porém, absolvido pela Justiça diversas vezes. (Foto: Arquivo Folhapress/Juca Varella – 11 Jun 1996)

Um dos mais notáveis destes conflitos ocorreu em 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás, no sul do estado do Pará. Na data, o então governador do estado emitiu uma ordem de ação policial para que fossem retirados de seu assentamento na rodovia PA-150 cerca de 1500 pessoas. O resultado da ação da Polícia Militar gerou a morte de pelo menos 22 sem-terra e deixou mais de duzentos outros assentados feridos.

A partir disto, militantes do grupo de jornada de lutas “Abril Vermelho” promovem ações anuais no mês de abril em lembrança do ocorrido. O movimento busca ainda, através dos eventos, dar destaque a casos semelhantes ao de Carajás, que ocorrem anualmente, mas são pormenorizados pela mídia.

Fruto de uma organização de alunos da UFPR, o “Abril Vermelho” também marcou presença na Universidade, e contou com programação especial durante o mês de abril. A turma de Direito composta por assentados da reforma agrária — que ingressou na universidade em 2014 através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) — trouxe maior movimento ao evento, além de colocar as principais pautas do MST em debate no círculo acadêmico.

Na exibição do filme-documentário “Nas Terras do Bem-Virá”, que aconteceu na Reitoria no último dia 14, os participantes discutiram temas como grilagem de terras, assassinatos em conflitos agrários e reforma agrária popular, a principal pauta do movimento no ano de 2015. “Nós sofremos várias coisas que foram colocadas no vídeo, desde a questão de que não se consegue dormir de madrugada por não saber se a polícia vai despejar os assentados até as ameaças sofridas pelos latifundiários”, conta a estudante baiana Jaqueline Andrade, 19, aluna do primeiro período do curso de Direito da UFPR pelo Pronera.

De acordo com dados da publicação anual “Conflitos no Campo- Brasil 2014” da Comissão Pastoral da Terra, o número de assassinatos por conta de conflitos agrários foi de 36 no último ano, fora outros 182 líderes militantes que foram ameaçados de morte. “O Abril Vermelho é um instrumento de denúncia que nós usamos das mortes que ainda acontecem em conflitos agrários”, comenta Isabel Ferreira, 19, também aluna da turma de Direito do Pronera. “Esse foi um acontecimento que é o marco do nosso movimento de lutas, pois chocou muita gente, mas também nos deu mais força pra continuar”, retifica a estudante.

Além de debates, a turma do Pronera também organizou homenagem em memória aos acampados no Prédio Histórico da UFPR.  Foto: Arquivo Pessoal/Valéria Fiori
Além de debates, a turma do Pronera também organizou homenagem, no Prédio Histórico da UFPR, em memória aos acampados. (Foto: Arquivo Pessoal/Valéria Fiori)

Para os estudantes, o debate na universidade é essencial uma vez que abre portas não apenas para a rememoração do evento de Carajás, mas também para fomentar as pautas elaboradas dentro do movimento aos mais diversos campos do conhecimento. “É preciso fazer a sociedade se unir para ganhar forças”, comenta Jaqueline. “Caso isso não aconteça, mortes irão continuar acontecendo dentro dos assentamentos como uma espécie de roda-viva”, reitera a estudante.

Em entrevista ao Jornal Comunicação, Rafael Batista, 23, dirigente estadual do Coletivo da Juventude do MST conta quais são as principais pautas do movimento no ano de 2015 e onde ele se encontra na atual conjuntura política do país.

Jornal Comunicação: Desde quando o Abril Vermelho faz parte do calendário do MST?

Rafael: Desde 1996. O massacre de Eldorado dos Carajás acabou se tornando uma data referente para toda a organização camponesa mundial. O confronto foi com a polícia, mas também se percebeu que havia pistoleiros juntos. Acabaram morrendo 19 companheiros e, mais tarde, três pessoas morreram no hospital. Além disso, mais de duzentas pessoas ficaram com sequelas devido ao conflito. O então presidente Fernando Henrique Cardoso decretou uma lei que fazia do dia 17 de abril o Dia de Luta pela Terra no Brasil. A partir daí, a Via Campesina, uma organização que articula todas as organizações camponesas, começou a trazer o debate da questão agrária para todo o país.

JC: Qual é o histórico da jornada de lutas do Abril Vermelho? Como começou a relação com as universidades?

R: Antes o evento era muito interno ao MST. A partir de 2007, com a participação de outros movimentos e da juventude, a ideia foi de que o debate da questão agrária não permanecesse apenas dentro do Movimento. Somam-se ao MST, portanto, a Via Campesina, os movimentos urbanos e organizações estudantis. Em 2008 reparamos a necessidade de aproximar o debate à academia, uma vez que a questão agrária não é um tema estudado dentro das universidades, de maneira geral. Em 2010, começamos a fazer jornadas universitárias em defesa das causas dos sem-terra. Muitas das ações acabam indo para os espaços de ocupação do MST. Assim os estudantes têm a chance de ir aos assentamentos e conhecer sua produção.

JC: Qual é a perspectiva atual quanto à violência em conflitos agrários no país?

R: A violência tem sido mascarada. Por mais que a grande mídia não esteja pautando isso, ainda há perseguição de militantes e dirigentes do movimento. Para se ter ideia, ontem mesmo, em uma das atividades do Abril Vermelho, uma das companheiras com camiseta vermelha quase acabou sendo agredida fisicamente na rua. Deste ponto de vista, a criminalização dos movimentos agrários, de modo com que ele pareça perigoso aos olhos da população, ainda é muito forte no Brasil. E ele não é, uma vez que toda luta feita por nós é pacífica. O que o movimento faz são atos de denúncia quando a terra é improdutiva e não está cumprindo sua função social.

JC: Atualmente mais de 50% dos deputados no Congresso Nacional faz parte da bancada ruralista. É possível concretizar as reformas agrárias e a regulação da mídia dentro deste perfil mais conservador do Congresso?

R: A reforma agrária tem de ser uma luta em conjunto com a sociedade. O tema que temos construído é de uma reforma agrária popular, que ainda não existe nos conceitos clássicos. A sociedade, tanto o campo quanto a cidade, precisa se unir nesta construção. Hoje 76% da alimentação produzida, e que chega às mesas dos brasileiros, vem da agricultura familiar. Acredito que apenas com um grande levante de massa da população é possível pautar a necessidade de mudança que queremos, assim como a democratização da mídia e a reforma política que atende uma Constituinte exclusiva e soberana.

Atividades do Abril Vermelho 2015 que você ainda pode participar:

– Jornada Socialista
Dia: 30/4
Horário: A confirmar
Local: Praça Santos Andrade

– Painel de Encerramento com presença do dirigente nacional do MST, Diego Moreira
Dia: 30/4
Local: Salão Nobre do prédio Histórico

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